Actualmente, no nosso mundo, há uma circulação mais ampla e mais rápida da informação. Este volume e esta velocidade da informação reflectem-se no desporto.
Mas embora informação não seja conhecimento, temos de reconhecer que a desinformação também abunda. E no seio do desporto também há desinformação. Tal como acontece no seio de cada modalidade desportiva, nomeadamente no Karaté…
Aliás, essa desinformação também é necessária, para sabermos distinguir o trigo do joio…
Aqueles que militam no desporto devem perceber que este não é só uma situação motora competitiva, uma actividade agonística codificada ou um sistema institucionalizado.
O desporto é prazer e satisfação mas também sofrimento e sacrifício. O desporto é incerteza e identificação mas também é disciplina e principalmente respeito, pois competição não é sinónimo de guerra nem adversário é sinónimo de inimigo.
E recordo-me aqui e agora da história que nos conta Álvaro Magalhães quando alguns amigos levam Jesus Cristo ao futebol, jogo a que este nunca assistira. «Primeiro marcaram os Crusaders, que eram protestantes. Jesus aplaudiu e atirou ao ar o seu chapéu. Depois marcaram os Punchers, que eram católicos. E Jesus voltou a aplaudir. Tal atitude desconcertou alguém que lhe perguntou. ‘– Afinal qual é a equipa que apoias, bom homem? – Eu? Não apoio nenhuma equipa. Aprecio o jogo, simplesmente.’, respondeu Jesus Cristo. O homem afastou-se dele com um gesto de desprezo e sussurrou ao ouvido do seu vizinho do lado: ‘– É um ateu!’» Pois é, Jesus é bom homem, mas afinal é ateu! Cabe-me aqui perguntar: quantos ateus existem entre nós, no Karaté?
Critica-se tudo e todos… Fala-se, diz-se, conta-se – mas de fundamentos, nada! Mas de justificações, nada! Mas de provas, igualmente nada! E de seguir os procedimentos correctos, menos ainda... Importante é o dan (o que seríamos sem as nossas graduações?) Importante é o diploma (o que seríamos sem ter algo para exibir?). Os homens do Karaté têm sido os seus melhores inimigos...
O desporto é campo de axiologias mas nele também proliferam as perversidades… e a política e as políticas, parentes pobres destas últimas…
O desporto é profissão mas também é ética, moral e deontologia. E o Karaté (desiludamo-nos, correndo o risco de ser condenado por heresia!) é uma modalidade desportiva igual a outra qualquer, com as suas virtudes e os seus vícios. Sim, porque o Karaté actual é um desporto...
E o desporto torna-se masoquismo quando nós potenciamos a angústia e o sofrimento (o nosso e até o dos outros) e sadismo quando contribuímos para o alastramento das perversidades (sobre os outros e até sobre nós próprios).
Para lutar contra a dispersão e o perecimento, o desporto procura gerir os antagonismos no seu seio, integrando-os de uma forma organizacional – ora criando órgãos próprios, deliberativos e executivos, ora modificando a sua estrutura e transformando-se de modo a aumentar as suas competências organizacionais, ora reformulando normas e regulamentos, ora recorrendo ao marketing para dar uma outra imagem.
Por outro lado o desporto autoreproduz-se e automultiplica-se, procurando que a taxa de reprodução seja compensatória em relação ao aumento da sua entropia (daí o aparecimento cada vez mais frequente de novas modalidades desportivas e de novas formas de espectáculo, de uma mais diversificada oferta de actividades e de novas maneiras de angariar mais alunos). Assim, o sistema desportivo e os que dele fazem parte sempre sentiram a necessidade constante de se autoreorganizarem e de se autoprotegerem – o que ainda hoje continuamos a verificar (outra heresia!). O sistema desportivo sempre sentiu a necessidade, também constante, de ele próprio se instituir em mito. E nele abundam as crenças…
O desporto também é um sistema autopoiético, que existe neste espaço de conversações, sob a forma de uma cultura. O Karaté faz parte desse sistema.
Piaget disse-nos que a reflexão é “uma conduta social de discussão, mas interiorizada”, enquanto a discussão socializada era uma reflexão exteriorizada. É esta reflexão que se produz na blogosfera.
Recebi de quatro amigos as primeiras mensagens de apoio a este blog. De José Oliveira (da Shodokan de Viseu -APGKS -, 6º dan, com quem dei os primeiros passos no Goju-Ryu), de João Ramalho e de José Ramalho (ambos 4º dan, da Kaizen Karaté Portugal, que comigo se iniciaram no nosso estilo) e de Eduardo Rafael, do Clube de Karaté Shotokan de Trancoso - UDKS. Verifica-se que a amizade está para além das distâncias, das associações, dos dojos, dos estilos… A todos o meu obrigado!
Seria óptimo que soubéssemos e que sonhássemos este espaço (neste mundo e neste tempo) como um local de reflexão e de comunicação, até porque o Karaté adquire uma dimensão ética não por ele próprio ou graças aos seus valores ancestrais, mas sim pelo contexto dos valores cultivados e transmitidos no terreno em que ele desponta e prolifera – e a blogosfera é um desses terrenos!
A reflexão, tal como o sonho, também comanda a vida, como bola colorida, entre as mãos de uma criança...
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