Tem a presente página o objectivo de dar a conhecer comunicações apresentados pelo autor em Congressos, Simpósios, Seminários ou Conferências, individualmente ou com colaboração de outros autores.
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ÍNDICE
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IX - "Da Ética Desportiva às Perversidades do Desporto", Conferência «Perspectivas sobre Ética e Desporto - que verdade desportiva?», Velas da Juventude e Junta de Freguesia de Alfragide, Alfragide, 2010 (A. Inocentes); a aguardar colocação
VIII - "Repensar a Sistemática do Karaté - nem «arte marcial» nem «desporto de combate", 2º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate, ADIV e ESE-IPV, Viseu, 2009 (A. Inocentes);
VII - “Atitudes perante comportamentos de violência na prática desportiva de alunos das EB 2/3”, 4th World Conference – Violence at School and Public Policies, Observatório Europeu da Violência nas Escolas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2008 (A. Inocentes / V. Ferreira).
VI - “Mitos e paradoxos do desporto e do karaté - o novo paradigma”, 1º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate, ADIV e ESE-IPV, Viseu, 2007 (A. Inocentes).
V - “Liderança, poder e autoridade do treinador de karaté”, 1º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate, ADIV e ESE-IPV, Viseu, 2007 (A. Inocentes).
IV - “Violências do desporto e violências no desporto”, XVII Jornadas de Educação Física do Exército, Centro Militar de Educação Física e Desporto, Mafra, 2005 (A. Inocentes); a aguardar colocação
III - "Violência no Desporto: Investigação, Dificuldades e Lacunas", Simpósio Nacional de Ciências do Desporto, FMH-UTL, Cruz Quebrada, 2004 (A. Inocentes / V. Ferreira).
II -“Sportive Violence’s and Violence in Sport – Expressions and Meanings”, European Seminar «I.O.U. Respect: Youth Hostels and Education through Sport for Young Fans and Players”, European Union Federation of Youth Hostel Associations, Almada, 2004 (A. Inocentes / C. Lopes).
I - “Violence in children and youth sportive practice - Physical Education Teachers perceptions abaout violente behaviour in schools”, AIESEP Congress: ‘Professional preparation and social needs’, La Coruña, Espanha, 2002 (A. Inocentes / V. Ferreira).
VIII
REPENSAR A SISTEMÁTICA DO KARATÉ
Nem «arte marcial» nem «desporto de combate»
Armando Inocentes ©
(Comunicação apresentada ao 2º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate,
Armando Inocentes ©
(Comunicação apresentada ao 2º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate,
16 e 17 de Maio de 2009, ADIV e ESE-ISPV, Viseu)
1. INTRODUÇÃO
“Ver alguém não ver é a melhor forma de ver intensamente o que ele não vê.”
Roland Barthes
A associação de ideias e/ou de imagens entre Artes Marciais e Karaté, Kung-Fu, Kickboxing, Taekwon-do ou mesmo Judo é imediata. Ao falarmos de Artes Marciais colocamos a tónica numa dimensão espacial (geográfica) oriental que nos conduz a uma dimensão temporal, nomeadamente à época feudal japonesa.
Não é comum referirmo-nos às Artes Marciais do ocidente nem reportarmo-nos à Idade Média, período igualmente feudal, embora já existam investigadores a debruçarem-se sobre esta problemática – Torres (2005) e Price (2009) –, mas é corrente o realce dado à passagem de uma “arte marcial oriental” a “desporto de combate”.
São conhecidas as posições extremistas de vários agentes desportivos em relação mais à classificação que à definição do «Karaté»: para uns marcial, sem competição, para outros desporto de combate, visando a obtenção da vitória em campeonatos.
Consultando o Dicionário Verbo de Língua Portuguesa (2006), verificamos que para a entrada «marcial» se especifica “que é relativo à guerra ou que é próprio da guerra, bélico, guerreiro”, enquanto para «combate» aparece “recontro violento entre forças militares ou indivíduos armados, batalha, confronto, luta”. O Dicionário Enciclopédico Alfa (1992) define «marcial» como aquilo que é “relativo à guerra; belicoso, relativo a militares ou a guerreiros” e apresenta para «combate» a definição de “acto de combater”, precisando a seguir “luta entre gente armada ou forças militares; batalha, peleja, recontro”. Por seu lado, o Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse (1981) apresenta como sinónimo de «marcial» “belicoso, que tem ar guerreiro” e para «combate» apresenta o sinónimo “luta armada”.
Podemos pois equacionar se será o mais correcto classificar o Karaté institucionalizado em termos federativos como “arte marcial” ou como “desporto de combate” ou se poderemos avançar para uma melhor nomenclatura, tendo em conta que a sistemática, mais do que sobre uma taxonomia, deverá reflectir sobre o relacionamento entre os diferentes modos de prática/competição (e respectivos objectivos) segundo um sistema institucional, ajudando a compreender o global e a inter-relação entre as suas partes assim como a inter-acção das suas partes no todo.
“Conhecer significa dividir, classificar e quantificar, para determinar relações sistémicas de uma forma simplificada, que assentem em métodos científicos conhecidos. Estas categorias apresentam normas que incluem regras e decisões, que vão orientar as nomenclaturas, e que implicam por sua vez um sistema de nomes científicos aplicados às unidades taxonómicas. Desta forma, a nomenclatura deve ser considerada como entidade universal comum ao mundo na generalidade, sendo um conjunto de palavras peculiares (processos dialécticos) a uma ciência, as quais são atribuídas de uma forma sistemática aos objectos de uma dada actividade” (Peixoto, 1997).
Pretendemos assim abordar as classificações mais correntes para a actividade denominada «Karaté» sem estarmos preocupados em primeiro lugar com uma classificação rígida, determinista; em segundo lugar, sem darmos grande relevo ao facto do Karaté poder ser praticado em termos competitivos – acção motrícia de combate ritualizado, segundo Figueiredo (2006) – ou somente em termos de prática motora (actividade física); em terceiro lugar analisar mais o conteúdo e os objectivos desta actividade em detrimento da sua forma (relação entre a sua essência e o meio envolvente no momento actual tendo em conta o fim com que se pratica e os efeitos que poderá ter na sociedade de hoje); e em último lugar, tentarmos chegar a uma conclusão sobre uma melhor caracterização nomenclatural da mesma.
Mas independentemente das conclusões a que chegarmos, uma coisa será sempre a designação e outra será sempre a actividade e os fins com que se pratica. Para a prática não é imprescindível a nomenclatura, mas esta é necessária para o estudo daquela.
2. DA ARTE DA GUERRA AO DESPORTO
Sabemos que se pode jogar sem se estar a fazer desporto. Mas não se pode praticar desporto sem se jogar, pois o jogo (juntamente com a agonística, o movimento, a institucionalização e o projecto), segundo Gustavo Pires (1996), é componente imprescindível do desporto.
Sabemos que se pode jogar sem se estar a fazer desporto. Mas não se pode praticar desporto sem se jogar, pois o jogo (juntamente com a agonística, o movimento, a institucionalização e o projecto), segundo Gustavo Pires (1996), é componente imprescindível do desporto.
Citando Caillat (2008), “os animais «jogam» mas não é por isso que fazem desporto”.
E se antes de existir o desporto já existia o jogo, na passagem do jogo a desporto teremos a considerar as categorias fundamentais do primeiro – agôn (competição), alea (sorte), mimicry (vertigem) e ilinx (simulacro) – propostas por Caillois (1990), importantes para o estudo do último, defendendo Sobral (1988) que estas categorias se podem aplicar ao desporto.
O agôn representa a competição, o confronto – ou seja, “um combate em que a igualdade de oportunidades é criada artificialmente para que os adversários se confrontem em condições ideais, susceptíveis de dar valor preciso e incontestável ao triunfo do vencedor” (Caillois, 1990).
A agonística está presente em fenómenos culturais sujeitos a um mesmo código, tais como o duelo e o torneio (Caillois, id.). Sendo o desporto, ele próprio, cultura – pois até Ortega y Gasset afirmou que “a cultura não é filha do trabalho, mas sim do desporto” – não há desporto sem agonística.
O simulacro encontra-se também presente no desporto, particularmente no desporto de competição e a teoria catártica pretendeu explicar os jogos como alternativas inócuas ao exercício da guerra (Sobral, 1988). Se para Sobral (id.) muitos dos desportos actuais derivam, por um caminho directo, das artes militares, tais como a esgrima, o tiro, a equitação, o pára-quedismo e o pentatlo moderno teremos de salientar que o tiro com arco (McIntosh, 1967), o lançamento do dardo – versão moderna do arremesso efectuado com uma lança (Barrett, 1996) –, o judo (Robert, 1983) e o karate-do (Bishop, 1995; Braunstein, 1999) também daí são provenientes, numa linha que provém dos Bushi.
Em relação aos desportos de combate, Sobral (1988) considera que o simulacro não é uma preocupação desenvolvida até às últimas consequências, referindo que “mesmo naquelas modalidades desportivas aparentemente menos associadas ao exercício militar, como é o caso dos jogos desportivos colectivos, a terminologia não consegue fugir a certos conceitos castrenses: estratégia, táctica, manobra…”. No futebol, um «pontapé de canhão» ou um «tiro à baliza» que não são mais do que um remate (termo que só por si indica uma acção finalizadora) – um movimento intencional, um efeito motor de arremesso de um objecto com um membro inferior –, ou um «disparo» no atletismo ou no ciclismo quando se larga o pelotão (mais um termo militar) remetem-nos para as armas de fogo.
Os conteúdos desenvolvidas pelo estratega e perito na arte da guerra Clausewitz (1997) frequentemente aparecem em livros de teoria e metodologia dos jogos desportivos e ele próprio afirma que quando o elemento «acaso» se encontra presente na guerra, esta torna-se um jogo.
Estratégia ofensiva, movimentações, defesa, ataque, contra-ataque… são termos utilizados na vida desportiva que também estão presentes na obra de Sun Tzu (1994), outro especialista na arte da guerra.
Gustavo Pires (1996) corrobora esta ligação: “Não é difícil, mesmo para o leigo, encontrar um conjunto de similitudes entre a terminologia militar e aquela que se aplica no mundo do desporto. O desporto é mesmo isso. É um espaço de conflito controlado onde se extravasam agressividades e tensões que são próprias da condição humana, dentro de limites éticos e morais que devem caracterizar as relações entre os Homens na sociedade moderna”. Vai mais longe ainda ao declarar que o desporto e a sua organização encontram as suas raízes na “arte da guerra” e na necessidade humana de resolver questões através de processos em que se utiliza a força da violência para resolver problemas.
Também Brohm (1976) considera que o universo desportivo é o reflexo civil do universo guerreiro, o que não se verifica somente ao nível da linguagem ou do código de honra de inspiração cavalheiresca e militar com todos os seus ritos, mas também, e sobretudo, na sua organização.
Enquanto na grande maioria das modalidades o praticante domina um objecto (uma bola, uma bola com uma raquete ou uma raquete e uma pena, um taco, um stick e uns patins, um arco e uma seta, uma pistola ou uma espingarda, uma besta, várias bolas e um taco, uns esquis, um peso, um martelo, um dardo, uma vara, uma bicicleta) e noutras modalidades se procura dominar o tempo através do cronómetro (natação, atletismo, ciclismo), nos desportos de combate o dominar o objecto reflecte-se em dominar (no sentido de manusear, utilizar, até finalmente exercer influência sobre, com o fim de submeter) reflecte-se, dizíamos, em dominar o adversário – o objecto é neste caso um ser que age e reage, um ser que pensa e que sente. Nos “desportos de combate” não há um elemento dinâmico (ser humano) e um elemento físico (objecto), pois existem dois elementos dinâmicos, autónomos, criativos, dispondo de uma motricidade intencional, que se opõem e confrontam até se designar um superior ao outro segundo certos parâmetros. O facto de um procurar submeter o outro confinado pelos critérios pré-determinados, o facto de um procurar dominar o outro segundo certas regras, o facto de um ter de se superiorizar ao outro para ser declarado vencedor encontra, de facto, a sua origem no universo guerreiro. O contacto corporal que existe nos desportos colectivos não se confunde com o contacto corporal directo intencional nos “desportos de combate”. Nestes, o corpo do outro é objecto e objectivo da acção. Centramo-nos aqui no Kumite, sendo a Kata, como representação, a estilização do mesmo.
Na opinião de Terret (2007), “as práticas «desportivas» correspondem a funções militares, educativas ou sagradas que não podem ser comparadas com as lógicas contemporâneas do desempenho”. Mas se para certos autores o desporto evoluiu da arte da guerra através de um processo civilizacional (Elias, 1992, 1994), “outros autores consideram ainda que o desenvolvimento dos jogos-desportos se inserem numa simulação do confronto mimético, que substitui as confrontações físicas explícitas e reais. Esta substituição insere-se noutras transformações mais gerais da civilização ocidental verificadas nesse período que se caracterizam pelo maior controlo dos estados emocionais, e por uma maior repugnância face ao recurso à violência física explícita e real” (Marivoet, 1998).
3. DA VIOLÊNCIA NO DESPORTO ANTIGO
Se hoje em dia verificamos que existe uma certa violência na prática desportiva, entre os intervenientes directos no próprio jogo, as agressões entre desportistas sempre existiram e durante o período antigo elas eram extremamente rudes (Lassalle, 1997).
Thomas (1998) e Durantez (1987), abordando os Jogos Olímpicos antigos, referenciam os casos dos lutadores Leontiskos que vencia os adversários partindo-lhes os dedos e de Arrichion que foi retirado morto da arena do estádio em 564 AC. Durantez (id.) refere também os casos do pugilista Glaukos de Caristos que aplicava aos seus adversários golpes demolidores na cabeça, de cima para baixo, e de Apolónio que agrediu Herakleidas, em 93 AC, após este já ter sido declarado vencedor.
No entanto, Durantez (id.) é de opinião que se desconhece se, em Olímpia, alguma vez terá existido uma violência física individual ou colectiva no sentido daquela que estamos habituados a ver em algumas competições no nosso tempo.
Porém, Paleologos (1983) defende que na antiguidade não há nenhum exemplo de manifestações de violência entre indivíduos ou equipas.
Mas Landry (1983) afirma que “na Antiga Grécia, um dos modelos de conduta mais honoráveis era o que combinava a força física com a astúcia mental. Deste modo, a luta por honrarias e a vitória nas competições atléticas era acompanhada de um grau surpreendentemente elevado de violência física”.
Numa análise sobre o desporto na sociedade, McIntosh (1967) revela que os Espartanos orientavam toda a sua maneira de viver no sentido de manterem e aperfeiçoarem a eficiência militar e proclamavam que os seus treinadores desportivos sabiam tudo sobre táctica militar porque consideravam a competição desportiva como preparação para a guerra.
Tábuas de argila representando lutadores sumérios (3000-1500 AC), a luta, o boxe, a equitação e o tiro com arco praticado pelos egípcios (Thomas, 1997), o jiu-jitsu (660 AC) ancestral do judo (Robert, 1983), e as práticas física dos romanos orientadas essencialmente para a preparação militar (Thomas, 1997), demonstram, como conclui Cánovas (1985), que a perspectiva histórica nos permite apreciar que o desporto, desde as suas origens nas sociedades primitivas e antigas, esteve relacionado com a violência e a guerra.
Nos tempos de Platão e Aristóteles (séc. IV e III AC), que defenderam a causa da ginástica, estaconsistia por um lado, em actividades que tinham um atractivo imediato como acontecimentos desportivos (corridas, lutas corpo-a-corpo, lançamento do disco) e, por outro lado, implicava formas de preparação física que eram necessárias para a sobrevivência em caso de guerra (McIntosh, id.).
Para Thomas (1998) a violência existente na época grega perpetuou-se na época romana (recordando os combates entre gladiadores) e na Idade Média também se encontram alguns dos seus vestígios (recordem-se as justas e os torneios), referindo que os historiadores relatam que no torneio de Neuss, perto de Colónia, em 1240, se enumera a morte de 60 cavaleiros. O próprio Henrique II viria a falecer em consequência de um ferimento recebido durante uma justa (Thill, Thomas e Caja, 1994). Havia ainda os páreos (em que dois cavaleiros corriam de mãos dadas), falecendo no decorrer de um deles, em Portugal e nos finais do século XV, o infante D. Afonso (Serpa, 2000).
Segundo McIntosh (1967) o torneio era uma luta marcial que nos primeiros tempos, foi, sem dúvida, um exercício violento, sendo por vezes um autêntico treino militar, nada tendo de desporto.
Importa aqui realçar que os primeiros instrumentos fabricados pelo homem para a caça são os mesmos que mais tarde se transformarão nas armas para uso na guerra – “o emprego de utensílios parece ser o carácter biológico principal do homem pois, considerados na sua função, são prolongamentos destacáveis dos seus membros anteriores” (Oakley, 1961) – e posteriormente servirão de instrumentos desportivos.
Uma das armas mais antigas da história do homem, a espada, irá dar origem a um novo desporto, a esgrima, no século XVII, pois com o aparecimento das armas de fogo deixou de servir os fins para que era usada: a guerra. A arma dos duelos por excelência (Barrett, 1996), inicialmente de lâmina larga e cortante, usada para desferir golpes de alto a baixo, transforma-se numa lâmina afilada para tentar perfurar o adversário. Os duelos de desagravo dão então origem ao aparecimento das salas de armas (Thomas, 1997). Do «perfurar» evolui-se posteriormente para o «touché»...
A comparação entre o nível de violência verificado nos jogos da Grécia Antiga ou nos torneios da Idade Média e o que existe actualmente no desporto, relacionado com o nível geral da violência socialmente permitida, com o nível da organização do controlo da mesma e com a correspondente formação da consciência, servem para Elias (1992) justificar o processo de civilização, sendo os desportos para este autor um produto da domesticação da violência, pois “constituem oportunidades para a expressão da violência física socialmente aceitável e ritualizada” (Dunning, 1992).
Na opinião de Brohm (1976, 1993), no campo desportivo encontram-se os três tipos principais de violência contemporânea: a violência institucional (do estado, jurídica, económica, social), a violência física (agressões, golpes, brutalidades, ofensas) e a violência simbólica (aquela que ressalta da lógica da competição desportiva: exclusões, eliminações, derrotas, «humilhações nacionais»).
4. O PROCESSO CIVILIZACIONAL
O “processo civilizacional” (Elias, 1994) pode ser entendido como um processo de evolução social não intencional, não planeado, onde se analisam as alterações de comportamento, as disputas de poder e a consequência destes acontecimentos para o progresso da sociedade.
Segundo Elias (id.), “rigorosamente falando, nada há que não possa ser feito de forma «civilizada» ou «incivilizada»”. Podemos pois verificar que o processo civilizacional é atemporal, já que aquilo que é considerado «civilizado» hoje poderá não o ser no futuro, tal como certos padrões considerados civilizados antigamente são altamente criticáveis hoje (as relações feudais ou a escravatura, por exemplo).
Para Elias (id.) "a questão por que o comportamento e as emoções dos homens mudam é, na realidade, a mesma pergunta por que mudam suas formas de vida". Ainda segundo o autor, “de qualquer modo, o processo se desenvolve em alguns aspectos de uma maneira que é o exacto oposto do que em geral hoje se supõe. Em primeiro lugar, ao longo de um período extenso e em conjunto com uma mudança específica nas relações humanas, isto é, na sociedade, é elevado o patamar de embaraço. A estrutura das emoções, a sensibilidade, e o comportamento das pessoas mudam, a despeito de variações, em uma direcção bem clara. Então, num dado momento, esta conduta é reconhecida como «higienicamente correcta», isto é, é justificada por uma clara percepção de conexões causais, o que lhe dá mais consistência e eficácia”.
Portanto, embora o processo civilizacional tenha sido objecto de estudo em relação à sociedade ocidental, parece-nos que ainda se encontra por elaborar esse mesmo processo em relação à sociedade japonesa e às artes marciais.
Em 1600, a batalha de Sekigahara, onde mais de 200 000 homens se confrontaram essencialmente com arma brancas, permitiu unificar o arquipélago e pôr fim à Idade Média japonesa (Kessler, 2008). Cerca de 3 milhões de japoneses pereceram na segunda grande guerra mundial, mas entre 1950 e 1974 o país conheceu um crescimento económico de 10% (Lechevalier, 2008). Como se levantou um país após tais hecatombes? Se “na «modelação» do comportamento interpessoal se demonstrou uma tendência civilizadora a longo prazo” (Elias, 1999), como evoluíram as relações interpessoais entre quem praticava uma arte marcial e passou a praticar um desporto?
Ainda de acordo com Elias (id.) "pode-se investigar como é que determinadas sociedades humanas diferem uma das outras. Também se pode investigar como é que todas as sociedades humanas se assemelham".
