quinta-feira, 9 de abril de 2015

A vaca...

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"Profeta e discípulo em peregrinação perderam-se na negrura de uma montanha rude, descobriram cabana com gente pobre dentro. Deram-lhes o que tinham: o calor da fogueira, o leite que lhes sobrara do jantar, contaram-lhes que a vaca era o que os sustentava. Dormitaram, partiram. Era de madrugada, a vaca pastava à beira de um precipício - e o profeta ordenou ao discípulo, desconcertando-o:

- Atira-a para o penhasco!


- A vaca morre, a família fica sem alimento, balbuciou.

O profeta insistiu, o discípulo cumpriu a ordem em angústia. Várias vezes, culpando-se, lamentou-se, chorou...
Algum tempo depois, voltaram à montanha. Já não era a cabana miserável, havia plantações em redor, animais pastando. Ao jantar, não lhes deram leite, serviram-lhes carnes, frutas, vinhos, licores, tudo da quinta grande, deles. Dormitaram, partiram. E o profeta soltou em brado ao discípulo:

- Se não empurrasses a vaca para o penhasco, continuavam a alimentar-se apenas de leite, não tinham mudado de vida..."


Escolhei a vossa vaca...
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quarta-feira, 8 de abril de 2015

Um olho...

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Um jovem viajou através do Japão à procura de uma famosa escola de Karatedō. Quando chegou, foi recebido pelo Sensei.

"- O que desejas de mim?" perguntou o Mestre.

"- Eu gostaria de tornar-me seu aluno para vir a ser o melhor karateka do mundo. Quanto tempo terei de estudar?"

"- Dez anos, pelo menos!", respondeu o Mestre. 

"- Dez anos é muito tempo!" admirou-se o jovem. "- E se eu estudar duas vezes mais duro que todos os seus outros alunos?"

"- Vinte anos!" exclamou o Mestre.

"- Vinte anos? E se eu praticar dia e noite com todo o meu esforço?"

"- Trinta anos!", foi a resposta do Mestre.

"- Como é que cada vez que eu digo que 
vou trabalhar mais, o Mestre diz-me que ainda vou demorar mais tempo?" perguntou o rapaz.

"- A resposta é clara. Quando um olho está fixo no destino, só resta um olho para encontrar o caminho."


"Segue o teu sonho", na caligrafia de Miyazato Ei'ichi Sensei (宮里栄一 先生) - (1922 – 1999)

domingo, 5 de abril de 2015

O ladrão de machados

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"Um homem não conseguia encontrar o seu machado e suspeitou do filho do vizinho. Reparou no modo como o rapaz caminhava, modo que lhe parecia próprio de um ladrão de machados. A postura ao andar, a forma de falar e os gestos denunciavam-no como sendo o ladrão do machado.

Pouco depois, o homem estava a cavar no seu quintal e encontrou o machado perdido. No dia seguinte, avistou o filho do vizinho; desta vez, nada no comportamento do rapaz lhe parecia ser característico de um ladrão de machados."*



* Chuang Tzu e Lié Tzu, 2014, "A borboleta voando no vazio - um encontro com as raízes do taoismo", Lisboa, Dinalivro.