O próprio Elias (1994) aborda este assunto quando afirma que "por certo constitui missão de toda teoria sociológica esclarecer as características que todas as sociedades humanas possíveis possuem em comum".
As artes marciais, em diferentes momentos temporais das sociedades, tanto ocidentais como orientais, influenciadas por essas sociedades ou influenciando-as, acabaram por perder as suas características originais de artes da guerra. Em relação ao Karaté teremos ainda de considerar que “a difusão, ou seja, o transporte de realidades culturais de uma para outra cultura, não é um acto, mas sim um processo cujo mecanismo muito se assemelha ao de qualquer processo evolutivo” (Malinowski, 1997). E como tal, há acomodações e assimilações, há interpenetrações e interdependências, há progressos mas também degradações e degenerações, há ganhos mas também perdas (Inocentes, 2009).
Originalmente, como refere Elias (1994) "o medo reinava em toda a parte e o indivíduo tinha que estar sempre em guarda". Um maior equilíbrio social, uma maior segurança individual, levam a que a «adaptação» das práticas de combate se transformem em práticas desportivas, pelo que se pode justificar tal transição pelas mudanças ocorridas na sociedade, onde muitas das técnicas «guerreiras» utilizadas anteriormente, quer com armas quer com o próprio corpo, se tornaram obsoletas, ao mesmo tempo que a violência real se transformava numa ritualização.
Continuando com a análise de Elias (id.), “forçadas a viver de uma nova maneira em sociedade, as pessoas tornam-se mais sensíveis às pressões das outras. Não bruscamente, mas bem devagar, o código de comportamento torna-se mais rigoroso e aumenta o grau de consideração esperado dos demais. O senso do que fazer e não fazer para não ofender ou chocar os outros torna-se mais subtil e, em conjunto com as novas relações de poder, o imperativo social de não ofender os semelhantes torna-se mais estrito, em comparação com a fase precedente”.
Sendo assim, no oriente, um homem já não deambula com a sua katana, o seu bo ou o seu nunchaku pelas artérias das grandes cidades ou pelos baldios dos campos. Quer seja com objectos-armas quer com armas naturais do corpo humano já não necessita nem pode atacar, agredir ou mesmo matar para comprovar a eficácia de sua técnica, como ocorria no passado. Como única excepção, pode no entanto ainda defender-se, em caso de legítima defesa (Lopes, 2009), utilizando as mãos nuas.
Starepravo e Mezzadri (2003) realçam que "as técnicas militares deram lugar às técnicas de debate, à retórica e à persuasão, exigindo um maior autocontrole, caracterizando um avanço da civilização". Assim, muito do que era praticado como uma preparação para a guerra, tanto no ocidente (recordemo-nos de Roma e de Esparta) evoluiu de modo a ser actualmente um desporto com várias modalidades semelhantes.
A forma como as técnicas que tinham como objectivo o combate guerreiro foram abordadas difere substancialmente entre as sociedades ocidentais e orientais. Segundo Reid e Croucher (1990), “ao passo que os europeus, no decorrer da História, tradicionalmente dedicaram-se a desenvolver e aperfeiçoar aos armamentos de destruição em larga escala, na Ásia esse processo foi precedido – e, provavelmente, várias vezes impedido – por uma maneira muito mais refinada de encarar os conflitos humanos, maneira essa que geralmente damos o nome de «artes marciais»”.
Um factor que não se podem ignorar é o facto de nas artes marciais orientais, as religiões e as filosofias estarem directamente ligadas ao seu desenvolvimento, fazendo com que estas possuam uma conotação completamente diferente das demais formas de combate existentes, nomeadamente no ocidente. No entanto, não devemos apenas analisar o que as diferencia, mas também as suas semelhanças e o que as aproxima, já que as práticas marciais também fizeram parte da sociedade ocidental, com suas tradições próprias e as suas características peculiares.
Torres (2005) diz-nos que “o ocidente tem também acoplado à sua cultura e historicidade um bom número de manifestações marciais. Porém, diferentes dos orientais, nós ocidentais, não tivemos uma valorização histórica da nossa marcialidade, deixando-a desconhecida para nosso povo. O oriente teve as artes marciais relacionadas à cultura, filosofia e principalmente à religiosidade, colocando-as como destaque social. No ocidente a religião era o primeiro ponto que criava uma barreira para as artes marciais, pois afirmava que o corpo deveria ser desvalorizado e somente o espírito valorizado. E não esclarecia que a belicidade marcial bem conduzida espiritualmente serviria para a evolução, como é no oriente”.
Nos dizeres de Johnson (1986), “a atitude ocidental é principalmente orientada para objectivos, pragmática e reducionista, apontando para a consideração do produto mais do que do processo, dos fins mais do que dos meios, e dos objectivos mais do que das experiências pelo seu próprio mérito. Em contraste, os orientais vêem as oposições como relação e fundamentalmente harmoniosas. Eles reconhecem uma não-divisão entre produto e processo, fins e meios, ou objectivos e experiências”.
Verificamos assim que, a ocorrência de uma mudança no papel e nas finalidades das artes marciais desde os tempos antigos até aos tempos actuais, quer seja no ocidente, quer seja no oriente, e em ambos em moldes diferentes, essa mudança contribuiu para o desenvolvimento do processo civilizacional.
E quer se debata o conceito de «arte marcial» com valores que são diferentes do simples aspecto técnico, quer se debata o conceito de «desporto de combate» com objectivos mais competitivos, o que é certo é que actualmente em ambos a morte do adversário é simbólica e é a motricidade humana em ambos, como intencionalidade operante, que serve para diferenciar a intervenção educativa actual da dos tempos antigos.
Se as artes marciais procuravam preservar a sua tradicionalidade abordando as necessidades do homem através do arsenal técnico que este possuía e que comprovaram a sua eficiência ao longo dos tempos, ultrapassando até espiritualmente os limites de uma luta física, os desportos de combate actuais procuram primeiro uma superação de si próprio como ser humano e posteriormente a superação do adversário.
Como menciona Imamura (1994), mesmo nas actualmente ainda denominadas «artes marciais», “o seu valor maior não está em ser uma arte de combate, mas sim por representar o combate, já que através desta simbologia, os movimentos podem actuar de forma global no indivíduo, podendo servir como instrumento na sua formação física, intelectual e emocional”.
5. GÉNESE DO DESPORTO E DESPORTO ACTUAL
Poderemos admitir, em primeira instância, que a génese do desporto se encontra na caça – o Australopithecus Africanus já era caçador e poderá ter usado paus e ossos como armas, enquanto o Homo Neanderthalensis era um hábil caçador e já caçava animais de manadas –, pois “a caça apela para a cooperação, desde a organização da expedição até à captura da caça, sem omitir a divisão das tarefas antes e depois da captura. Por outro lado, o trabalho do indivíduo depende em cada instante do dos companheiros” (Moscovici, 1977), o que pressupõe a utilização de estratégias de conjunto. É a caça a primeira actividade do homem onde surge a existência de uma planificação com vista à adopção de estratégias de conjunto a fim de se tomarem as melhores decisões em relação ao fim em vista – segundo Moscovivi (id.) “a caça engloba uma cadeia complexa de acções preparadas, organizadas, colectivas, um equipamento intelectual e técnico exigindo uma formação prévia dos indivíduos”.
E é ao começar a utilizar armadilhas na caça que o homem começa a desenvolver tácticas – “a caça por meio de armadilhas e as técnicas anexas incluem o ataque e a defesa numa única acção” (Moscovici, id.) – e passa do fabrico do utensílio individual para o fabrico do utensílio colectivo (a rede, a fossa, ou as estacas para capturarem o animal). “O conteúdo técnico e intelectual da caça por meio de armadilhas testemunha o facto de a caça ser autodomínio, resistência, mas sobretudo astúcia” (Moscovici, id.) – e é precisamente este último aspecto que é importante como mais valia dos povos caçadores, pois “transforma uma posição de fraqueza numa posição de força e acrescenta ao aparente, o dado, a dimensão do simulado e do construído” (Moscovici, id.).
Em segunda instância, a génese do desporto moderno encontra-se, no século XVIII, na caça à raposa típica da Inglaterra (Elias, 1992). Pela primeira vez apareceram procedimentos e códigos de honra que impunham a realização de actividades apenas pelo gosto e pelo prazer de nelas participar. Era proibido aos intervenientes na caça à raposa caçar outros animais – logo, não havia contrapartidas para os caçadores – e era proibido aos caçadores matar a raposa – logo, o objectivo era o prazer obtido pela participação na caçada.
Mas do século XVIII aos nossos dias, grande foi a evolução daquilo que hoje conhecemos por «desporto».
Do «deportatre» latino, que significa distrair-se, divertir-se, e cuja evolução originará o termo «desport» (que mais tarde, em algumas línguas, ainda derivará para «sport») grande foi a transformação dos fins do desporto. Entre 1850 e 1914 o objectivo principal do desporto era a moral e a educação, para após a primeira grande guerra mundial começa a emergir o objectivo espectáculo, verificando-se que a partir da década de 80 o desporto começa a ser mais uma indústria geradora de comércio e de comunicação envolvendo somas monetárias avultadas e dando origem a um indeterminado leque de outras actividades que gravitam à sua volta.
Actualmente o desporto encontra-se perfeitamente definido e delimitado.
Para Caillat (2005) o desporto comporta uma situação motora competitiva (competições a todos os níveis designando vencedores e vencidos), uma actividade codificada (com regras e regulamentos) e um sistema institucionalizado (organizado em torno de federações), esclarecendo-nos ainda que “o carteiro fazendo o seu giro de bicicleta ou os amigos que se encontram para correr à beira-mar não fazem desporto” (Caillat, id.), o que vem ao encontro de Sarmento (2004), quando afirma que “um indivíduo que num lago passeia de barco não faz desporto. Um indivíduo que entra numa regata faz desporto”.
Sarmento (id.) especifica que o lúdico define comportamentos e estilos de vida, é livre e espontâneo, enquanto o desporto é definido pela ordem e pela regra, pela intensidade do esforço físico, pela ideia de confronto e pelas formas de o fazer.
Como conclusão, Sarmento (id.) diz-nos que entre o lúdico e o desporto a actividade é a mesma, mas há diferenças sobre o objectivo da acção.
Assim, podemo-nos encontrar perante o mesmo tipo de prática desportiva, perante a mesma actividade, mas essa prática ser desenvolvida com objectivos diferentes. Podemos pois praticar Karaté com vista a uma auto-emulação, onde a superação de si próprio está representada nos exames de graduação, sendo a Kata e o Kumite um meio, ou podemos praticá-lo num quadro competitivo onde a hetero-emulação é saliente, onde a superação do adversário é visível nos campeonatos, sendo a Kata e o Kumite um fim. Sendo uma prática institucionalizada, estamos na esfera do desporto em qualquer um destes casos.
6. ARTE MARCIAL E DESPORTO DE COMBATE
Marte, deus romano da guerra... O que nos leva a deduzir que o qualificativo «marcial» é de origem ocidental: aplicava-se na civilização romana aos soldados, ao mundo militar e guerreiro. Mas actualmente “há um certo «orientalismo» na denominação «artes marciais»” (Figueiredo, 2006).
Possivelmente, o termo «arte marcial» foi escrito pela primeira vez num poema de Jo. Sotheby introdutório ao livro “The Gentleman’s Armourie”, publicado por Pallas Armata , no ano de 1639 em Inglaterra, e referia-se à “arte marcial da esgrima”.
Recorrendo a Figueiredo (2009), o termo “artes marciais” aparece nos dicionários ingleses de 1933 como tradução do termo japonês bujutsu. Num dicionário francês de 1989 «arte marcial» é definida como “desporto de combate tradicional da Ásia do Este” e como “desportos de combate tradicionais do Extremo Oriente”.
No célebre livro de 1643, escrito por Miyamoto Musashi, “Go Rin No Sho” (Musashi, 2007), o termo heiho é traduzido como «arte marcial». A tradutora, Catarina Fonseca, explica-nos que este termo, escrito com dois caracteres, levanta um problema: o primeiro ideograma pode querer significar «soldado», «batalha», «arma» ou «estratégia», pelo que defini-lo como «marcial» é correcto, enquanto o segundo é um pouco mais complicado e tanto pode querer ter o significado de «lei», «método», «técnica», «arte», como de «modelo», «sistema» ou «doutrina». No budismo, acrescenta ainda a tradutora, no qual Musashi era versado, este segundo ideograma pode significar «verdade» enquanto percepção ou prática do budismo em si e, apesar de existir o termo gei para designar outras artes (tal como a cerimónia do chá, o teatro noh ou a arte do arco – kyudo), Musashi utiliza este termo para descrever o seu «caminho».
Curioso é o facto de na tradução de Luís Serrão, a partir da versão inglesa do livro “The Book of Five Rings”, de Musashi (2002), todos os termos em que na tradução anterior (Musashi, 2007) aparecem como «arte marcial», neste segundo livro aparecem sempre e só traduzidos como «estratégia».
Deixamos aqui uma primeira questão, que tem a ver com os vários sentidos que uma expressão pode assumir quando se efectua uma tradução de uma língua oriental para uma ocidental.
A segunda questão tem a ver com o facto de não ter sentido actualmente o conflito teórico entre “artes marciais” e “desportos de combate”, porque o contexto histórico, social e cultural em que proliferaram as primeiras, é completamente diferente daquele em que se desenvolveram os segundos (Figueiredo e Inocentes, 2009).
Inocentes (2009) afirma que “a transição progressiva de técnicas guerreiras a desporto (jogo) processa-se através de tempos e de lugares, assim como através de um processo histórico influenciado por mudanças e movimentações”, acrescentando que “a passagem do Karaté de arte marcial a desporto de combate não é uma mutação repentina, mas um processo gradual (com diversas fases em diferentes contextos históricos) inserido em modificações socio-culturais e pela aculturação de uma realidade oriental na cultura ocidental. Todo este processo originou aquisições e reinterpretações mas também degenerações, até porque as condições históricas criaram situações objectivas de desigualdade”.
Conclui ainda Inocentes (id.) que “neste avanço temporal, assim como numa deslocação geográfica e cultural, há toda a transferência de rituais que perdem os seus significados originais e ganham outros similares ou diferentes”.
Procurando as origens do Karaté, McCarthy (1996) apresenta-nos quatro teorias para se explicar o aparecimento do Karate-Do. A primeira reclama que a tradição das lutas sem armas foram desenvolvidas pelos camponeses. A segunda afirma que as artes de luta de Okinawa foram primeiramente influenciadas pelas artes chinesas, que eram ensinadas pelas auto-designadas “36 famílias”, de imigrantes chineses que se estabeleceram na vila de Kume (também conhecida por Kuninda) no século XIV. A terceira teoria está ligada às 1507 armas banidas pelo rei Sho Shin, o que levou a uma necessidade aumentada para os ricos senhores feudais de meios efectivos de se defenderem a eles próprios e às suas propriedades. A quarta teoria afirma que as artes foram desenvolvidas, nos seus primórdios, por pessoal da segurança doméstica e para execução legal, pois não estava autorizado a usar armas depois da invasão de Okinawa em 1609 por Satsuma.
Quando em 1933 o Dai Nippon Butokukai – organismo do governo nacional do Japão para as artes marciais – lançou o repto aos mestres de Karaté da altura a fim de que o então denominado Tode ou Karate-jutsu fosse reconhecido oficialmente no Japão, apresentou-lhes os seguintes critérios: desenvolvimento e implantação de um currículo de ensino unificado; adopção de um uniforme de prática estandardizado; criação de um padrão para avaliar com exactidão os vários graus de proficiência; a implementação do sistema de graduações dan-kyu de Jigoro Kano e o desenvolvimento de um formato competitivo seguro através do qual os participantes pudessem testar as suas técnicas e o seu espírito (McCarthy, id.). Pretendia-se assim não só organizar o ensino desta arte, mas também tornar a mesma pertença original do Japão, por força de um poder nacionalista combinado com um sentimento anti-chinês. Assim, foi também proposto que se substituísse o primeiro ideograma por um melhor, dado que o mesmo simbolizava a China, e que se abandonasse o sufixo jutsu substituindo-o pelo mais moderno do, tal como no Judo e no Kendo. Estamos cientes de que todo este processo pretendia preservar os ideais e o utilitarismo inicial desta denominada «arte marcial» mas a segunda guerra mundial vem terminar este ciclo da evolução do Karaté. Quando em 1945 o Japão se rende incondicionalmente às forças aliadas, a dissolução do Dai Nippon Butokukai faz com que o desenvolvimento unificado do Karaté fosse abandonado (McCarthy, id.).
Numa realidade socio-cultural radicalmente diferente, e na tentativa de se conseguir testar o nível dos praticantes num percurso de treino avaliando-os, sem que isso implicasse necessariamente um confronto "real", foram surgindo formas de kumite cada vez mais elaboradas, desde o kumite pré-programado (ippon kumite, sanbon kumite, yakusoku kumite, sandan uke barai) até ao kumite livre (shiai kumite), obrigando esse último a uma regulamentação mais elaborada com vista a proteger a integridade física dos oponentes.
Foi este movimento particular que faz com que o Karaté se começasse a orientar em direcção a um fenómeno competitivo institucionalizado. Em 1957 a Japan Karaté Association organiza a sua primeira competição formal. Em 1962 funda-se a Japan Karaté Federation, com características inter-estilos: shotokan (Masatoshi Nakayama); wado-ryu (Hironori Otsuka); goju-ryu (Gogen Yamagushi e Shozo Ujita); e shito-ryu (Kenwa Mabuni e Manzo Iwata). É este primeiro movimento inter-estilos que faz a rotura no Karaté, passando-se de uma «arte marcial» a um denominado «desporto de combate», iniciando-se assim o futuro do desenvolvimento competitivo institucionalizado do Karaté moderno.
Esta evolução origina em 1965 os primeiros campeonatos japoneses. Em 1966 é fundada a EKU (European Karate-Do Union), tendo lugar em Paris os primeiros campeonatos Europeus de Karaté. Em 1970, em Tokyo, funda-se a WUKO (World Union of Karate-Do Organizations) e decorrem nesse mesmo ano e nessa cidade os primeiros campeonatos mundiais de Karaté.
Verificamos assim que se passou do termo «Karate-Do» através de um reducionismo para o mais usual «Karaté», abandonando-se o conceito «arte marcial» para se centralizar mais a sua denominação em «desporto de combate».
7. PARA UMA SISTEMÁTICA DO KARATÉ
Se, de facto, hoje deixa de ter sentido o conflito teórico entre «artes marciais» e «desportos de combate», já que esse conflito tem uma raiz nefasta (absolutizar o paradigma que se conhece em relação ao que não se conhece) (Figueiredo e Inocentes, 2009), convém esclarecermos em termos de Sistemática do Desporto esta situação.
Se qualquer jogo é um simulacro de combate em que não há derramamento de sangue (Gonçalves, 2009) e em que a morte é simbólica, ritualizada, verificamos que no desporto o verdadeiro «combate» não existe. “O combate é a verdadeira actividade guerreira (...). Combate significa luta, e nesta o objectivo é a destruição ou conquista do inimigo, e o inimigo, em combate particular, é a força armada que se coloca em oposição a nós” (Clausewitz, 1997).
A representação guerreira do combate (simbólica), regulamentada, a simulação da violência, e o confronto lúdico levam-nos a conferir hoje em dia ao Karaté o estatuto de desporto. O simbolismo presente no mesmo faz com que tenha mais sentido falar em «jogo» do que propriamente continuar-se a falar em «combate» (Inocentes, 2009).
E não estará o Kumite, numa aproximação a um conteúdo histórico, mais próximo do «duelo de desagravo» do que propriamente do «combate»?
Mas a Sistemática do Desporto apresenta-nos hoje a seguinte Taxonomia: Desportos Colectivos, Desportos Individuais, Desportos de Combate, Desportos de Confrontação Directa, Desportos de Adaptação ao Meio e Desportos de Grandes Espaços (Almada, 1992). Peixoto (1997) apresenta ainda dois planos taxonómicos: um semelhante ao anterior, designado por «Desporto», e outro ainda que designa por «Educação Física e Desporto».
Sem dúvida que nesta Taxonomia se integra o Karaté nos Desportos de Combate.
Como características mais marcantes pode-se dizer que estes privilegiam o conhecimento do “eu” no confronto com situações críticas (a noção de morte, mesmo que simbolizada, está sempre presente) e no diálogo com o outro. A principal variável em jogo é precisamente o conhecimento do “eu” total integrado no grupo (Almada, 1992).
Também Rodrigues (s/d) apresenta como características marcantes (competências) deste grupo taxonómico de actividades desportivas as seguintes: capacidade de ler o opositor e consequentemente ter uma maior capacidade de antecipação, capacidade de encaixe em situações críticas e capacidade de defender, atacar e fintar em função do opositor e do contexto. Mas Rodrigues (id.) refere que os Desportos de Confrontação Directa têm como característica mais marcante o diálogo com o adversário, e que normalmente é realizado através de um “objecto interposto”. Embora sejam idênticos aos desportos colectivos quanto aos objectivos, estes diferem daqueles quer pelas dinâmicas geradas, quer pelo número de jogadores envolvidos quer ainda pelas interacções daí resultantes. Como principais competências salienta a capacidade de diálogo com o opositor, a capacidade de colher indicadores úteis no opositor, a capacidade de iludir o opositor e a capacidade de transmitir mensagens ajustadas ao opositor e ao contexto de cada situação, o que também coloca o Karaté muito perto desta nomenclatura – Desportos de Confrontação Directa.
8. CONCLUSÃO
“Só teremos êxito como educadores quando não transigirmos perante tudo
o que colocar em causa a possibilidade de nos ouvirmos uns aos outros.”
Daniel Sampaio
As artes marciais, ao longo dos tempos, não deixaram de ser modificadas. Leis, textos jurídicos, decretos e novas técnicas determinaram de cada vez o aparecimento de novas práticas (Braunstein, 1999).
Exércitos e forças paramilitares podem, actualmente, praticar Karaté como arte marcial. Mas ninguém pratica Karaté, como modalidade desportiva institucionalizada, para «ir à guerra», assim como ninguém pratica Karaté para combater (no sentido literal do termo, dado que no combate não há regras, a morte é real) com o adversário, pois este não é o inimigo. Huizinga (2003) toca no assunto ao distinguir «combate» de «luta» e afirma que em todas as lutas em que há regras a respeitar assumem as características formais de um jogo em consequência dessa limitação.
Reportando-nos a Yonnet (2004), verificamos que “não é a natureza material duma actividade que decide o seu carácter extremo, é o uso feito desse material no quadro de uma actividade possível”.
Parece-nos que, de facto, não é aquilo que a modalidade desportiva é em si, ou o que representa e simboliza que importa, mas sim o que fazemos com ela e através dela.
Não podemos pois classificar o Karaté «civil» actual, federativo, como uma «arte marcial» nem como um «desporto de combate», pois “é o uso do utensílio que faz a classificação da actividade, não o utensílio por si próprio” (Yonnet, id.).
Sendo o corpo do outro objecto e objectivo da acção, é atingindo ou manipulando directamente o corpo do outro que se ganham pontos e jogos. A intencionalidade verifica-se através de uma técnica – comportamento observável – que pretende acertar (princípio do sundome) num alvo devendo obedecer a certos critérios. No Karaté o contacto corporal é intencional, directo e um fim em si.
Seria mais correcto falar num e de um «desporto de contacto corporal directo» (intencional e objectivo), à semelhança do Judo, do Taekwon-do e do Boxe, em alternativa à Esgrima ou ao Kendo, desportos de contacto corporal indirecto.
Por que continuamos a insistir em que praticamos uma «arte marcial» ou um «desporto de combate»? Baudrillard (1992) dá-nos a resposta: “quando as coisas, os signos, as acções são libertadas de sua ideia, de seu conceito, de sua essência, de seu valor, da sua referência, de sua origem e de sua finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito. As coisas continuam a funcionar ao passo que a ideia delas já desapareceu há muito. Continuam a funcionar numa indiferença total a seu próprio conteúdo. E o paradoxo é que elas funcionam melhor ainda”. Por que aceitamos que praticamos desporto enquanto fazemos competição e após abandonarmos esta afirmamos praticar uma «arte marcial»? O mesmo Baudrillard (id.) volta a responder-nos: “se o indivíduo já não se confronta com o outro, defronta-se consigo mesmo”.
O objectivo primário deste artigo é o de repensarmos a Sistemática do Karaté, apresentando a fundamentação em que nos baseamos, exorcizando fantasmas sempre presentes e abrindo espaço para um debate sobre o assunto.
9. BIBLIOGRAFIA
A solicitar ao(s) autor(es)
VII
Atitudes perante comportamentos de violência na prática desportiva de alunos das EB 2/3
Armando Inocentes e Vítor Ferreira ©
(Comunicação apresentada à 4th World Conference – Violence at School and Public Policies, Observatório Europeu da Violência nas Escolas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2008.
1 – INTRODUÇÃO
Vivemos actualmente um paradoxo que reside no facto de nos inquietarmos com a violência, quando são cada vez mais frequentes os modelos agressivos oferecidos às crianças e jovens, havendo uma forte atracção por este fenómeno (Bertrão, 2004).
Quando abordamos o tema “violência na escola”, tanto nos podemos referir à existência de comportamentos de violência física por parte dos alunos contra alguém (colegas, professores, funcionários), como nos podemos referir a uma violência psicológica, verbal ou gestual por parte dos mesmos, como ainda poderemos fazer referência ao bullying ou a comportamentos pontuais ou esporádicos. Ainda há a possibilidade de fazermos referência a uma violência da própria escola sobre esses mesmos alunos, podendo certas violências físicas ser ainda uma resposta à violência simbólica da instituição (Troger, 2006). Esta amálgama também é uma das faces da imprecisão do termo «violência» de que nos fala Debarbieux (2007).
Em qualquer um destes casos, poucas vezes nos referimos às origens dos comportamentos de violência, às consequências, ao tipo de lesão causada (física, moral), à vítima, ao prejuízo material ou à gradação concreta do acto em si (daí por vezes falarmos para além de violência, em agressão, em indisciplina, em injúria, em desacatos...).
Vítimas de um determinismo, continuamos a procurar causas (familiares, sócio-culturais e económicas) quando deveríamos procurar as origens dessas causas. Enquanto a causa explica o facto, a sua origem explica um processo (Comte-Sponville, 1998).
Mas quando se fala de violência na escola, a tendência geral é para identificarmos esta com actos de agressão entre alunos, embora hoje em dia eles se dirijam “cada vez mais contra os professores e contra o outro pessoal do sistema educativo” (Karli, 2008).
Sabermos que houve 55 casos de violência sobre professores em 1999, 139 em 2000 e 146 em 2001 pouco de concreto nos traz. Sabermos que nesses mesmos anos se verificaram respectivamente 203, 602 e 341 actos de violência sobre os alunos coloca-nos na mesma situação.
O mesmo acontece quando é afirmado que em 2005/2006 foram contabilizadas 390 agressões a professores contra 185 no ano lectivo 2006/2007, pois se juntarmos às agressões outras ocorrências contra pessoas (como injúrias e calúnias) e contra bens (vandalismo, destruição de propriedade), as ocorrências envolvendo docentes chegam às 402 em 2006/07. Contabilizando essas outras ocorrências, no caso dos alunos passam a totalizar 1252 e, ao nível dos funcionários, 322.
Ficamos também sem saber se esses números se referem a situações ocorridas especificamente durante as aulas, durante os intervalos, no interior ou nos acessos às escolas... em que situações e em que circunstâncias...
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E se, por um lado, “tomadas no seu conjunto, as violências escolares inquietam mais pela sua frequência do que pela sua gravidade” (Karli, 2008), por outro lado “podemos muito bem ter menos vítimas, mas mais violência porque as vítimas são mais duramente vitimadas” (Debarbieux, 2007).
Situações em que despontam por vezes comportamentos violentos revelam-se no contexto jogado. Mas se estes comportamentos surgem durante o jogo, actualmente o jogo – novos jogos – começa a ser um meio para o exercício da própria violência (o fim em si) – o Ministério da Educação de França publicou em Abril de 2007 os resultados de um questionário intitulado “Jeux dangereux et pratiques violentes” onde se encontram nomes de jogos nos quais uma criança é colocada por seus pares em condição de vítima (Mottot, 2008).
Sendo a prática desportiva, tanto em aulas de Educação Física como no Desporto Escolar um espaço de agonística, onde a oposição e o conflito estão presentes, onde estão os números sobre comportamentos de indisciplina, agressões ou comportamentos de violência existentes nesse espaço?
Se estes casos existem, muitas vezes ficam só entre quem os pratica, quem os sofre, quem os presencia – o Professor de Educação Física – e só algumas vezes chegam a um Conselho Executivo.
Mas em Dezembro de 2002, em Castelo Branco, na Escola Poeta João Ruiz, dois alunos agrediram-se durante um jogo de futebol tendo um deles recebido tratamento hospitalar.
Dois dias depois, mas em Rio de Mouro, e na sequência de um jogo de futebol na EB 2/3 Padre Alberto Neto, duas alunas que já se tinham agredido durante o mesmo, envolvem-se numa contenda só sanada pela intervenção de dois professores e agentes da autoridade, para mais tarde, e já no exterior da escola, se voltarem a confrontar sendo uma delas ferida por uma arma branca.
Em Setembro de 2003, um aluno de 14 anos da Escola D. Afonso III, em Faro, esfaqueou um colega na cara após uma zanga motivada por um jogo de futebol em que participavam.
É a existência destes factos, mesmo que pontuais, que justifica a investigação. Investigar a prática desportiva e os seus intervenientes obriga a uma diversificação de estudos onde várias variáveis interagem entre si.
A problemática das perversidades que despontam no desporto (Inocentes, 2007) – a violência, a corrupção, a fraude, o doping, a morte súbita, o treino intensivo precoce e a exploração infantil, a morbilidade, o racismo e até os actos de terrorismo – necessita ser estudada não só em termos de desporto de alta competição (federado) mas também a nível do desporto escolar (ensino/formação), parecendo-nos que a violência será aquela que mais fácil e frequentemente poderá surgir em aulas de Educação Física ou no Desporto Escolar, até porque o binómio competição-vitória poderá ter um certo peso no seu aparecimento.
Para Smith (1983), tem-se aceite a violência como fazendo parte do desporto, enquanto Gutiérrez Sanmartín (1995) afirma que há duas razões principais para a existência da violência no desporto: 1ª) uma parte importante da violência é inerente a todo o desporto de contacto e 2ª) certas práticas agressivas, embora ilegais aos olhos da lei que rege o desporto, chegam a ser toleradas como algo que faz parte do jogo.
Irlinger (1993) classifica três categorias de ideais desportivos: os puristas, que recusam sem reservas a violência no desporto; os iconoclastas, que aceitam a violência como normal e fazendo parte do desporto; por último, os realistas, que desaprovam a violência no desporto embora pensem que ela é inevitável.
A perspectiva catártica, defendendo que o desporto propicia aos jovens uma forma de eles aprenderem a controlar a agressividade e as emoções, produto da divulgação de autores conhecidos, tais como Sigmund Freud – o fundador da psicanálise –, Konrad Lorenz e Bertrand Russel – ambos galardoados com o prémio Nobel –, e Desmond Morris, autor de obras muito conhecidas, tais como “O Macaco Nu” e “A Tribo do Futebol”, fez escola até à década de 70. Posteriormente, a investigação científica começou a mostrar-nos que o desporto ensina e promove a agressividade, reforçando-a, em oposição ao controlo da mesma (Inocentes, 2007). Ainda recentemente Dugas (2008) nos dizia que um desporto com uma forte agressividade motora pode favorecer a emergência de atitudes agressivas proibidas e violentas.
Assim, parece-nos científica, pedagógica e desportivamente útil conhecer as atitudes de crianças e jovens acerca dos comportamentos de violência na prática desportiva.
2 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA E CONCEITOS
2.1 – Do conceito de atitude
A atitude tem sido objecto de múltiplas definições (Maisonneuve, s. d.), e devido ao facto de ser um constructo psicológico continua difícil de definir (Leyens e Yzerbyt, 1999).
No entender de Rokeach (1976), atitude é uma organização de crenças relativamente estável acerca de um objecto ou situação predispondo para responder de algum modo preferencial.
Reich e Adcock (1976) realçam que o conceito de atitude é visto como uma predisposição ou propensão mental, a qual implica que as pessoas têm essa tendência, ou motivação, para ver o mundo social dentro de categorias definidas de Bem e Mal.
Virton (1979), baseando-se numa análise centrada em vários autores, foca as definições de atitude de cerca de 250 autores americanos, definindo as mesmas como predisposições adquiridas, de carácter afectivo, anterior ao juízo e à acção, que orienta no seu sentido o juízo e a acção.
Uma definição compatível com os critérios retidos pelos principais investigadores no domínio das atitudes nos Estados Unidos e em França é apresentada por Maisonneuve (s. d.): “a atitude consiste numa posição (mais ou menos cristalizada) de um agente (individual ou colectivo) para com um objecto (pessoa, grupo, situação, valor); exprime-se mais ou menos abertamente através de diversos sintomas ou indicadores (palavras, tom, gestos, actos, escolhas – ou a sua ausência); exerce uma função ao mesmo tempo cognitiva, afectiva e reguladora sobre os comportamentos que ela subtende”.
Bolívar (1998) constata que as atitudes são, como factores intervenientes numa acção, uma predisposição comportamental adquirida em direcção a algum objecto ou situação, concordando igualmente no capítulo das suas três componentes.
A atitude é definida como uma reacção avaliativa favorável ou desfavorável em direcção a alguma coisa ou alguém (Myers, 1999), exibida por crenças, sentimentos ou intenção de comportamento.
Também Zabalza Beraza (2000), analisando uma dezena de autores, define atitude como “uma disposição pessoal ou colectiva a actuar de uma determinada maneira em relação a certas coisas, ideias ou situações”.
Para Raths, Harmin e Simon (1967) as atitudes são indicadores de valores. Segundo Alcántara (1998) as atitudes são formas que temos de reagir perante os valores e para Shigunov e Pereira (1993) os valores de um indivíduo só podem ser inferidos mediante o estudo das suas atitudes.
Bolívar (1998) afirma que a valoração, mais ainda que a predisposição, constitui um aspecto central, predominante, das atitudes, realçando que os valores se configuram como determinantes potenciais de preferências e atitudes.
Atitudes e comportamentos podem ser considerados produtos de orientação axiológica (Reich e Adcock, 1976).
Vários autores estabelecem a relação entre atitudes e comportamentos: para Alcántara (1998) as atitudes são raiz de conduta, já que são as percursoras e determinantes do comportamento; segundo Neto (1998), as atitudes influenciam o comportamento; na opinião de Rodrigues (1998) as atitudes constituem bons preditores de comportamentos. Bolívar (1998) afirma inclusivamente que se a atitude precede a conduta, podem no entanto atitude e conduta serem recíprocas ou até as atitudes manifestadas serem já um modo de conduta.
Gleitman (1993) aponta para a existência de indicações de que certas atitudes gerais razoavelmente bem definidas podem predizer o comportamento, pelo menos em determinadas circunstâncias.
Segundo Rodrigues (1998), apoiando-se no modelo de Ajzen e Fishbein de 1980, para que sejamos capazes de prever a intenção de uma pessoa em praticar determinado comportamento, é necessário determinar, empiricamente, quais as suas atitudes em relação a esse comportamento.
Da bibliografia consultada realçamos como comuns as seguintes características das atitudes: são adquiridas, estáveis e difíceis de alterar; são um processo cognitivo, pois qualquer atitude é uma resposta electiva de valores; mobilizam processos afectivos e volitivos que se sobrepõem aos processos racionais; possuem uma carga motivacional; os componentes cognitivos, afectivos e comportamentais agem intimamente correlacionados; possuem uma direcção (favorável ou desfavorável) em relação a um alvo a atingir e uma intensidade (de fraca a forte, passando por moderada).
As atitudes são um dos processos psicológicos capazes de distorcer a correspondência entre o estímulo distante e o percepto (ou seja, aquilo que é perceptível) (Rodrigues, 1998). Por isso, o facto de possuirmos determinadas atitudes influi na nossa maneira de perceber a realidade, pelo que Rodrigues (id.) conclui que as atitudes influenciam a percepção, para além de influenciarem também a motivação e a aprendizagem.
Atitude é pois uma “disposição interior da pessoa que se traduz em reacções emotivas moderadas que são assimiladas e, depois, experimentadas sempre que a pessoa é posta perante um objecto (ideia ou actividade)”, reacções emotivas essas que levam a pessoa “a aproximar-se desse objecto (a ser favorável) ou a afastar-se dele (a ser desfavorável)” (Morissette e Gingras, 1999).
Mas teremos de ter em conta que a atitude só representa um elemento anunciador de um comportamento na medida em que influi sobre a intenção de forma directa, pois existe uma segunda determinante da intenção: a norma subjectiva. Esta reflecte a percepção, pelo indivíduo, das pressões sociais quanto à realização ou não de um comportamento (Cerclé e Somat, 2001).
2.2 – Do conceito de violência
O conceito de violência tem vivido constantemente associado ao conceito de agressão.
Na opinião de Megargee e Hokanson (1976), a violência e a guerra são as formas extremas e mais dramáticas de agressão. Para Schilling (1976) a diferença entre agressão e violência é uma questão de grau e não de distinção fundamental.
A violência é semelhante à agressão, embora conotada com uma maior carga e mais severa forma de agressão física, como defende Martens (1975).
Sendo Hacker (1976) claro ao afirmar que a violência não é idêntica à agressão, pois “é a expressão manifesta, «viva» e principalmente física da agressão”, outros autores, como Sibony (1998) e Morin (1994), apontam para uma outra perspectiva: apresentam a violência como um conceito que engloba e até substitui o de agressão.
Etimologicamente, segundo Knobel (1997), a palavra agressão vem de ‘ad gradior’, que significa mover-se para diante, ou seja, o contrário de «regressão» ou movimento para trás e o mesmo que «progressão», definindo-se agressão como sendo a capacidade de atacar, lutar ou enfrentar, ou que se opõe a evitar o combate ou fugir das dificuldades, e afirma que, a partir de uma concepção psicanalítica, ela contribui para o progresso e a criatividade, para vencer o estatístico e o retrógrado.
Segundo Moser (1997), e também segundo Rule e Nesdale (1976), Feshbach introduziu em 1964 as dimensões motivacionais da agressão: a) agressão hostil – comportamento cujo fim é infligir sofrimento ou causar dano a outrem; b) agressão instrumental – comportamento no qual o ataque ou agressão a outrem é perpetrado com um fim não agressivo; c) agressão expressiva – esta última quando motivada por um desejo de se exprimir por intermédio da violência, tratando-se de um comportamento não reactivo em que o fim é a agressão em si.
E enquanto Stirn (1978) defende que a palavra violência vem do latim vis, que significa força, para Dumas (1971), “violência pode significar querer e violar. A etimologia confirma essa ambivalência do sentido: bia, violência (vis) e bios, vida (vita).”
Na opinião de Levisky (1997), o termo «violência» provém do latim violentia, que significa acto de violentar, constrangimento físico ou moral. A estes significados podem-se “acrescentar a coacção ou coerção psicológica” (Levisky, id.).
Toda a violência é agressão, mas nem toda a agressão é violência, devendo-se ter em atenção que “a agressão e a violência confundem-se muito facilmente, porque a violência pretende ser a única forma eficaz de agressão” (Hacker, 1976).
No entanto, há autores que defendem que “na agressão, violência e agressividade coincidem” (Sibony, 1998, 124) e que “a violência é uma noção falsamente clara que se não pode circunscrever ao exercício físico da violência” dado que a intimidação e a ameaça comportam em si uma violência potencial enorme que dispensa o exercício físico da violência, sendo tanto coacções como coerções também violência (Morin 1994).
Na língua francesa os vários termos aparecem cronologicamente nas seguintes datas: violer, 1080; violent, 1213; violence, 1215; agression, 1468 (Lebailly, 2001). Demorou-se cerca de 250 anos para ir de «violence» até «agression».
Provavelmente, não será por acaso que Marques-Teixeira (2000) afirma que, na maior parte dos estudos, o termo violência é usado com o mesmo significado que agressão, sendo utilizado para os actos agressivos que atraem, mais do que seria de esperar, a desaprovação social.
E provavelmente não será por acaso que utilizamos mais vezes o verbo «agredir» que o verbo «violentar»... até porque muitas vezes são utilizados inúmeros adjectivos para complementar a qualificação do termo «agressão».
Ao falarmos de violência teremos de ter em conta não só os comportamentos em si, mas também a lesão que o mesmo provoca, definindo-a como um conceito referido ao lado físico da agressão, ou seja, um comportamento com intenção de prejudicar qualquer outra pessoa fisicamente, causando dor ou lesão (Smith, 1987; Parry, 1998; Coakley, 1998).
Enquanto os comportamentos violentos são de origem patológica, estáveis e quase sempre permanentes ou reiterados, os comportamentos de violência são esporádicos e pontuais (Balier, 1988), pelo que optamos pela utilização desta última expressão.
2.3 – Comportamentos de violência na prática desportiva
Abundam estudos sobre indisciplina em aulas de Educação Física, mas o mesmo já não se pode dizer em relação a estudos sobre comportamentos de violência nessas mesmas aulas ou no Desporto Escolar ou na prática desportiva infanto-juvenil.
Recorrendo a alguns desses estudos, verificamos que Brito (1986) conclui que as agressões entre alunos são 7,9% do total de comportamentos inapropriados, Mendes (1995) revela que no Basquetebol 1 em cada 5 comportamentos de indisciplina é um acto violento sobre um colega, passando de 1 para 4 no Atletismo e Borrego (1999) conclui que os alunos com prática desportiva apresentam mais comportamentos de violência que os restantes alunos.
Os poucos estudos existentes sobre comportamentos de violência nessa disciplina ou na prática desportiva em meio escolar, assim como alguns factos notórios levam-nos a pressupor que na prática desportiva infanto-juvenil é possível existirem comportamentos de violência.
3 – METODOLOGIA
3.1 – Objectivos
Pretendeu-se com a actual investigação conhecer e analisar as atitudes de alunos, tendo em conta a aceitação dos mesmos e a sua origem – instrumental ou reactiva – assim como em relação a algumas das suas características de presságio.
3.2 – Hipóteses
Elegemos como hipótese fundamental a seguinte: os alunos das EB 2/3 manifestam atitudes diferentes perante comportamentos de violência na prática desportiva consoante algumas das suas características de presságio (actividade, idade e género).
3.2 – Instrumento e amostra
Foi utilizado o “VIOPRADE-A”, questionário sobre atitudes perante comportamentos de violência na prática desportiva, construído por Inocentes e Ferreira (2002, in Inocentes, 2002) com validade e fiabilidade confirmadas.
Este questionário foi aplicado a uma amostra (quadro 1) intencional e geograficamente restrita, composta por 382 alunos (num universo de 936) de duas Escolas do 2º e 3º Ciclo do ensino Básico situadas na mesma localidade.
Quadro 1 – Caracterização da amostra (alunos do 2º e 3º CEB)
3.3 - Variáveis
A variável dependente «atitudes» irá assumir as seguintes formas (sub-variáveis): atitudes perante comportamentos de violência de cariz global (quando a violência se exprime de um modo comum e aceite na prática desportiva), atitudes perante comportamentos de violência de cariz instrumental (o ataque ou agressão a outrem é perpetrado com um fim não agressivo mas pretende ser um meio para alcançar um determinado objectivo) e de cariz reactiva (cujo fim é infligir sofrimento ou causar dano a outrem e originada por uma reacção emotiva).
As variáveis independentes encontram-se subdivididas do seguinte modo: actividade – desportistas e não desportistas; idade – 9, 10 e 11 anos, 12, 13 e 14 anos e 15, 16 e17 anos; género – feminino e masculino.
4 – RESULTADOS
4.1 – Atitudes perante comportamentos de violência segundo a actividade
Observando o gráfico 1, onde se expressam as médias globais das duas variáveis em relação às atitudes perante comportamentos de violência dos alunos segundo a actividade que desenvolvem, verificamos que apresentam valores mais altos os alunos que não praticam desporto, enquanto os considerados desportistas revelam valores mais baixos, existindo pequenas diferenças entre estes dois grupos.
Gráfico 1
Relativamente a cada um dos grupos, ainda podemos constatar que as atitudes perante comportamentos de violência de cariz global possuem valores superiores aos das outras duas variáveis.
Podemos assim concluir que, nestes dois grupos, as atitudes perante comportamentos de violência dos não desportistas são mais negativas que as mesmas em relação aos desportistas, o que mostra uma menor negação destes comportamentos por parte daqueles que se encontram mais ligados à competição (Desporto Escolar ou Desporto Federado).
Ambos os grupos negam os comportamentos de violência quando estes se exprimem de um modo comum e aceite na prática desportiva (como os restantes comportamentos), mas verificamos uma tendência decrescente nessa negação quando esses comportamentos pretendem ser um meio para alcançar um determinado fim e quando são originados por uma reacção emotiva.
4.2 – Atitudes perante comportamentos de violência segundo a idade
Os resultados das médias das variáveis “atitudes perante comportamentos de violência segundo a idade” do grupo estudado traduzem-se no gráfico 2.
Podemos deste modo afirmar que em relação à nossa amostra, os indivíduos mais novos são os que apresentam atitudes mais negativas perante comportamentos de violência de cariz global verificando-se um decréscimo progressivo nos valores das mesmas neste grupo em relação à violência de cariz instrumental e de cariz reactivo, sendo precisamente os indivíduos de idade mais elevada que apresentam atitudes mais negativas em relação a estas duas últimas sub-variáveis.
Os indivíduos do grupo intermédio – 12, 13 e 14 anos – apresentam atitudes perante comportamentos de violência na prática desportiva menos negativas que os restantes, apresentando-se aqui uma maior diferença – uma média de 4,39 no grupo de 12, 13 e 14 anos, para uma média de 5.00 no grupo de 15, 16 e 17 anos.
Gráfico 2
O aumento de idade é pois um factor que leva os indivíduos da nossa amostra a terem atitudes menos permissivas em relação aos comportamentos de violência na prática desportiva de cariz instrumental e de cariz reactivo, tornando-se menos tolerantes em relação a esses comportamentos.
4.3 – Atitudes perante comportamentos de violência segundo o géneroApresentando os resultados das médias das variáveis “atitudes perante comportamentos de violência segundo o género” graficamente, obtemos a representação expressa no gráfico 3.
Verificamos assim que, na globalidade, e comparando as atitudes de ambos os grupos, as atitudes dos indivíduos do género feminino revelam valores superiores em relação às atitudes dos indivíduos do género masculino, havendo diferenças significativas.
Os indivíduos do género feminino apresentam assim atitudes mais negativas perante estes comportamentos que os indivíduos do género masculino.
Verificamos também um decréscimo progressivo nos valores das atitudes perante comportamentos de violência de cariz global, de cariz instrumental e de cariz reactiva.
Embora se continue a obter valores que mostram atitudes em direcção à negação dos comportamentos de violência, parece ser mais fácil aos indivíduos de ambos os géneros aceitar os comportamentos de violência emocional que os comportamentos de violência que servem de instrumento para se alcançar um objectivo e, por último, menos fácil aceitar os comportamentos de violência existentes e presentes como normais durante a prática desportiva.
Gráfico 3
Podemos pois afirmar que, na nossa amostra, os indivíduos do género masculino possuem atitudes mais propensas à aceitação de comportamentos de violência na prática desportiva e mais condescendentes em relação a estes que os indivíduos do género feminino.
4.5 – Frequências e totais da variável «atitudes»
No gráfico 4 apresentamos as médias das frequências da intensidade das atitudes perante comportamentos de violência dos indivíduos da nossa amostra.
Gráfico 4
Sendo um dos requisitos da estatística paramétrica o facto de os resultados obtidos poderem ser distribuídos por uma escala intervalar (Pereira, 1999; Green e D’ Oliveira, 1991), e considerando que as médias da variável «atitudes» se expressava em termos decimais, transformámos a escala (ordenada em números inteiros) do questionário aplicado numa escala de intervalos iguais (de 0.82, tendo sido desprezadas 0.04 no valor central, entre 3.48 e 3.52) a fim de podermos classificar continuamente a direcção e a intensidade desta variável (quadro 2).
Observando o quadro 2 constatamos em primeiro lugar que os resultados apresentam valores elevados, mostrando que as atitudes dos indivíduos da amostra se revelam pouco pactuantes com comportamentos de violência na prática desportiva e pouco permissíveis em relação aos mesmos.
Detalhando um pouco mais, verificamos que, em relação às atitudes perante comportamentos de violência com cariz global 42.1% dos indivíduos da amostra revelam atitudes fortemente negativas, valor que baixa para 32.7% em relação aos comportamentos de violência com cariz instrumental, decaindo para 17.3% as atitudes em relação aos comportamentos de violência com cariz reactiva (intervalo 5.18-6). Verifica-se assim que, relativamente, há um número menor de indivíduos neste último intervalo.
Atitudes muito negativas (intervalo 4.35-5.17) têm um padrão uniforme em relação às três sub-variáveis consideradas, tendo as atitudes perante comportamentos de violência com cariz instrumental um valor ligeiramente inferior ao anterior, mas realce-se que nos dois primeiros intervalos de intensidade reúnem-se mais de 50% dos indivíduos estudados.
Mesmo os indivíduos que possuem atitudes negativas perante comportamentos de violência na prática desportiva (intervalo 3.52-4.34) superam grandemente os que possuem atitudes positivas (intervalo 2.66-3.48) em qualquer uma das sub-variáveis.
No que se refere às atitudes muito positivas (intervalo 1.83-2.65) perante comportamentos de violência, verificamos que não há indivíduos na amostra com tendência para comportamentos em que a violência se exprime de um modo comum e aceite na prática desportiva. No entanto o mesmo não se verifica para 29 indivíduos quando esses comportamentos utilizam a violência como instrumento (7.6%) nem para 51 indivíduos quando os mesmos são resultantes de uma reacção (13.4%).
Nota: intervalos de 0.82, tendo sido desprezadas 0.04 no valor central, entre 3.48 e 3.52.
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Quadro 2 – Resultados das frequências e totais da variável atitudes (perante comportamentos
de violência com cariz global, com cariz instrumental e com cariz reactiva)
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Se pudemos afirmar que felizmente nenhum indivíduo apresenta atitudes fortemente positivas perante comportamentos de violência na prática desportiva, temos no entanto de realçar que 14 dos indivíduos estudados – os mesmos que pertencem aos 3.7% que possuem atitudes positivas no que se refere aos comportamentos de violência de cariz global – revelam em simultâneo atitudes muito positivas nas outras duas sub-variáveis. Parece-nos assim termos nesta amostra 14 indivíduos que mediante determinadas situações de prática desportiva, ou confrontados com certos contextos agonísticos, poderão apresentar comportamentos de violência.
5 - CONCLUSÕES
A violência dos jovens é o preço de uma sociedade de risco, onde o agôn dá cada vez mais lugar ao alea, e não se pode compreender completamente a violência dos jovens sem nos colocarmos numa perspectiva de uma sociedade de risco, na qual assumir riscos é fortemente valorizado (Lagrange, 2004). E se a competição, a combatividade, são cada vez mais substituídas pelo acaso e pela probabilidade, pode-se correr o risco de tentar utilizar comportamentos de violência para responder aos desafios...
Constata-se actualmente que a violência dos comportamentos que o espectáculo desportivo suscita hoje em dia, não é de natureza catártica, mas sim do tipo aditivo (Constantino, 2007).
Mas estes comportamentos são veiculados pelos meios de comunicação social, ao passo que os comportamentos de violência que ocorrem em aulas de Educação Física ou no Desporto Escolar não chegam ao domínio público.
Não é só o problema da defesa do território, o procurar atingir a vitória ou reagir emocionalmente a uma frustração ou a um acto do adversário que poderão fazer despoletar os comportamentos de violência dentro do campo desportivo. A persuasão, o incentivo, a conformidade e a submissão à autoridade também poderão desencadear esses comportamentos (Inocentes, 2002). Tal como a situação (a leitura da mesma) e as circunstâncias em determinado momento do jogo poderão levar a uma tomada de decisão violenta por parte do indivíduo (preditores externos) – Gleitman (1993) salienta que, em relação às atitudes, “as pressões situacionais são, por vezes, bastante poderosas para se sobreporem a outras considerações”. As crenças, os valores e as atitudes poderão ser outros preditores (internos) dos comportamentos de violência.
Abordando os factores que se encontram na origem da violência, Mikulovic (1999) também identifica factores internos (biológicos e psicológicos, colocando as atitudes nestes últimos) e factores externos (ligados ao envolvimento físico e ligados à evolução das tecnologias), acrescentando ainda factores em interacção (a agressividade como resposta para agir sobre o mundo e os vínculos sociais).
As atitudes manifestadas perante comportamentos de violência na prática desportiva dos indivíduos estudados apresentam-se fortemente e muito negativas, existindo pequenas diferenças consoante o facto de praticarem ou não desporto, em relação ao género e à idade.
Os indivíduos mais novos são os que apresentam atitudes mais negativas perante comportamentos de violência presentes e aceites na prática desportiva, sendo de realçar que segundo a idade, a maior diferença entre grupos encontra-se nas atitudes perante comportamentos de violência na prática desportiva de cariz instrumental, precisamente entre o grupo intermédio e o grupo dos mais velhos.
O grupo masculino e o grupo de desportistas são, relativamente, mais permeáveis aos comportamentos de violência que o grupo feminino e o grupo de não desportistas, pois apresentam atitudes menos negativas que estes últimos.
Silva (2005), utilizando o mesmo instrumento, obteve resultados globalmente semelhantes aos nossos em relação à intensidade das atitudes dos elementos da amostra segundo as variáveis independentes consideradas: a maioria dos alunos evidencia atitudes negativas perante comportamentos de violência na prática desportiva, dentro dos diferentes anos de escolaridades os alunos possuem uma atitude de baixa violência e, em relação ao género, embora negativas, os rapazes possuem uma atitude de violência mais elevada que as raparigas. Note-se que nesta amostra as idades variavam entre os 11 e os 19 anos, do 7º ao 12º anos de escolaridade, sendo constituída por 157 indivíduos do género masculino e 138 do género feminino.
Saliente-se que 14 dos indivíduos estudados na nossa amostra – curiosamente todos do género feminino (e apesar dos indivíduos masculinos, em média, apresentarem atitudes mais negativas), com idades compreendidas entre os 12 e os 14 anos, sendo 6 praticantes desportistas e 7 não praticantes – revelam atitudes de grande intensidade positiva no que diz respeito a comportamentos de violência na prática desportiva. Salvaguarde-se no entanto que, na nossa amostra, 162 indivíduos pertenciam ao género masculino e 220 ao género feminino
Considerando que as atitudes prenunciam os comportamentos, 13.7% dos indivíduos desta amostra poderão revelar comportamentos aplicados “à construção de estratégias que tornem a violência compensadora” (Zillmann, 2007) em circunstâncias de competição na prática desportiva, o que demonstra a existência de contra-valores na escola e na prática desportiva (Pereira, 1997; Araújo & Puig, 2007; Inocentes, 2007).
Assim, e confirmando-se a hipótese apresentada, podemos pois concluir que a grande maioria dos elementos constituintes da nossa amostra revela atitudes em direcção à negação dos comportamentos de violência na prática desportiva.
Não nos parece pois ter grande peso na existência de comportamentos de violência na prática desportiva a situação agonística que se verifica na mesma, ou o binómio competição-vitória, mas ressalvamos que o desporto é praticado por seres humanos... e que “o homem é produto e produtor da realidade que o afecta” (Cerclé e Somat, 2001).
6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A solicitar ao(s) autor(es)
VI
MITOS E PARADOXOS DO DESPORTO E DO KARATÉ
O Novo Paradigma
Armando Inocentes ©
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(Comunicação apresentada ao 1º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate,13 e 14 de Abril de 2007, ADIV e ESE-ISPV, Viseu)
1. A BIVALÊNCIA DO DESPORTO
Já Adorno (1963) e Parlebas (1969) salientavam que o desporto possuía um carácter bivalente. Villiaumey (1991) realçava que, como tantas actividades do homem, o desporto podia mostrar-se a melhor ou a pior das coisas, em função das condições em que a sua prática fosse conduzida. Lassalle (1997) também nos alertava para o facto do desporto ser susceptível de exercer uma influência positiva ou negativa sobre o comportamento dos indivíduos. Entre nós, Bento (1999) afirma que “no desporto tanto se podem realizar valores de sinal positivo como valores de sinal negativo”, argumentos que volta a esgrimir mais recentemente (2004, 2005).
E se há comportamentos exemplares no desporto, também no mesmo há perversidades, as quais são devidamente identificadas (Inocentes, 2006): a morte súbita e a morte que ocorre por motivos inerentes ao risco de acidente na prática desportiva; a morbilidade, que se traduz muitas vezes em lesões vitalícias; o doping, violentação da própria dignidade do atleta, do seu corpo e da verdade desportiva; a exploração infantil, camuflada no treino intensivo precoce; a corrupção, envolvendo dirigentes, árbitros e jogadores, a qual parece alastrar cada vez mais; a fraude desportiva, que muitas vezes nem sequer chega ao conhecimento do público; e, por último, a violência na prática desportiva, envolvendo atletas, treinadores e dirigentes.
Poderíamos ainda acrescentar como perversidades no desporto, dado serem temas que emergem hoje em dia, o racismo – embora a sua descrição tenha Esteves (s/d) como pioneiro – e, mesmo sem falarmos dos Jogos Olímpicos de Munique, o terrorismo, quer seja violência física quer seja sob a forma de coacção psicológica – Nancy Kerrigan é agredida com uma barra de ferro, Mónica Seles é esfaqueada, Vanderlei Lima é impedido de comandar a maratona, Andreas Frisk é ameaçado de morte e familiares de jogadores de futebol brasileiros são raptados.
O binómio «comportamentos exemplares – perversidades» é muitas vezes apresentado segundo as fórmulas «valores – contra-valores» (Pereira, 1997; Bento, 1999), «ética – anti-ética» (Capinussu, 2004), «virtudes – perversidades» (Inocentes, 2006), ou ainda «moral – imoral» (Caillat, 1996; Tannsjo & Tamburrini, 2000), fazendo jus à teoria do Ying e do Yang.
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2. ÉTICA DESPORTIVA OU MORAL DESPORTIVA?
A ética desportiva, tão salientada actualmente, existe ou é um artifício que serve para justificar a existência de alguns comportamos exemplares no desporto ou para realçar os comportamentos inapropriados no mesmo, ambos revelando os valores por que se regem alguns atletas?
Mesmo que entendamos a ética como um conjunto de princípios universalmente aceites sobre comportamentos reais e os juízos que sobre eles se elaboram em termos de aprovação ou desaprovação acerca do bom/mau, correcto/incorrecto ou válido/condenável, temos de considerar que a pergunta «o que é a ética?», conforme refere Meehan (1998), “está para além da capacidade humana de resposta; «ética» é apenas um rótulo. A questão crítica é «como é que deverá o termo ‘ética’ ser usado?». A melhor resposta é provavelmente que deverá ser evitado a todo o custo, uma vez que está irremediavelmente corrupta”.
Ora, a profissionalização do desporto mostra-nos a passagem da vitória como um meio para a vitória como um fim, não tendo esta última o mesmo sentido nem o mesmo preço que a primeira, podendo a maneira de a alcançar percorrer caminhos diferentes, pelo que nos parece que, se a moral condiciona a liberdade ao passo que a ética a interpela e onde uma impõe a outra propõe (Resweber, 1990), teremos sim de nos ocuparmos com a moral no desporto, até porque, existindo uma ética universal, mesmo que tacitamente, a moral difere de cultura para cultura.
Sendo a ética, em contraste com a cultura, a articulação racional do bem, a moral é a incarnação da ética na cultura; ou, de uma forma mais pessimista, é a contaminação da ética pela cultura (D’Orey da Cunha, 1996), pelo que fará todo o sentido começarmos a abordar mais a moral do próprio interveniente no espectáculo desportivo.
A finalidade de uma moral teórica, referenciada num sistema de normas e princípios ancorados numa ética descritiva e normativa, reside no objectivo de balizar a actuação individual (Bento, 2004). A sua aplicação (em forma de lei, já que esta integra uma dimensão moral) e utilização sistemática levam a que acabe por ser aceite como uma praxis, transformando-se numa tradição.
A tradição moral, que evoca a moral vivida no passado, é válida e vigente até ao momento de colisão com imposições e interesses do presente (Bento, id.), o que provoca uma alteração da lei a fim de não se verificar o esvaziamento moral desta.
A lei incorpora então “uma moral viva, que inspira e emerge do comportamento actual” (Bento, id.), embora nem tudo o que é preocupação moral se esgote na lei. E é precisamente essa parte que de pre-ocupação deverá passar a ocupação sobrepondo-se à intenção e acção cada vez mais presente em contornar a lei.
E se a moral evoluiu ao longo dos tempos, ao longo da filogénese da humanidade, temos também assistido ao evoluir do desporto ao longo da história, pois o desporto actual já não é esse desporto que tem a sua raiz no étimo latino «deportatre», que significa distrair-se, divertir-se...
Se entre 1850 e 1914 o objectivo principal do desporto era a moral e a educação, após a primeira grande guerra mundial verificamos que começa a emergir o objectivo espectáculo, para, a partir da década de 80, o desporto ser mais uma indústria geradora de comércio e de comunicação, actualmente globalizada à escala mundial.
Para os Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, o COI eliminou o requisito que exigia que todos os concorrentes fossem amadores, verificando-se assim cada vez mais uma maior penetração da esfera económica no deporto, sendo este encarado actualmente como uma profissão (e não só em termos de atletas ou jogadores).
Para quê discutirmos então uma ética desportiva quando o desporto e todas as actividades ao seu redor se encontram devidamente regulamentadas?
McNamee (2002) refere que muitos filósofos que trabalhavam na área da ética do desporto abandonaram a ideia de uma ética desportiva neutral e descritiva e passaram a dedicar-se a programas normativos que partem da clareza e coerência das posições que desenvolvem a fim de chegarem a um suporte aceitável.
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3. MITOS E PARADOXOS
O desporto sempre esteve intimamente ligado a formas educativas, culturais e formativas, o que sempre o levou a justificar-se pelos valores, pela moral e pela ética. E sempre teve os seus mitos: o mito das virtudes do desporto, o mito de que o desporto dá saúde, o mito da formação do carácter e o mito dos efeitos catárticos, entre outros.
Bourdieu (2003) considera o conjunto das práticas e dos consumos desportivos oferecidos aos agentes sociais como uma oferta destinada a encontrar uma certa procura social. Assim, existe um espaço de produção, dotado da sua lógica própria, da sua história, e existem condições sociais de possibilidade da apropriação dos diferentes «produtos desportivos» assim produzidos, havendo uma oposição entre a prática do desporto e o simples consumo de espectáculos desportivos.
Há mitos no desporto tanto e relação às práticas como em relação aos consumos.
E o desporto impôs-se porque ele próprio pode construir um verdadeiro mito: a igualdade de oportunidades, a promoção do mérito dos indivíduos e a distinção pelo seu talento, a ordem e o seu carácter formativo. Mito porque resolve uma contradição do nosso próprio universo – a da distância entre o «desejável» e o «real», conforme nos diz Vigarello (2004).
E, segundo o mesmo autor, este mito implica riscos como o atribuir ao desporto qualidades prévias, valores intrínsecos, quando eles mesmos são o resultado de uma exigência que o ultrapassa, implicando o mundo educativo no seu interior tanto quanto o mundo desportivo. O próprio espectáculo está no centro de contradições possíveis – os orçamentos vão sendo cada vez maiores e as vitórias já não têm o mesmo sentido nem o mesmo preço (Vigarello, id.).
Duas lógicas defrontam-se no desporto: a primeira, a do «excesso» – a imagem de um corpo capaz de deslocar as normas físicas, a lógica do melhoramento indefinido de performances e de habilidades, o «sempre mais» (do «mais alto, mais forte e mais longe») colocado no centro de um espírito desportivo e conduzindo insensivelmente à tentativa de «manipular» os recursos e os dispositivos corporais; a segunda lógica é a da «pureza», a do rigor extremo – ela pretende o respeito absoluto pelas integridades físicas, assim como a perfeição de atitudes e comportamentos – a do modelo, contra-sociedade projectada em ideal dos nossos funcionamentos colectivos (Vigarello, id.).
Estas duas lógicas confrontam-se implicitamente mas também intensamente: visão de excesso, o espírito desportivo é mais ainda uma maneira excepcional de suscitar modelos e de os exibir. Uma maneira tão excepcional mesmo que tende a esconder todas as fendas internas e todo o disfuncionamento para melhor se valorizar e se justificar. O desporto necessita assim saber proteger o mito para conservar o que ele tem de precioso e saber relativizá-lo para instalar o que ele tem de perverso (Vigarello, id.).
Sendo o teatro também um espectáculo consumido durante os tempos de lazer, e que Elias (1992) compara ao desporto como meio de produzir um descontrolo de emoções agradável e controlado, há que equacionar se os atletas profissionais que produzem o espectáculo desportivo são ou não actores.
Numa frase proferida em 1999 pelo treinador Fernando Santos – “os jogadores do FC do Porto são grandes actores, mas porque proporcionam grandes espectáculos e são campeões” – equacionava-se pela primeira vez o papel dos intervenientes no espectáculo desportivo. E aqui aparece-nos um dos primeiros paradoxos do desporto, principalmente nas denominadas modalidades onde existe o jogo colectivo: o desempenho dos intervenientes deverá ter como objectivo a estética ou o resultado que permita alcançar o prémio final da competição?
Porque se os atletas são actores, deve-se exigir aos espectadores desportivos o mesmo respeito por estes de acordo com aquele que é manifestado pelos profissionais do teatro – onde os espectadores nunca se identificam com os Montéquios ou os Capoletos. E deve-se exigir a esses actores (atletas) o mesmo respeito pelos seus colegas de profissão.
Em termos de espectadores, a diferença está em se exigir a uns silêncio para se poder admirar a peça, enquanto os outros se podem manifestar livremente.
Em relação aos intervenientes directos, enquanto uns seguem um guião e não se podem dele afastar, os outros movimentam-se segundo um equilíbrio-desequilíbrio-equilíbrio procurando atingir determinado objectivo segundo certas regras – aquilo que Elias e Dunning (1992) denominam como sendo a dinâmica de um grupo em tensão ou a que se refere Morin (1997) como a ordem, a desordem, a organização e as suas interacções. Enquanto os primeiros possuem uma finalização pré-determinada, os segundos vivem no desconhecimento permanente, até ao último segundo, do resultado final.
Outro mito: o da igualdade de oportunidades dos participantes no desporto. O desporto pretende apresentar a todos os seus interveniente directos uma igualdade de possibilidades dado que o espaço onde desenvolve as suas actividades assim como as normas que regem as mesmas são comuns. Mas o desporto ignora a igualdade de condições desses mesmos atletas – condições individuais diferentes (quer sejam de ordem genética, anatómica, fisiológica ou psíquica), condições de treino diferentes (no que diz respeito a instalações, a treinadores e a todo o restante apoio, incluindo o económico) e até diferentes condições de participação no momento (tempo) comum a todos os atletas (onde os antecedentes e todos os níveis de preparação emergem). Os atletas portugueses que estiveram no último campeonato mundial de Karaté, em Tampere, na Suécia, tiveram as mesmas condições de preparação e de incentivos que os atletas franceses ou espanhóis?
A redução da agressividade e o do controle – este último bandeira do Karaté – é mais um mito presente no deporto. Até à década de 70 fez escola a perspectiva catártica, defendendo que o desporto propicia aos jovens uma forma de eles aprenderem a controlar a agressividade e as emoções, produto da divulgação de autores conhecidos, tais como Sigmund Freud, Konrad Lorenz, Bertrand Russel e Desmond Morris.
Posteriormente, a investigação científica, segundo uma perspectiva pragmática, mostra-nos que o desporto ensina e promove a agressividade, reforçando-a, em oposição ao controlo da mesma.
É conhecido o que aconteceu com Dominique Valera, em Long Beach, nos campeonatos mundiais de 1975, ao ter de ser algemado pela própria polícia ainda dentro do pavilhão…
A violência também se encontra presente no Karaté tanto nas bancadas como no tatami. Em termos de público, em 1999, no campeonato de Alvaiázere, assistimos a uma manifestação hostil por parte de um grupo de espectadores afecto a uma associação com ameaças físicas e intenção de as levar à prática. No campeonato regional nos Açores, em 2001, as agressões a um oficial de mesa custaram as suspensões por seis anos a um treinador, por três anos a uma atleta e ainda por seis meses a uma outra atleta. Nos campeonatos nacionais de 2005 e de 2006 foram frequentes os insultos aos árbitros por parte de alguns elementos que presenciavam as competições, assim como até a exigência de explicações aos próprios árbitros.
O que justifica o descontrole de um atleta e que o leva a pôr em risco a integridade física de um outro seu colega, embora adversário? Tomemos como ponto de reflexão o acontecido no último campeonato nacional da FNK-P em Almada… onde um atleta, em plena competição, violenta fisicamente o seu opositor. Parafraseando Ortega y Gasset, poderíamos dizer que “o maior crime está agora, não nos que violentam, mas nos que não violentam mas deixam violentar”.
De facto, Nosanchuck (1981), Trulson (1986) e Wacquant (1995), citados por Coakley (1998), estudando praticantes de Taekwondo, Karaté e Boxe concluiram que a participação em desportos de combate pode ajudar os indivíduos a controlarem a sua agressividade. Mas este controle depende das condições sob as quais decorre essa prática desportiva… porque também concluíram que os resultados só são visíveis quando o treino promove valores (autocontrole, preserverança, responsabilidade, honra) e é associado a uma auto-reflexão combinada com noções filosóficas.
O mito da actividade física aliada à saúde (Carvalho, 2004), assim como do desporto, leva-nos a interrogarmo-nos se, de facto, o desporto dá saúde. Sérgio (2003) responde-nos que “ninguém faz este desporto para ter saúde; fá-lo porque tem saúde”. Bento (2004) chega ao ponto de afirmar que “o alto rendimento não se inspira na ideia de fomentar a saúde; mas isso não o autoriza a atentar deliberadamente contra ela”.
E em relação à participação, “ganhar ou perder é igual? É óbvio que não!” (Araújo, 2006). Ninguém compete para perder e quando o que está em causa é a vitória temos de reconhecer que o espírito desportivo actual não pode ser o mesmo de antigamente. Apesar de ainda continuar arreigado entre nós o mito do fair play, Bento (2004) pergunta-nos se poderá ele “ser hoje o princípio moral mais importante do desporto quando o não é da sociedade?”. Hoje, a resposta provável será negativa. Até porque Bourdieu (2003) diz-nos que “o fair play é a maneira de jogar o jogo dos que se não deixam tomar pelo jogo a ponto de se esquecerem que se trata de um jogo”, mas hoje o jogo já não é só o «jogo pelo jogo», pois o desporto representa o modo de auferir um salário (ou ainda somente um prémio, monetário ou não!), uma maneira de se ser reconhecido e um meio para se obter benefícios, pelo que o desporto exige, pressiona e impõe como único objectivo atingir o melhor resultado, o recorde, a vitória… E o desporto representa também uma maneira de publicitar e vender mais…
Alexandra Huci, romena, ginasta de 12 anos, campeã nacional, era uma das esperanças olímpicas do seu país. Infelizmente falece em 2001 em Timisoara, devido a um aneurisma cerebral que se rompeu devido a esforço excessivo ocorrido durante uma sessão de treinos. Michael Milon, francês, praticante de Karaté, especialista em Kata, três vezes campeão do mundo, quatro vezes campeão da Europa individual e seis vezes por equipa, vencedor de três taças do mundo, falece aos 30 anos, em 2002, vítima de paragem cardíaca, em Paris. Estes dois casos, que nos passaram despercebidos por não terem sido mediatizados, são dignos de realce: o primeiro pelo facto de se tratar de uma criança e o segundo pelo palmarés desportivo do atleta.
Entre os dois casos de morte súbita mais mediatizados em Portugal – 1973 com a morte em pleno jogo de Pavão, do F. C. do Porto, e em 2004 o falecimento de Fehér, do Benfica, também em pleno relvado – faleceram em plena prática desportiva pelo menos 21 atletas (e são só os casos que conhecemos) no nosso país: futebol (15), basquetebol (3) e ciclismo (3) foram as modalidades atingidas. E mesmo sem abordarmos o pugilismo (entre 1945 e 1995 o boxe produziu a morte de cerca de 500 pugilistas!), temos no entanto de realçar que no Karaté, em 1998, o russo Said Isayev, de 20 anos, no Taekwondo, em 1999, o dinamarquês Michael Anderson, de 25 anos e no Kick Boxing, em 2001, o checo Zdenek Vebejda, de 19 anos, encontraram a morte devido a graves lesões contraídas nos combates que tinham acabado de disputar.
E o que dizer dos desportistas em geral e dos praticantes de artes marciais em particular que contraíram lesões para o resto das suas vidas?
Paradoxo é o facto do Karaté, uma modalidade que inclusivamente possui um código de ética emanado da FMK, já apresentar no seu seio os primeiros casos de doping: a 20 de Setembro de 1999, o jornal Record noticia que as análises a Otis Ntisame, atleta da equipa sul-africana de Karaté nos Jogos Sul-Africanos, revelaram a utilização de estimulantes proibidos. Já em 1997 Djamel Bouras tinha cumprido suspensão, aplicada pela FIJ, por uso de nandrolona durante o campeonato mundial de Judo. Em 2006 voltamos a ter conhecimento de uma situação semelhante, de novo no Karaté, na Roménia.
Um último paradoxo, que não queremos deixar passar em claro, reside num desporto que provém de uma arte de defesa mas onde, em termos competitivos, a defesa não é pontuável...
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O desporto sempre esteve intimamente ligado a formas educativas, culturais e formativas, o que sempre o levou a justificar-se pelos valores, pela moral e pela ética. E sempre teve os seus mitos: o mito das virtudes do desporto, o mito de que o desporto dá saúde, o mito da formação do carácter e o mito dos efeitos catárticos, entre outros.
Bourdieu (2003) considera o conjunto das práticas e dos consumos desportivos oferecidos aos agentes sociais como uma oferta destinada a encontrar uma certa procura social. Assim, existe um espaço de produção, dotado da sua lógica própria, da sua história, e existem condições sociais de possibilidade da apropriação dos diferentes «produtos desportivos» assim produzidos, havendo uma oposição entre a prática do desporto e o simples consumo de espectáculos desportivos.
Há mitos no desporto tanto e relação às práticas como em relação aos consumos.
E o desporto impôs-se porque ele próprio pode construir um verdadeiro mito: a igualdade de oportunidades, a promoção do mérito dos indivíduos e a distinção pelo seu talento, a ordem e o seu carácter formativo. Mito porque resolve uma contradição do nosso próprio universo – a da distância entre o «desejável» e o «real», conforme nos diz Vigarello (2004).
E, segundo o mesmo autor, este mito implica riscos como o atribuir ao desporto qualidades prévias, valores intrínsecos, quando eles mesmos são o resultado de uma exigência que o ultrapassa, implicando o mundo educativo no seu interior tanto quanto o mundo desportivo. O próprio espectáculo está no centro de contradições possíveis – os orçamentos vão sendo cada vez maiores e as vitórias já não têm o mesmo sentido nem o mesmo preço (Vigarello, id.).
Duas lógicas defrontam-se no desporto: a primeira, a do «excesso» – a imagem de um corpo capaz de deslocar as normas físicas, a lógica do melhoramento indefinido de performances e de habilidades, o «sempre mais» (do «mais alto, mais forte e mais longe») colocado no centro de um espírito desportivo e conduzindo insensivelmente à tentativa de «manipular» os recursos e os dispositivos corporais; a segunda lógica é a da «pureza», a do rigor extremo – ela pretende o respeito absoluto pelas integridades físicas, assim como a perfeição de atitudes e comportamentos – a do modelo, contra-sociedade projectada em ideal dos nossos funcionamentos colectivos (Vigarello, id.).
Estas duas lógicas confrontam-se implicitamente mas também intensamente: visão de excesso, o espírito desportivo é mais ainda uma maneira excepcional de suscitar modelos e de os exibir. Uma maneira tão excepcional mesmo que tende a esconder todas as fendas internas e todo o disfuncionamento para melhor se valorizar e se justificar. O desporto necessita assim saber proteger o mito para conservar o que ele tem de precioso e saber relativizá-lo para instalar o que ele tem de perverso (Vigarello, id.).
Sendo o teatro também um espectáculo consumido durante os tempos de lazer, e que Elias (1992) compara ao desporto como meio de produzir um descontrolo de emoções agradável e controlado, há que equacionar se os atletas profissionais que produzem o espectáculo desportivo são ou não actores.
Numa frase proferida em 1999 pelo treinador Fernando Santos – “os jogadores do FC do Porto são grandes actores, mas porque proporcionam grandes espectáculos e são campeões” – equacionava-se pela primeira vez o papel dos intervenientes no espectáculo desportivo. E aqui aparece-nos um dos primeiros paradoxos do desporto, principalmente nas denominadas modalidades onde existe o jogo colectivo: o desempenho dos intervenientes deverá ter como objectivo a estética ou o resultado que permita alcançar o prémio final da competição?
Porque se os atletas são actores, deve-se exigir aos espectadores desportivos o mesmo respeito por estes de acordo com aquele que é manifestado pelos profissionais do teatro – onde os espectadores nunca se identificam com os Montéquios ou os Capoletos. E deve-se exigir a esses actores (atletas) o mesmo respeito pelos seus colegas de profissão.
Em termos de espectadores, a diferença está em se exigir a uns silêncio para se poder admirar a peça, enquanto os outros se podem manifestar livremente.
Em relação aos intervenientes directos, enquanto uns seguem um guião e não se podem dele afastar, os outros movimentam-se segundo um equilíbrio-desequilíbrio-equilíbrio procurando atingir determinado objectivo segundo certas regras – aquilo que Elias e Dunning (1992) denominam como sendo a dinâmica de um grupo em tensão ou a que se refere Morin (1997) como a ordem, a desordem, a organização e as suas interacções. Enquanto os primeiros possuem uma finalização pré-determinada, os segundos vivem no desconhecimento permanente, até ao último segundo, do resultado final.
Outro mito: o da igualdade de oportunidades dos participantes no desporto. O desporto pretende apresentar a todos os seus interveniente directos uma igualdade de possibilidades dado que o espaço onde desenvolve as suas actividades assim como as normas que regem as mesmas são comuns. Mas o desporto ignora a igualdade de condições desses mesmos atletas – condições individuais diferentes (quer sejam de ordem genética, anatómica, fisiológica ou psíquica), condições de treino diferentes (no que diz respeito a instalações, a treinadores e a todo o restante apoio, incluindo o económico) e até diferentes condições de participação no momento (tempo) comum a todos os atletas (onde os antecedentes e todos os níveis de preparação emergem). Os atletas portugueses que estiveram no último campeonato mundial de Karaté, em Tampere, na Suécia, tiveram as mesmas condições de preparação e de incentivos que os atletas franceses ou espanhóis?
A redução da agressividade e o do controle – este último bandeira do Karaté – é mais um mito presente no deporto. Até à década de 70 fez escola a perspectiva catártica, defendendo que o desporto propicia aos jovens uma forma de eles aprenderem a controlar a agressividade e as emoções, produto da divulgação de autores conhecidos, tais como Sigmund Freud, Konrad Lorenz, Bertrand Russel e Desmond Morris.
Posteriormente, a investigação científica, segundo uma perspectiva pragmática, mostra-nos que o desporto ensina e promove a agressividade, reforçando-a, em oposição ao controlo da mesma.
É conhecido o que aconteceu com Dominique Valera, em Long Beach, nos campeonatos mundiais de 1975, ao ter de ser algemado pela própria polícia ainda dentro do pavilhão…
A violência também se encontra presente no Karaté tanto nas bancadas como no tatami. Em termos de público, em 1999, no campeonato de Alvaiázere, assistimos a uma manifestação hostil por parte de um grupo de espectadores afecto a uma associação com ameaças físicas e intenção de as levar à prática. No campeonato regional nos Açores, em 2001, as agressões a um oficial de mesa custaram as suspensões por seis anos a um treinador, por três anos a uma atleta e ainda por seis meses a uma outra atleta. Nos campeonatos nacionais de 2005 e de 2006 foram frequentes os insultos aos árbitros por parte de alguns elementos que presenciavam as competições, assim como até a exigência de explicações aos próprios árbitros.
O que justifica o descontrole de um atleta e que o leva a pôr em risco a integridade física de um outro seu colega, embora adversário? Tomemos como ponto de reflexão o acontecido no último campeonato nacional da FNK-P em Almada… onde um atleta, em plena competição, violenta fisicamente o seu opositor. Parafraseando Ortega y Gasset, poderíamos dizer que “o maior crime está agora, não nos que violentam, mas nos que não violentam mas deixam violentar”.
De facto, Nosanchuck (1981), Trulson (1986) e Wacquant (1995), citados por Coakley (1998), estudando praticantes de Taekwondo, Karaté e Boxe concluiram que a participação em desportos de combate pode ajudar os indivíduos a controlarem a sua agressividade. Mas este controle depende das condições sob as quais decorre essa prática desportiva… porque também concluíram que os resultados só são visíveis quando o treino promove valores (autocontrole, preserverança, responsabilidade, honra) e é associado a uma auto-reflexão combinada com noções filosóficas.
O mito da actividade física aliada à saúde (Carvalho, 2004), assim como do desporto, leva-nos a interrogarmo-nos se, de facto, o desporto dá saúde. Sérgio (2003) responde-nos que “ninguém faz este desporto para ter saúde; fá-lo porque tem saúde”. Bento (2004) chega ao ponto de afirmar que “o alto rendimento não se inspira na ideia de fomentar a saúde; mas isso não o autoriza a atentar deliberadamente contra ela”.
E em relação à participação, “ganhar ou perder é igual? É óbvio que não!” (Araújo, 2006). Ninguém compete para perder e quando o que está em causa é a vitória temos de reconhecer que o espírito desportivo actual não pode ser o mesmo de antigamente. Apesar de ainda continuar arreigado entre nós o mito do fair play, Bento (2004) pergunta-nos se poderá ele “ser hoje o princípio moral mais importante do desporto quando o não é da sociedade?”. Hoje, a resposta provável será negativa. Até porque Bourdieu (2003) diz-nos que “o fair play é a maneira de jogar o jogo dos que se não deixam tomar pelo jogo a ponto de se esquecerem que se trata de um jogo”, mas hoje o jogo já não é só o «jogo pelo jogo», pois o desporto representa o modo de auferir um salário (ou ainda somente um prémio, monetário ou não!), uma maneira de se ser reconhecido e um meio para se obter benefícios, pelo que o desporto exige, pressiona e impõe como único objectivo atingir o melhor resultado, o recorde, a vitória… E o desporto representa também uma maneira de publicitar e vender mais…
Alexandra Huci, romena, ginasta de 12 anos, campeã nacional, era uma das esperanças olímpicas do seu país. Infelizmente falece em 2001 em Timisoara, devido a um aneurisma cerebral que se rompeu devido a esforço excessivo ocorrido durante uma sessão de treinos. Michael Milon, francês, praticante de Karaté, especialista em Kata, três vezes campeão do mundo, quatro vezes campeão da Europa individual e seis vezes por equipa, vencedor de três taças do mundo, falece aos 30 anos, em 2002, vítima de paragem cardíaca, em Paris. Estes dois casos, que nos passaram despercebidos por não terem sido mediatizados, são dignos de realce: o primeiro pelo facto de se tratar de uma criança e o segundo pelo palmarés desportivo do atleta.
Entre os dois casos de morte súbita mais mediatizados em Portugal – 1973 com a morte em pleno jogo de Pavão, do F. C. do Porto, e em 2004 o falecimento de Fehér, do Benfica, também em pleno relvado – faleceram em plena prática desportiva pelo menos 21 atletas (e são só os casos que conhecemos) no nosso país: futebol (15), basquetebol (3) e ciclismo (3) foram as modalidades atingidas. E mesmo sem abordarmos o pugilismo (entre 1945 e 1995 o boxe produziu a morte de cerca de 500 pugilistas!), temos no entanto de realçar que no Karaté, em 1998, o russo Said Isayev, de 20 anos, no Taekwondo, em 1999, o dinamarquês Michael Anderson, de 25 anos e no Kick Boxing, em 2001, o checo Zdenek Vebejda, de 19 anos, encontraram a morte devido a graves lesões contraídas nos combates que tinham acabado de disputar.
E o que dizer dos desportistas em geral e dos praticantes de artes marciais em particular que contraíram lesões para o resto das suas vidas?
Paradoxo é o facto do Karaté, uma modalidade que inclusivamente possui um código de ética emanado da FMK, já apresentar no seu seio os primeiros casos de doping: a 20 de Setembro de 1999, o jornal Record noticia que as análises a Otis Ntisame, atleta da equipa sul-africana de Karaté nos Jogos Sul-Africanos, revelaram a utilização de estimulantes proibidos. Já em 1997 Djamel Bouras tinha cumprido suspensão, aplicada pela FIJ, por uso de nandrolona durante o campeonato mundial de Judo. Em 2006 voltamos a ter conhecimento de uma situação semelhante, de novo no Karaté, na Roménia.
Um último paradoxo, que não queremos deixar passar em claro, reside num desporto que provém de uma arte de defesa mas onde, em termos competitivos, a defesa não é pontuável...
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4. O NOVO PARADIGMA
O desporto foi acompanhando o processo civilizacional, evoluindo de paradigma em paradigma, sendo anteriormente a referência Pierre de Coubertin – “Não interessa ganhar ou perder, o que interessa é participar!” – para actualmente a referência ser Vince Lombardi – “Ganhar não é o mais importante, é a única coisa que importa!” –.
O desporto foi acompanhando o processo civilizacional, evoluindo de paradigma em paradigma, sendo anteriormente a referência Pierre de Coubertin – “Não interessa ganhar ou perder, o que interessa é participar!” – para actualmente a referência ser Vince Lombardi – “Ganhar não é o mais importante, é a única coisa que importa!” –.
Rubio (2006) refere que na Antiguidade, quando o atleta competia a sua busca pela vitória não estava fundamentada na derrota do adversário mas sim na superação dos seus próprios limites, pelo que a vitória era uma decorrência do próprio processo desportivo, enquanto nos dias de hoje a vitória, e não a participação, é o valor supremo da competição desportiva, dado que a essa vitória estão associados o reconhecimento social, o dinheiro e o desejo de permanência, levando ao menosprezo de qualquer outro resultado – não é pois por acaso que o segundo lugar é o primeiro dos últimos….
Também o Karaté evoluiu através de vários paradigmas. Até ao século XIII podemos identificar o paradigma Bugei, do século XIV ao século XIX podemos relacionar as artes marciais com o paradigma Jutsu, de 1868 até 1936 temos o paradigma Budo, vingando o paradigma do Karate-Do até 1957, ano em que a Japan Karaté Association organiza a primeira competição formal. Encontramo-nos então em pleno paradigma do Karaté como desporto, sendo os primeiros campeonatos europeus realizados no ano de 1966 em Paris, coincidindo com a formação da EKU (European Karate-do Union), fundando-se a WUKO (World Union of Karatedo Organization) em 1970, ano em que se disputam com os primeiros mundiais em Tóquio. E de paradigma em paradigma, o caminho aponta para um novo futuro…
E parece-nos configurar-se nesse futuro o Olimpismo como o novo paradigma. Um paradigma que consolidará a Kata e o Kumite não como um meio para aperfeiçoar o carácter do praticante mas como um fim para alcançar uma vitória que trará recompensas económicas e o aumento do status social do atleta. Um paradigma que inclusivamente poderá apontar para a profissionalização dos atletas. Mas enveredando o Karaté por este caminho – um caminho percorrido pelo não-amadorismo, pelo marketing, pelo alto rendimento e pelo espectáculo –, não estará o Karaté a dirigir-se rumo a um aumento das perversidades no seu interior?
Atente-se ao que aconteceu no TaeKwonDo a Un Yong Kim, Vice-Presidente do Comité Olímpico Internacional, em 2004, acusado de corrupção… e detido posteriormente.
Também o Karaté evoluiu através de vários paradigmas. Até ao século XIII podemos identificar o paradigma Bugei, do século XIV ao século XIX podemos relacionar as artes marciais com o paradigma Jutsu, de 1868 até 1936 temos o paradigma Budo, vingando o paradigma do Karate-Do até 1957, ano em que a Japan Karaté Association organiza a primeira competição formal. Encontramo-nos então em pleno paradigma do Karaté como desporto, sendo os primeiros campeonatos europeus realizados no ano de 1966 em Paris, coincidindo com a formação da EKU (European Karate-do Union), fundando-se a WUKO (World Union of Karatedo Organization) em 1970, ano em que se disputam com os primeiros mundiais em Tóquio. E de paradigma em paradigma, o caminho aponta para um novo futuro…
E parece-nos configurar-se nesse futuro o Olimpismo como o novo paradigma. Um paradigma que consolidará a Kata e o Kumite não como um meio para aperfeiçoar o carácter do praticante mas como um fim para alcançar uma vitória que trará recompensas económicas e o aumento do status social do atleta. Um paradigma que inclusivamente poderá apontar para a profissionalização dos atletas. Mas enveredando o Karaté por este caminho – um caminho percorrido pelo não-amadorismo, pelo marketing, pelo alto rendimento e pelo espectáculo –, não estará o Karaté a dirigir-se rumo a um aumento das perversidades no seu interior?
Atente-se ao que aconteceu no TaeKwonDo a Un Yong Kim, Vice-Presidente do Comité Olímpico Internacional, em 2004, acusado de corrupção… e detido posteriormente.
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5. CONCLUSÃO
O carácter bivalente do desporto faz com que este tanto nos apresente as suas virtudes e os seus valores como as suas perversidades e os seus contra-valores.
Demonstra-se assim a importância da ética (teórica) e da moral (prática) na prática desportiva, do desenvolvimento moral dos praticantes e da sua sociomotricidade, assim como da própria regulamentação de normativos e respectiva fiscalização de comportamentos e condutas até porque “o desporto, considerado como um fenómeno cultural, está longe de ser moralmente inocente”(Tannsjo & Tamburrini, 2000).
É a partir dos novos desafios, no campo da educação e do ensino, assim como no campo desportivo (treino), postos aos actuais treinadores que “se deve novamente repor a pergunta a respeito dos fins últimos que dão sentido à sua existência e à sua acção enquanto tal, tanto em sua dimensão individual, quanto colectiva” (Oliveira, 2000).
Igualmente a desaprovação dos comportamentos de violência na prática desportiva porque nada têm a ver com o desporto, mesmo que sejam inevitáveis, mostra que, existindo um acto de transferência de uma escala de valores na actividade profissional do treinador, esta se encontra imbuída de princípios éticos na relação pedagógica estabelecida com os alunos (Beresford, 1994). E principalmente quando o treinador exerce funções de responsabilidade perante os escalões etários mais baixos…
Como nos diz Mishima (1986), “o período da infância é um palco de teatro no qual o espaço e o tempo se entrecruzam”. E entrecruzam-se – sempre se entrecruzaram neste período – adultos e crianças, gigantes e anões, assim como autoridades e vítimas, nem que o fossem só de uma violência simbólica, esse conceito que nos legaram Bourdieu e Passeron (1975).
Imaginemos que somos anões e que tudo aquilo que temos de aprender, ou tudo aquilo que somos obrigados a fazer, nos é imposto por gigantes que circulam à nossa volta... Suponhamos que nos encontramos de repente mergulhados num mundo severo e rigoroso, onde temos de ter atenção a tudo e onde temos de nos concentrar nas tarefas a executar, no qual temos de realizar movimentos até então desconhecidos, alguns até assimétricos, executá-los com perfeição, memorizar sequência dos mesmos e que, ainda por cima, cada um deles tem um estranho nome... e teremos a realidade do mundo das nossas crianças que aprendem Karaté no nosso dojo.
Como responsáveis, poder-nos-emos (ou dever-nos-emos) limitar a transmitir só a técnica? A resposta é logicamente negativa, mas, entretanto, essa lógica cai por terra a partir do momento em que encaramos a competição formal… Negativa, porque continuamos a viver intrinsecamente os mitos e os paradoxos do desporto. Cai por terra, porque já estamos a viver o novo paradigma embora não formal e institucionalmente.
(Comunicação apresentada ao 1º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate,13 e 14 de Abril de 2007, ADIV e ESE-ISPV, Viseu)
O carácter bivalente do desporto faz com que este tanto nos apresente as suas virtudes e os seus valores como as suas perversidades e os seus contra-valores.
Demonstra-se assim a importância da ética (teórica) e da moral (prática) na prática desportiva, do desenvolvimento moral dos praticantes e da sua sociomotricidade, assim como da própria regulamentação de normativos e respectiva fiscalização de comportamentos e condutas até porque “o desporto, considerado como um fenómeno cultural, está longe de ser moralmente inocente”(Tannsjo & Tamburrini, 2000).
É a partir dos novos desafios, no campo da educação e do ensino, assim como no campo desportivo (treino), postos aos actuais treinadores que “se deve novamente repor a pergunta a respeito dos fins últimos que dão sentido à sua existência e à sua acção enquanto tal, tanto em sua dimensão individual, quanto colectiva” (Oliveira, 2000).
Igualmente a desaprovação dos comportamentos de violência na prática desportiva porque nada têm a ver com o desporto, mesmo que sejam inevitáveis, mostra que, existindo um acto de transferência de uma escala de valores na actividade profissional do treinador, esta se encontra imbuída de princípios éticos na relação pedagógica estabelecida com os alunos (Beresford, 1994). E principalmente quando o treinador exerce funções de responsabilidade perante os escalões etários mais baixos…
Como nos diz Mishima (1986), “o período da infância é um palco de teatro no qual o espaço e o tempo se entrecruzam”. E entrecruzam-se – sempre se entrecruzaram neste período – adultos e crianças, gigantes e anões, assim como autoridades e vítimas, nem que o fossem só de uma violência simbólica, esse conceito que nos legaram Bourdieu e Passeron (1975).
Imaginemos que somos anões e que tudo aquilo que temos de aprender, ou tudo aquilo que somos obrigados a fazer, nos é imposto por gigantes que circulam à nossa volta... Suponhamos que nos encontramos de repente mergulhados num mundo severo e rigoroso, onde temos de ter atenção a tudo e onde temos de nos concentrar nas tarefas a executar, no qual temos de realizar movimentos até então desconhecidos, alguns até assimétricos, executá-los com perfeição, memorizar sequência dos mesmos e que, ainda por cima, cada um deles tem um estranho nome... e teremos a realidade do mundo das nossas crianças que aprendem Karaté no nosso dojo.
Como responsáveis, poder-nos-emos (ou dever-nos-emos) limitar a transmitir só a técnica? A resposta é logicamente negativa, mas, entretanto, essa lógica cai por terra a partir do momento em que encaramos a competição formal… Negativa, porque continuamos a viver intrinsecamente os mitos e os paradoxos do desporto. Cai por terra, porque já estamos a viver o novo paradigma embora não formal e institucionalmente.
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6. BIBLIOGRAFIA
A solicitar ao(s) autor(es)
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Liderança, poder e autoridade do treinador de karaté
Armando Inocentes ©(Comunicação apresentada ao 1º Congresso Científico de Artes Marciais e Desportos de Combate,13 e 14 de Abril de 2007, ADIV e ESE-ISPV, Viseu)
1 - INTRODUÇÃO
O Karaté é encarado como uma arte marcial ou como um desporto de combate, dependendo da perspectiva em que se coloque o analisador. Tradicionalmente o ensino é ministrado pelo “Mestre” – designado pelo termo japonês “Sensei”, onde «sen» significa «antigo, que se antecipou» enquanto «sei» está imbuído do conceito de «existência, pureza». Logo, “Sensei” é aquele que existe antes de nós em determinado campo e que detém uma existência pura, exemplar” (Inocentes, 1995).
Com o advento da competição em Karaté – a primeira competição da JKA teve lugar em 1957, os primeiros campeonatos europeus no ano de 1966 em Paris e os primeiros mundiais em 1970, no Japão – o “Mestre” começou em certos casos a ser encarado como um treinador, embora atletas e alunos ainda hoje se dirijam aos seus instrutores utilizando o termo “Sensei”. Dentro de cada Dojo a prática é liderada por um treinador, estando este sob a orientação do Instrutor-Chefe da sua Associação, o qual, por sua vez, depende do Presidente da Federação Internacional em que essa Associação está filiada.
Existe assim uma cadeia hierárquica nos órgãos de transmissão dos conhecimentos e das técnicas referentes ao Karaté, a qual é definida não tanto pelos cargos ocupados ou funções que cada elemento exerce, mas mais pela graduação que cada um deles detém. Submetem-se pois a cada treinador aqueles que estão num plano hierarquicamente inferior.
Pretendemos com este trabalho analisar o relacionamento entre a liderança de um treinador de Karaté e a autoridade e o poder que detém, assim como a transmissão dessas características a futuros treinadores.
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2 - LIDERANÇA
Na bibliografia sobre a liderança do treinador, vários autores apontam o treinador como um líder com características especiais, entre os quais Salock (citado por Piéron, 1985) e Chelladurai (1984), tendo em conta o carácter multifacetado da sua actividade.
Singer (1982) aponta o treinador como um líder, tal como o capitão do grupo, embora este em menor extensão, considerando que “a liderança é uma relação de interacção entre a personalidade do indivíduo e a situação, uma vez que toda a situação requer talentos especiais para enfrentá-la e resolver os problemas que surgem dela”.
No entanto, Fiedler (1969) afirma que a personalidade é de pouca importância na determinação do reconhecimento de um indivíduo como líder dado que “uma pessoa pode-se tornar um líder estando no lugar certo na hora certa, ou devido a vários outros factores como idade, educação, experiência, antecedentes familiares e saúde”.
Thomas (1994) diz-nos que “o treinador representa o tipo de líder nomeado por uma autoridade superior” mas que “o treinador deve estar consciente do facto de a sua autoridade lhe ser conferida por uma autoridade superior. Assim, também se deve esforçar por conquistar uma parte do poder outorgado pelo grupo (…)”, enquanto para Araújo (1995) “ a autoridade do treinador, mais do que imposta, deve ser reconhecida e aceite”, até porque, segundo Berge (1976), “o que a torna válida não é a categoria da pessoa que a exerce, mas o facto de estar ela própria, a despeito, às vezes, das aparências, ao serviço dos interesses daqueles sobre quem se exerce”.
Verificamos assim que poder e autoridade começam a estar relacionados com a liderança, o que de facto é confirmado por Carron (1980) quando apresenta a liderança vista segundo três perspectivas: a interacção – característica da dependência mútua existente nas relações interpessoais –, a influência – característica da relação entre o líder, os subordinados e a situação –, e o poder – característica inerente ao líder e que o leva a determinar o comportamento dos seus subordinados.
Não nos esqueçamos porém que já tanto La Boétie (1997) no século XVI, ao falar-nos na servidão voluntária, como Rousseau (1993) no século XVIII, ao abordar a desigualdade entre os homens, colocavam a tónica não no poder mas no fenómeno da obediência consentida, o que viria a ser comprovado pela célebre experiência de Milgram (1975) e mais recentemente reavivada por Romano (2006).
Fiedler (1969), comparando as lideranças autocrática (onde o treinador exerce de um modo mais acentuado o poder e a autoridade que possui) e democrática conclui que “comparando o desempenho de ambos os tipos de líderes, demonstram que cada um deles é bem sucedido em certas situações, mas não em outras. Ninguém está apto a mostrar que um tipo de líder é sempre superior ou mais efectivo”.
Sendo o treinador um condutor de homens, logo líder, gestor e formador, parece-nos estar a sua acção embuída tanto de uma certa autoridade como de um certo poder… e segundo Russell (1990), “o impulso de poder tem duas formas: a explícita, nos líderes e a implícita nos seus seguidores”.
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3 - AUTORIDADE E PODER
Após uma pesquisa baseada em autores que estudaram a problemática da autoridade, tais como Parsons (1973), Crozier e Friedberg (1977), Simon (1983), Delaire (1986) e Mintzberg (1986), assim como Guillotte (1999), algumas delas separadas no espaço e no tempo, umas coincidentes e outras discordantes, mas essencialmente que se complementam, verificamos que as noções de autoridade e poder, devido à sua inter-relação, nem sempre se encontram delimitadas de modo a poder-se referir uma sem se entrar no espaço de outra.
Assim, fomos obrigados de seguida a pesquisar autores que se tivessem debruçado sobre o conceito de poder, entre os quais destacamos Weber (1971), Martin (1978), Livian (1987), Russell (1990), March (1991), Toffler (1991) e Elias (1999), verificando que a inter-penetração desta noção com a de autoridade se voltava a verificar.
Não pretendemos, no entanto, deixar passar despercebidos quatro conceitos de poder que julgamos fundamentais. Para Lakatos (1985), o poder é a capacidade que um indivíduo ou grupo de indivíduos tem de provocar a aceitação e o cumprimento de uma ordem. Para Mintzberg (1986), o poder é a capacidade de produzir ou modificar os resultados ou efeitos organizacionais. O poder que consiste apenas em modificar o comportamento de alguém é um subconjunto do poder enquanto produção de resultados. Segundo Demailly (1987), o poder é espaço de “liberdades”, de “jogo”, de imprevisibilidade para outrem. Guillotte (1999) defende que não é a capacidade, o poder, a força que dão a autoridade, mas o legislador que, dando o direito, impõe o dever.
Após este breve estudo, retiramos a seguinte conclusão: poder é a capacidade de exercer um domínio sobre algo ou alguém em determinado campo ou relação, sendo a autoridade a possibilidade que advém do poder de realizar esse domínio, a qual é reconhecida (legítima), aceite e respeitada (obedecida).
Desta análise, parece-nos confirmar-se que o treinador, enquanto líder, e sendo um interveniente no sistema desportivo, possui poder porque interage e influencia os seus alunos ou atletas, situações e o meio envolvente, assim como é dotado de autoridade em virtude de exercer um poder legítimo, que aceita ao assumir essas funções, implicando agir em conformidade com as concepções e os valores a serem acatados pelos seus subordinados.
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4 - O PODER DO TREINADOR
Mas de onde vem o poder? Tentando responder a esta questão, teremos de observar agora quais as fontes de poder.
Recorrendo a Crozier e Friedberg (1977), os principais aspectos centram-se no domínio de uma competência específica, no domínio da informação e da comunicação e na existência na organização de regras de poder e de autoridade. Segundo Mintzberg (1986), as fontes de poder residem no controlo de um recurso, no controlo de um conhecimento técnico, no controlo de conhecimentos cruciais ou na colocação próxima de uma outra fonte de poder e de influência.
Para Livian (1987) são fontes de poder a posição na estrutura da organização, tais como as características pessoais, o conhecimento especializado e o controlo da informação. Russell (1990) define como fontes de poder a tradição, o medo, a ambição pessoal, a crença e a educação. Por último, Burke (1991) aponta para a posição na organização, o controlo de recursos, as características pessoais, o controlo dos sistemas estrutural e funcional assim como a oportunidade como sendo as principais fontes de poder.
Assim, verificamos que os conhecimentos e a competência, seguidos das características pessoais e da posição na organização são as fontes de poder dominantes. De salientar que Russell (1990) aponta mais para fontes psicológicas enquanto Burke (1991) é o único a apresentar a questão da oportunidade, à semelhança de Fiedler (1969), já atrás referido, afirmando que “encontrar-se no lugar certo no momento certo pode permitir a um indivíduo exercer o poder mesmo se não possui as qualidades nem a formação requeridas para tal”.
São apresentadas cinco bases de poder por Serpa (1990): 1- a recompensa (o líder atribui prémios aos subordinados); 2 - a coerção (o líder aplica castigos); 3 - o poder legítimo (originado no estatuto formal do líder); 4 - a competência (que lhe advém dos conhecimentos que tem sobre as tarefas do seu domínio de actividade); 5 - o poder de referência (inerente ao afecto que inspira aos seus subordinados).
A origem do estatuto do líder, ainda segundo Serpa (id.), advém por uma das seguintes três vias: 1 - a designação pelo grupo, em que o líder emerge do conjunto de que faz parte e que lhe transmite o respectivo poder; 2 - a nomeação por uma autoridade superior que lhe transmite o poder formal sobre os indivíduos que dela dependem; 3 – a autodesignação, situação em que o indivíduo de motu-proprio se socorre de determinados atributos para se impor aos outros.
Saliente-se desde já que esta terceira hipótese, conforme refere Serpa (id.), é altamente improvável na estrutura desportiva, sendo a designação por um Clube, Associação ou Federação que normalmente está na base do aparecimento do treinador à frente de uma equipa ou conjunto de atletas, o que eventualmente não elimina excepções.
As formas do treinador exercer o seu poder incidem essencialmente no modo de influenciar os seus atletas e na maneira de modificar os seus comportamentos. Recorrendo a Russell (1990), “um indivíduo pode ser influenciado: a) através do poder físico sobre o seu corpo; b) através de recompensas e de punições como incentivos; c) influenciando a opinião”.
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5 – A ESPECIFICIDADE DO KARATÉ E DAS ARTES MARCIAIS
Os primórdios do Karaté revelam um treino muito individualizado – de Mestre a discípulo – estabelecendo uma cadeia hierárquica vertical, em que muitas vezes as técnicas mais importantes ou eficazes eram só transmitidas aos eleitos, sendo pertença de uma elite muito reduzida
Nos finais do século XIX o ensino começa a fazer-se com um carácter mais aberto pelos Mestres Higaonna, Itosu e Azato. Com a morte destes, os seus alunos mais avançados deram origem a vários estilos, aparecendo a designação de «Karaté» em 1936.
Divergências entre alunos mais graduados e respectivos mestres provocaram cisões dentro de estilos, dando origem a outros estilos e mesmo em Okinawa podemos contar actualmente cerca de 24 estilos (Bishop, 1995; Braunstein, 1999)…
A prática tradicional do Karaté tem de ser enquadrada dentro de uma sociedade japonesa extremamente hierarquizada, assim como de uma cultura profundamente influenciada por valores religiosos – o Budismo e o Zen –, por códigos de honra – o Bushido – e pelo sentimento do dever, da obrigação – o Giri (Pinguet, 1987).
Ao estabelecer-se uma relação vertical, o treinador acaba por ser o detentor de todo o poder dentro do Dojo, e o Instrutor-Chefe o detentor do poder sobre os outros treinadores e seus alunos.
Fiadeiro (1989) apresenta os seguintes aspectos característicos das Artes Marciais:
“- os praticantes são ordenados hierarquicamente (…);
- a relação dominante é do tipo Mestre-discípulo (…);
- os mestres, e a um escalão menor também normalmente os discípulos, encontram-se filiados em escolas internacionais, as quais representam a fonte de legitimidade para o grupo (…);
- mesmo que associados a nível nacional, o motivo mantém-se na área do aperfeiçoamento técnico e na legitimidade dos cintos, pelo que as suas formas associativas tendem a reflectir esta necessidade, sendo característicos os litígios entre a hierarquia técnica, fonte de legitimidade da escola ou grupo, e a hierarquia dirigente, eleita, e fonte de poder formal;
- a nível internacional, a acumulação de poder no foro técnico (…), leva a que se verifiquem fenómenos de secessão, assim como ao aparecimento de novas artes, resultando numa proliferação de escolas e estilos (…).”
Confirmando esta posição, Braunstein (1999) faz notar que “a oposição fundamentada entre o Ocidente e o Oriente repousa a maior parte das vezes sobre a construção de um eu, a procura fanática de um ego. A compreensão falseada da grande maioria dos praticante de Artes Marciais do contexto cultural destes últimos conduziu-os a comportamentos no limite do patológico sobre o Dojo. A vontade de perder o seu ego conduziu-os a uma vontade de submissão que fazia do Sensei, não um mestre, no sentido do magister latino, pondo de parte a conotação espiritual, mas a um dominus.”
Comparando as artes marciais com os desportos de combate, Fiadeiro (1989), apresentando uma caracterização centrada na linha de reprodução dos mestres, afirma que “o culto do Mestre é uma das marcas mais características das Artes Marciais”, concluindo nesta comparação que “se o atleta perde, muda-se o treinador, se o discípulo falha, sai e entra outro, mas o Mestre, esse fica” (Fiadeiro, id.).
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6 – UM ESTUDO EXEMPLIFICATIVO
A amostra foi constituída por 12 treinadores de Karaté, cada um deles ministrando treinos em pelo menos um Dojo, todos com mais de 5 anos de experiência de ensino e todos com curso de formação de monitor/treinador. As idades dos 12 treinadores encontram-se entre os 25 e 49 anos de idade, existindo uma treinadora com 29 anos.
Esta amostra foi dividida em dois grupos, representativos de duas linhagens, que casualmente continham seis treinadores cada uma, todos da mesma Associação, tendo em conta os dois instrutores de quem tinham sido alunos.
Foi aplicada a todos os treinadores a Escala de Liderança no Desporto (ELD), de Chelladurai e Saleh (Serpa et al., 1988), assim como a Escala do Poder Formal do Líder (EPFL), de Fiedler, Chemers e Mahar (Jesuíno, 1996).
Em relação à ELD cada treinador expressou a sua auto-percepção em relação a cinco dimensões, pontuáveis numa escala de 1 a 5: “comportamento treino-instrução”, “comportamento de suporte social”, “comportamento de reforço”, “comportamento democrático” e “comportamento autocrático”.
Analisando graficamente os dados obtidos em relação aos treinadores da linhagem A, verificam-se os seguintes resultados:
Passando à análise dos dados referentes aos treinadores da linhagem B, graficamente obtemos os resultados seguintes:
Enquanto o gráfico da linhagem A apresenta a forme de um “~” invertido, o gráfico da linhagem B apresta-se com a forma de um “w”. Verificamos assim que existem diferenças significativas nas dimensões “comportamento de suporte social”, “comportamento democrático” e “comportamento autocrático”.
No que se refere à EPFL, numa escala de 1 a 10, estudando-se o poder formal do líder, os resultados gráficos de ambas as linhagens exprimem-se do seguinte modo:
Tendo em conta os resultados da aplicação da EPFL, verificamos a existência de diferenças significativas entre a auto-percepção do poder formal no que se refere às duas linhagens de treinadores.
Podemos ainda constatar a existência de uma correlação entre a auto-percepção da liderança e do poder dos treinadores intervenientes na amostra, em ambas as linhagens, podendo-se inferir que a transmissão de conhecimentos assim como a transmissão do estilo de liderança e da noção de poder estão presentes nos indivíduos estudados.
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7 - CONCLUSÃO
Apesar de não podermos estabelecer generalizações devido ao tamanho da amostra e às limitações do estudo (não foram consideradas as variáveis idade, género, habilitações académicas, formação e anos de experiência de ensino), podemos no entanto concluir que o treinador de Karaté é um líder que detém poder e autoridade sobre os seus alunos ou atletas. O poder traduz-se no facto de poder atribuir recompensas e/ou aplicar medidas coercivas ou punitivas, ao ser imposto pela estrutura organizacional que representa. A sua autoridade advém dos seus conhecimentos técnicos e pedagógicos, da sua experiência de ensino e até de competidor, assim como das suas habilitações académicas e da sua formação. Outro factor preponderante que cimenta tanto o poder como a autoridade do treinador é a sua graduação, representada pelo Dan que possui, a qual determina a sua situação hierárquica.
Por que motivo serão diferentes os resultados das duas linhagens estudadas?
O facto da maior parte (se não a totalidade) dos treinadores de Karaté passarem como atletas por uma progressão baseada num sistema de graduações, que ao alcançarem o seu cinto negro lhes abre as portas do ensino, fazendo só mais tarde a sua formação «teórica», coloca-os numa posição que os leva a cair numa “prática não reflexiva, imitando as rotinas e os procedimentos dos seus antigos professores” (Carreiro da Costa, 1996).
Torres Tobio (1998), afirma que parece verificar-se uma contradição entre o que os peritos (formadores) dizem e o que os treinadores manifestam que fazem.
Assim, acreditamos que a visão tradicionalista dos treinadores de Karaté permite que se possa adaptar ao mesmo “o círculo vicioso do fracasso auto-reprodutor da Educação Física” de Bart Crum (1990, cit. in Carreiro da Costa, 1996), até porque, para este autor, “os programas de formação têm geralmente um impacto reduzido, quando comparados com o impacto da aprendizagem por observação” e “mesmo quando o programa da formação transmite com sucesso uma perspectiva de ensino e aprendizagem, a força socializadora da entrada nas escolas trabalha no sentido de apagar esta tendência” (Crum, 1993, cit. in Graça & Januário, 1997).
O estilo de liderança e a auto-percepção do poder formal dos treinadores de topo de cada linhagem parece ter-se transmitido aos treinadores de cada uma delas – daí os resultados diferentes entre ambas.
Poderá também existir a possibilidade de transmissões diferentes nas duas linhagens no que diz respeito aos valores no desporto, assim como em relação à formação moral dos desportistas, até porque Saito e Tavares (2006) afirmam também que no judo vem acontecendo uma diminuição gradativa da transmissão dos valores morais, o que indica uma dissonância entre o discurso e a prática.
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8 - BIBLIOGRAFIA
A solicitar ao(s) autor(es)
III
(Comunicação apresentada ao Simpósio Nacional de Ciências do Desporto "Um Olhar Sobre a Investigação e a Inovação", FMH-UTL, 27, 28 e 29 de Maio de 2004, Cruz Quebrada)
1. INTRODUÇÃO
Podemos ainda constatar a existência de uma correlação entre a auto-percepção da liderança e do poder dos treinadores intervenientes na amostra, em ambas as linhagens, podendo-se inferir que a transmissão de conhecimentos assim como a transmissão do estilo de liderança e da noção de poder estão presentes nos indivíduos estudados.
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7 - CONCLUSÃO
Apesar de não podermos estabelecer generalizações devido ao tamanho da amostra e às limitações do estudo (não foram consideradas as variáveis idade, género, habilitações académicas, formação e anos de experiência de ensino), podemos no entanto concluir que o treinador de Karaté é um líder que detém poder e autoridade sobre os seus alunos ou atletas. O poder traduz-se no facto de poder atribuir recompensas e/ou aplicar medidas coercivas ou punitivas, ao ser imposto pela estrutura organizacional que representa. A sua autoridade advém dos seus conhecimentos técnicos e pedagógicos, da sua experiência de ensino e até de competidor, assim como das suas habilitações académicas e da sua formação. Outro factor preponderante que cimenta tanto o poder como a autoridade do treinador é a sua graduação, representada pelo Dan que possui, a qual determina a sua situação hierárquica.
Por que motivo serão diferentes os resultados das duas linhagens estudadas?
O facto da maior parte (se não a totalidade) dos treinadores de Karaté passarem como atletas por uma progressão baseada num sistema de graduações, que ao alcançarem o seu cinto negro lhes abre as portas do ensino, fazendo só mais tarde a sua formação «teórica», coloca-os numa posição que os leva a cair numa “prática não reflexiva, imitando as rotinas e os procedimentos dos seus antigos professores” (Carreiro da Costa, 1996).
Torres Tobio (1998), afirma que parece verificar-se uma contradição entre o que os peritos (formadores) dizem e o que os treinadores manifestam que fazem.
Assim, acreditamos que a visão tradicionalista dos treinadores de Karaté permite que se possa adaptar ao mesmo “o círculo vicioso do fracasso auto-reprodutor da Educação Física” de Bart Crum (1990, cit. in Carreiro da Costa, 1996), até porque, para este autor, “os programas de formação têm geralmente um impacto reduzido, quando comparados com o impacto da aprendizagem por observação” e “mesmo quando o programa da formação transmite com sucesso uma perspectiva de ensino e aprendizagem, a força socializadora da entrada nas escolas trabalha no sentido de apagar esta tendência” (Crum, 1993, cit. in Graça & Januário, 1997).
O estilo de liderança e a auto-percepção do poder formal dos treinadores de topo de cada linhagem parece ter-se transmitido aos treinadores de cada uma delas – daí os resultados diferentes entre ambas.
Poderá também existir a possibilidade de transmissões diferentes nas duas linhagens no que diz respeito aos valores no desporto, assim como em relação à formação moral dos desportistas, até porque Saito e Tavares (2006) afirmam também que no judo vem acontecendo uma diminuição gradativa da transmissão dos valores morais, o que indica uma dissonância entre o discurso e a prática.
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8 - BIBLIOGRAFIA
A solicitar ao(s) autor(es)
IV
Violências do desporto e violências no desporto
Armando Inocentes ©
(Comunicação apresentada às XVII Jornadas de Educação Física do Exército, Centro Militar de Educação Física e Desporto, Mafra, 2005) a aguardar colocação
III
VIOLÊNCIA NO DESPORTO: INVESTIGAÇÃO, DIFICULDADES E LACUNAS
Armando Inocentes e Vítor Ferreira ©(Comunicação apresentada ao Simpósio Nacional de Ciências do Desporto "Um Olhar Sobre a Investigação e a Inovação", FMH-UTL, 27, 28 e 29 de Maio de 2004, Cruz Quebrada)
1. INTRODUÇÃO
O Ano Europeu da Educação pelo Desporto deveria fazer-nos reflectir sobre o que é de facto o desporto, e essencialmente sobre o que tem sido o desporto, assim como sobre os resultados da investigação e dos estudos científicos que sobre ele recaem e suas aplicações práticas, até porque, ao longo de toda a filogénese da humanidade, duas componentes há que sempre se têm encontrado presentes: a competição e a violência.
O carácter bivalente do desporto faz com que, obrigatoriamente, nos situemos entre Pierre de Coubertin – “Não interessa ganhar ou perder, o que interessa é participar!” – e Vince Lombardi –“Ganhar não é o mais importante, é a única coisa que importa!” –.
Investigam-se parâmetros biomecânicos, anatomofisiológicos, psicológicos, técnicos... e o que é feito da sociomotricidade? E dos planos afectivo e relacional?...
Torna-se mais notório investigar as virtudes e os valores do desporto (aquilo a que, axiológicamente, é comum chamarmos espírito desportivo, fair-play, ou ainda ética ou moral) do que as suas perversidades – as mortes em campo (de Pavão, em 1973, a Fehér, morreram em Portugal durante a prática desportiva 15 futebolistas, 3 basquetebolistas e 3 ciclistas), os atletas incapacitados para o resto das suas vidas (nomes? a ténista Tracy Austin, Muhammad Ali no boxe, no atletismo Carl Lewis, Patrik Sjoberg e Mike Powell, Charles Barkley no basquetebol, o futebolista Brian Laudrup, Jean-Luc Cretien no esqui alpino, Cris Pringle no cricket, a lançadora de dardo Karen Forkel, e Mark McGuire no baseball, entre outros), o doping, a corrupção, a fraude e a violência –, esquecendo-nos que “o desporto, considerado como um fenómeno cultural, está longe de ser moralmente inocente” (Tannsjo & Tamburrini, 2000).
Entre estas, a violência será o tipo de comportamento que mais fácil e frequentemente poderá ocorrer entre os mais novos, nos escalões de formação, nas faixas etárias infantil ou juvenil, no Desporto Escolar ou até em aulas de Educação Física.
Sarmento (1999) salienta que as agressões e injúrias a adversários, os comportamentos exaltados, a reacção ao público com gestos e palavras obscenas, a intimidação aos adversários através da violência física e verbal, são alguns dos comportamentos inapropriados de atletas e treinadores que vemos com frequência no nosso desporto, nomeadamente nos «escalões de formação» e Carreiro da Costa (1999) afirma que os comportamentos de injúria, agressão, violência, falta de respeito pelos adversários e juizes, visíveis no desporto profissional adulto, estão a tornar-se cada vez mais frequentes no desporto infantil e juvenil.
Apenas três casos exemplificativos: em Dezembro de 2002, em Castelo Branco, na Escola Poeta João Ruiz, dois alunos agridem-se durante um jogo de futebol, tendo um deles recebido tratamento hospitalar; dois dias depois, mas em Rio de Mouro, e na sequência de um jogo de futebol na EB 2/3 Padre Alberto Neto, duas alunas que já se tinham agredido durante o mesmo, envolvem-se numa contenda só sanada pela intervenção de dois professores e agentes da autoridade, para mais tarde, e já no exterior da Escola, se voltarem a confrontar sendo uma delas ferida por uma arma branca; em Setembro de 2003, um aluno de 14 anos da Escola D. Afonso III, em Faro, esfaqueou um colega na cara após uma zanga motivada por um jogo de futebol em que participavam.
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2. O ESTADO ACTUAL DA INVESTIGAÇÃO
Em 1974 Belbenoit afirmava que seria pedagogicamente muito útil saber se as virtudes e os vícios da competição estão já em germe desde a sua origem ou se só aparecem tanto umas como outros a partir de uma certa intensidade. Vinte e cinco anos depois, uma imagem da campanha publicitária da revista «TIME», mostrava-nos uma fotografia de um jogo de futebol sobreposta a uma outra de guerra, conotando assim o desporto com a violência, muita da qual é, ela própria, consentida, aceite e inerente ao desporto (Smith, 1983; Sanmartin, 1995; Parry, 1998).
Thomas (1990) salientava que, na investigação desportiva, o tema violência no desporto, “colocado em 31ª posição entre 1965 e 1972, passou para 26º lugar entre 1973 e 1978, para se situar em 16º lugar entre 1979 e 1981”.
Sucedem-se as análises sobre a violência na sala de aula e na escola, sobre o bullying, e, por exemplo, a Pedagogia do Desporto desenvolve estudos sobre a indisciplina em aulas de Educação Física, a Psicologia do Desporto investiga a agressividade e a Sociologia do Desporto preocupa-se com a violência dos espectadores.
Nos últimos anos, na Faculdade de Motricidade Humana, parece-nos podermos referenciar cinco dissertações de mestrado sobre indisciplina, quatro sobre agressividade e somente duas sobre comportamentos de violência, em crianças, relacionados com o desporto, às quais poderemos acrescentar uma outra da Universidade do Porto, embora esta abordando a violência no futebol português.
Até à década de 70, os idealistas fizeram escola, defendendo o instintivismo e a perspectiva catártica (o desporto propicia aos jovens uma forma de eles aprenderem a controlar a agressividade e as emoções), produto da popularização de nomes sonantes, tais como Sigmund Freud, Bertrand Russel, Konrad Lorenz e Desmond Morris. A partir daí, e até aos nossos dias, um maior pragmatismo acentua que o desporto ensina e promove a agressividade, reforçando-a, em oposição ao controlo da mesma (Berkowitz, 1973; Martens, 1975; Pfister, 1981/82; Alderman, 1986; Irlinger, 1993; Caillat, 1996; Isberg, 1999).
No desporto, a competição entre duas pessoas é propícia não só à oportunidade da agressão por um dos opositores, mas também à contra-agressão por parte do outro oponente segundo Martens (1975) e muitas vezes a violência entre jogadores precede os incidentes de violência entre o público (Goldstein, 1982).
Um estudo realizado em França em 2001 revelou que o desporto pode ter efeitos perversos. Em relação à violência, os desportistas de alta competição dos dois géneros tendem a envolver-se em situações violentas muito mais frequentemente que os cidadãos normais, eventualmente por se sentirem mais poderosos. Nesse estudo, 65% do género masculino e 45% do género feminino dos atletas de alta competição revelam tendências para desenvolverem comportamentos de violência um maior número de vezes que aqueles que são pequenos desportistas (Valarinho, 2001).
Na maior parte das modalidades desportivas divulgadas pela comunicação social podemos encontrar, embora nalguns casos pontualmente, comportamentos de violência por parte dos atletas. Na natação e no râguebi, no andebol e no ciclismo, e até no atletismo e no ténis de mesa, casos há que confirmam esta nossa constatação. Até no desporto automóvel – na Fórmula 1, no Paris-Dakar e na Nascar –, já presenciámos este tipo de comportamentos… com a agravante de cada vez mais assistirmos aos mesmos até em jogos particulares, nos próprios treinos de uma mesma equipa, no desporto amador ou em simples jogos amigáveis.
E queremos aqui realçar que são de maior peso os estudos que confirmam que a violência é cultivada e até promovida no e através do desporto, em detrimento de estudos que revelam os efeitos catárticos do mesmo (Martens, 1975; Pfister, 1981/82; Smith, 1983; Russell, 1993).
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II
3. DIFICULDADES
As dificuldades postas ao estudo da violência no desporto são produto das ambiguidades existentes no plano teórico e semântico, pelas divergências no plano metodológico e indefinição no plano investigacional, assim como por uma vasta área de abrangência que nos conduz a domínios diversificados, remetendo-nos para questões relacionadas com a personalidade, com o desenvolvimento moral, pessoal e social, com crenças, valores e atitudes, e com comportamentos disruptivos ou anti-sociais.
Dificuldades acentuadas quando se trata de um tema em que, no seu estudo, intervêm variáveis individuais, sociais e ambientais, do contexto e até da própria situação, originando teorias multifactoriais.
E muita da literatura que possui no seu título o termo «violência» acaba por, no seu conteúdo, abordar a agressão…
Etimologicamente, segundo Knobel (1997), a palavra agressão vem de ‘ad gradior’, que significa mover-se para diante, ou seja, o contrário de «regressão» ou movimento para trás e o mesmo que «progressão», definindo-se agressão como sendo a capacidade de atacar, lutar ou enfrentar, ou que se opõe a evitar o combate ou fugir das dificuldades, e afirma que, a partir de uma concepção psicanalítica, ela contribui para o progresso e a criatividade, para vencer o estatístico e o retrógrado.
A etimologia da palavra «violência» permite várias interpretações da mesma. Assim, para Dumas (1971), “violência pode significar querer e violar. A etimologia confirma essa ambivalência do sentido: bia, violência (vis) e bios, vida (vita). Não se quer sem correr o risco de violar os outros, isto é, de violar a sua vontade”. Stirn (1978) defende no entanto que a palavra violência vem do latim vis, que significa força. Na opinião de Levisky (1997), o termo «violência» vem do latim «violentia», acto de violentar, constrangimento físico ou moral, ao qual se pode acrescentar a coacção ou coerção psicológica.
E se para Schilling (1976) a diferença entre agressão e violência é uma questão de grau e não de distinção fundamental, seria necessário definir os parâmetros que podem escalonar o grau que determina onde acaba uma e começa outra.
No entanto, há autores que defendem que “na agressão, violência e agressividade coincidem” (Sibony, 1998) e que “a violência é uma noção falsamente clara que se não pode circunscrever ao exercício físico da violência” dado que a intimidação e a ameaça comportam em si uma violência potencial enorme que dispensa o exercício físico da violência, sendo tanto coacções como coerções também violência (Morin 1994).
O que é uma agressão homicida, ou uma agressão premeditada, senão «violência»?
Marques-Teixeira (2000) afirma que, na maior parte dos estudos, o termo violência é usado com o mesmo significado que agressão, sendo utilizado para os actos agressivos que atraem, mais do que seria de esperar, a desaprovação social. Justificação talvez para a mais comum utilização do verbo «agredir», mesmo quando nos referimos a comportamentos ou acções físicas intencionais que causem lesão, incapacidade ou até morte, do que do verbo «violentar»…
E provavelmente não será por acaso que na língua francesa os vários termos aparecem cronologicamente nas seguintes datas: violer, 1080; violent, 1213; violence, 1215; e agression somente em 1468 (Lebailly, 2001).
Será que a uma cada vez maior socialização dos fenómenos de violência, a sua ritualização, uma maior aceitação de alguns deles, ou a evolução de uma violência física para uma violência mais simbólica ou mais psicológica originaram (cerca de dois séculos e meio depois) o aparecimento de um novo conceito?
Não será, de facto, que “a ferocidade antiga tende a ser substituída pela astúcia” (Sorel, 1992) e que se está a passar mais “de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude” (Foucault, 1996)? Será que só a violência física, porque mais visível, é que deverá ser preocupante? Não será a violência – quer seja simbólica, quer seja psicológica, quer seja verbal, quer seja gestual, quer seja principalmente física (reactiva ou instrumental) –, um produto da própria agonística e da competição, inerentes ao desporto, onde cada vez mais o que importa é a performance, o record, a vitória e o lucro?
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4. AS PRINCIPAIS LACUNAS
Três teorias sobressaíram durante anos: a teoria catártica (resultante das perspectivas instintivista e etológica), a teoria da frustração-agressão e a teoria da aprendizagem social.
No entanto, existem outras teorias explicativas das origens e das causas da violência na espécie humana, não existindo investigação relacionando as mesmas com a violência na prática desportiva.
Salientamos essencialmente que se deveria estudar a personalidade de desportistas que revelam frequentemente comportamentos de violência e, se tanto o Treinador (no Desporto Federado) como o Professor de Educação Física ou de Desporto Escolar possuem autoridade sobre os seus atletas/alunos, deveriam ser efectuados estudos sobre a teoria da submissão à autoridade – será sempre um acto de indisciplina um comportamento de violência? Existe indisciplina quando é o próprio Professor/Treinador a incitar o seu aluno/atleta à violência?
Por outro lado, não conhecemos nenhuma escala de graduação de comportamentos de violência no desporto que possua uma gradação dos mesmos em relação ao acto e à lesão provocada por este.
Um último aspecto – mas importante – descurado nos estudos sobre violência no desporto tem a ver com a variável “situação”. A situação em que se despoleta um comportamento de violência pode diferir de modalidade para modalidade, de evento para evento e de indivíduo para indivíduo. Segundo Terry & Jackson (1985), o comportamento de violência – o acto em si – depende da propensão para esse comportamento (atitude) e da situação, caracterizando-se esta essencialmente por três factores: o grupo, o espaço e a actividade (Floro, 1996), em intima relação entre si.
Parece-nos assim estarem caracterizadas as principais lacunas nesta linha de investigação...
No entanto, e como refere Russell (2004), brilham pela sua ausência as aplicações baseadas nos já existentes estudos nas ciências sociais que poderiam minimizar os incidentes violentos no desporto.
Para terminar, gostaríamos no entanto de salientar as palavras sábias de Bertolt Brecht:
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Do rio que tudo arrasta
se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas
as margens que o comprimem.
A todos, muito obrigado pela atenção dispensada.
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5. BIBLIOGRAFIA
A solicitar ao(s) autor(es) II
Sportive Violence’s and Violence in Sport
Expressions and Meanings
A. Inocentes e C. Lopes ©
(Comunicação apresentada ao European Seminar «I.O.U. Respect: Youth Hostels and Education through Sport for Young Fans and Players”, European Union Federation of Youth Hostel Associations, 23 e 24 de Abril de 2004, Almada)
1. INTRODUTION
I would like to say “thank you” to Mrs. Sílvia Dias, to Movijovem and to Secretaria de Estado da Juventude (the Portuguese State Department of Young People) for this invitation.
I’ll try to do my best…
Geen and Donnerstein began his book “Human Aggression” (1998) with these words: “We live in a violent society”. The sporting world is another society inside our society, and it’s getting more violent.
Violent players, violent referees, violent managers, violent coaches, violent fans and public…
We have a pedagogical purpose, because in sports there are more and more hidden goals: win, annihilate and destroy.
What’s Pedagogy? Not only win, neither annihilates nor destroy!
From ancient hunt to modern sport, from Australopithecus to Homo Sapiens, through Rome and Athens, there always have been two components present along with the human phylogenesis: COMPETITION and VIOLENCE (Inocentes, 2003).
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2. WHAT IS SPORTS?
The latin term «deportatre», witch means distraction, having fun... evolves to «desport», that later on would form the term «sport».
Between 1850 and 1914 the main purpose of sport was moral and education.
After the First World War, it begins to emerge the purpose spectacle.
From the 80th decade, sport begins to be more like a commerce generating industry and communication (Bourg & Gouguet, 1996).
A question, please! Who said that: “For me, football is a business”? A portuguese football player… People call bad names to Luís Figo, bad names to his wife and his mother, when he moves from Barcelona to Madrid. But somebody calls bad names when a Microsoft technician goes to Sony?
Or when a Wall Street bank manager moves to Tokyo?
In 1999, Steven Worthy, a C. A. de Queluz basketball player, declares: “I will play wherever the money is!”.
In 2003, Romário, a Fluminense football player, said about his transfer to an arabian club: “I will unhappier, but richer!”.
Our mind’s evolution doesn’t go along step by step with our brain’s evolution. Nowadays players think more and more about money – like said Damas (Correio da Manhã, 08.04.2003), a famous Portuguese goalkeeper who died some months ago.
Yet, our minds are stuck on the concept “love for the shirt”: we won (not the club), we are the best (not the players)…
We no longer play sport just for leisure, but to be in a great machine that demands, that pressure, that buys and sells, which the main goal is the high performance and record.
Modern sport originates identification between cultural and national communities and representative athletes. Through the excellence of those athletes, one can analyse the prestige, the level, the development degree or even the honour of those communities or countries.
This identification is the tribalism basis… inside and outside the field.… between athletes and between fans… but competition is not one synonym for war and opponent is not one synonym for enemy!
Nowadays, like says Gustavo Pires (1996) we can say that there are seven universal ideals: money, politics, arts, sex, drugs, corruption and sport. Sport gathers all of them.
Nowadays, like says Gustavo Pires (1996) we can say that there are seven universal ideals: money, politics, arts, sex, drugs, corruption and sport. Sport gathers all of them.
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3. THE BIVALENTE FACE
Sport has a double character and a bivalent face!...
Many experts speak about this... Adorno (1963), Parlebas (1969), Luschen (1983), Villiaumey (1987), Lassalle (1997), Steenberger & Tamboer (1998); Bento (1999).
“Sport, as a cultural phenomenon, is far from be morally innocent” (Tannsjo & Tamburrini, 2000).
The sport and the sporting spectacle show us the sportive virtues but also the sportive perversities (Inocentes, 2004).
As sportive virtues we can talk about pedagogical mean, acknowlishment, valuable way of living and personal achievement.
Haply, but only sometimes, there are beautiful cases in sport – that’s what we call fair-play – and then we can see the sport ethics!
But at the same time, experts concluded that in sport there are not only virtues and also that sport is a vicious school.
As sportive perversities we can talk about deaths on the field and lifetime injuries, precocious intensive training, doping, corruption, fraud and violence.
Talking about deaths on the field (in Portugal), from Pavão (1973) to Fehér (Jan. 2004) we can see in football 15 deaths, in basketball 3 deaths and in cycling 3 deaths - not presented the number of cases unknown by the author. … and 41 others cases known in all over the world… after Féher, more seven cases in Portugal and another eight in other countries… and in France 1500 sportive men dies every years!
Many of the injured athletes are forced to quit their sportive lives and some others get lifetime severe damages: Cassius Clay (boxing), Tracy Austin (tennis), Carl Lewis (athletics), Charles Barkley (basketball), Brian Laudrup (football), Pedro Miguel (basketball), Patrik Sjoberg (athletics)…
More names? Mike Powell (athletics), Jean-Luc Cretien (alpine sky), Cris Pringle (cricket), Karen Forkel (javelin), Mark McGuire (baseball)…
In precocious intensive training we show you the example of Tyanna Madsen, a children with 6 years of age, witch record in lift weighting is 46 Kgs, and the example of Mary-Etta Boitiano, 6 years old, running the marathon (42 Kms end 150 m) with the record of 4h 30m.
About doping, in Australia, in 1994, 2.8% of the young students between 11 and 18 years of age took anabolic steroids, in scholar sport in Canada, in 1998, about 3% of the young players declared to use anabolic steroids and In Portuguese schools, an European Council study detected, in 2001, students who took anabolic steroids.
As example, three positive “antidoping” test in children: Jessica Foschi, a USA swimmer, in 1995, with 14 years of age; Lisa Villiers, a South-African runner, also in 1995 and with 14 years of age; at least, Nicolette Telo, a Singapore swimmer, in 1999, a 13 years old children.
Doping is a way for the athlete to violate his own dignity, to profane his own body and to adulterate the sportive truth (Inocentes, 2002) but unfortunately the discovery of new pharmacology is always ahead of the laboratories detection work (Ljungqvist, 1998).
The corruption crimes not detected or not participated have difficulties in making those crimes to emerge and difficulties in proving it in an established way. But corruption usually grants obvious benefits, either to corruptors as well as to corrupted, but unusually for those who accuse (Ferreira, 1998).
Corruption both show us that “the ancient ferocity tends to be replaced by the astuteness” (Sorel, 1992) and show us “the changing of a blood criminality to a fraud criminality” (Foucault, 1996).
Fraud is the unsporting in its purest form, since it pretends to deceive the athletes, the referees, the public, the results and the sportive truth itself (Inocentes, 2002).
On violence we must make a distinction around two aspects concerning violence in sport: fan violence – the hooliganism and the violence on the field, between players, or between players and others direct intervenient in the game!
At sporting events, player violence precedes most incidents of fan violence (Goldstein, 1982).
The approval of violence in sport is so trivial that, in 1999, TIME MAGAZINE propelled itself with an advertising campaign in which a football picture had overlapped images of war, making an inference of sport with violence.
What is a homicidal aggression or a premeditated aggression otherwise violence?
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4. SPORTS AGRESSION OR SPORTS VIOLENCE?
Why do we use so much the verb “to aggress” and so very little the verb “to force”?
Why do we use so much the verb “to aggress” and so very little the verb “to force”?
“Aggression proceeds from ‘ad gradior’, which means moving ahead, the same as the opposite of «regression» or moving backwards and the same as «progression»” (Knobel, 1997). “Violence may mean «to want», «to violate» and «strength»” (Dumas, 1971; Michaud,1998).
In French vocabulary, different concepts appear in different dates: violer in 1080, violent in 1213, violence in 1215 and aggression – 1468 (Lebailly, 2001). Why?
Why two hundred years between violence and aggression?
Because some violent behaviour was more and more accepted in society… so, call them another name – no violence but aggression…
The name «violence» has a social disapproval and «aggression» is accepted and tolerated (Marques-Teixeira, 2000). In most studies, the term violence is used with the same meaning as for aggression, once is used for the aggressive acts which attracts, more than expected, the social disapproval.
For some researcher’s difference between aggression and violence it’s a matter of degree more than a fundamental distinction (Schilling, 1976) and some of them have a scale: aggression – violence – war (Megargee & Hokanson, 1976).
But for others specialists, in aggression, violence and aggressiveness collide (Sibony, 1998) and Violence it’s a false term which can’t subscribe itself to violence’s physical exercise (Morin, 1984). Intimidation, threat, enforcement and coercion don’t need physical expression, because they are itselves violence.
In same cases, violence may be considered as an extreme form either mental or physic of aggressiveness (Knobel, 1997).
We can show this violence typology: symbolical, psychological, verbal, gestural and physical. Or this one – Smith’s sport violence typology: relatively legitimate (brutal body contact - more or less accepted; borderline violence – widely accepted) and relatively illegitimate (quasicriminal violence - more or less not accepted; criminal violence – not accepted) (Smith, 1983).
Whenever we go around all sports we can find violent behaviours.
... and we have to keep in mind that correct behaviour of an adult athlete depends on his background.
We still can find this behaviours in particular games, in training – between fellow athletes – in amateur sport or in simple friendly games, and we even can see them in amateur old players. Managers, field staff, paramedics or public sometimes are victims too. And we’d better not talk about aggressions to referees! … so even athletes can become referees’ victims!
Morals and ethics opposite behaviours visible at adult professional sport are becoming even more frequent in youth sport, damaging children’s humane and sportive development.
In sportive practice, we find ourselves between Pierre de Coubertin – doesn’t matter winning or loosing, what really matters is to participate – and Vince Lombardi – winning is not the most important, it’s the only thing that matters!
Violence expressions – what can we see? Verbal violence – insult, assessment, abuse... Sign violence – sometimes an offence, sometimes a response, sometimes a provocation… Violence against property... ...and the most worrying – the physical violence.
But if we are talking about violence, we must define this concept.
What is violence? Violence it’s a concept which reports to physical side of aggression, since it’s a behaviour with the intention of hurting any other person physically, leading to pain or injury (Smith, 1987; Parry, 1998; Coakley, 1998). We must consider in one side behaviour, in the other side its consequences.
And in research we can see two different optics. The iidealist with the cathartic perspective (around the seventeen’s) supporting that sport propitiates to young players a way to learn to control aggressiveness and emotions (it was usual to think that sport would prevent aggressiveness). This current was defended by Russell (1948), Morris (1967), Scott 1970), Husman (1970), Johnson and Hutton (1970) and also Lorenz (1973).
Presently, research concluded that, after all, sport promotes that same aggressiveness. Berkowitz (1973), Martens (1975), Fisher (1976), Zillmann (1979), Pfister (1981), Missoum-Carton (1985), Alderman (1986), Irlinger (1993) , Caillat (1996) and Isberg (1999) agree that sport teaches and promotes the aggressiveness and reinforces it, in opposition to control itself.
Not so long ago, a study that took place in France revealed that sport could have a perverse effect: concerning violence, 65% high competition male athletes and 45% high competition female athletes tender to get themselves in violent situations, much more often than non-sportive or amateur athletes.
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5. CONCLUSION
Freud and Lorenz’s ideals were very well known –as well as Desmond Morris, with his books “The Naked Ape” and “The Football Tribe”.
Nevertheless, the opponent positions, which are not so popular, will have to be considered as well.
In1986 took place in Seville a convention that gathered more then twenty world experts in Human Sciences. The Seville Convention (1986), sponsored by UNESCO, concluded that it’s scientifically incorrect to establish that:
• we have an innate tendency towards war;
• any violent behaviour is genetically programmed in human being;
• in the course of human evolution there was a bigger selection of aggressive behaviour;
• human being has a «violent mind»;
• exists in our neuropsicobiology something that instigates us to over react, violently;
• Therefore, on what concerns violence, we’re not before the satisfaction of an instinct.
And what did they get through with? First, there are no basic instincts in de human being meanwhile Homo Sapiens is a potentially violent man: educational, cultural sociological and economical environment are more important - Luther & Bernard (1961), Ashley Montagu (1973), Alexander Alland Jr. (1982), Agnes Heller (1983) and Cerezo Ramírez (1999).
Sport, with agonistic, competition, movement, opponent, defeat and victory, promotes in athletes reactive violent behaviours – emotional responses - or instrumental violent behaviours – when violence is a mean to get to an end.
Terry & Jackson (1985) says us that aggressive behaviour is a consequence of a propensity for aggressive behaviour, depends on situation and reinforcement. The goal situation isn’t yet studied. Floro (1996) includes tree components in situation: the group – team, the activity-event and the space-field.
Ourselves, like teachers, like coaches, like fathers or simply like citizens, have our responsibilities around violence in sport.
To conclude, let us remember Bertolt Brecht’s wise words:
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To the dragging river
People call it violent.
But nobody calls violent
Its compressive borders.
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6. BIBLIOGRAFIA
A solicitar ao(s) autor(es)
I
VIOLENCE IN CHILDREN AND YOUTH SPORTIVE PRACTICE
Physical Education Teachers perceptions about violent behaviour in Schools
Armando Inocentes e Vítor Ferreira ©
(Comunicação apresentada ao AIESEP Congress:
‘Professional preparation and social needs’, 22 a 26 de Outubro de 2002, La Coruña, Espanha)
1. INTRODUCTION
Sports violence behaviours are shown to us by «mass media» but we don’t know if the same kind of those behaviours exists in Physical Education classrooms or in Schools Sport, in Basic Schools 2nd and 3rd Cycle.
2. PURPOSES
To know and to analyse Physical Education Teachers perceptions in one small village through their student’s violence behaviours in scholar sportive practice.
3. HIPOTHESIS
1. - Physical Education Teachers perceive violence behaviour with a low occurrence and with superficial injuries; 2. – Their perceptions aren’t influenced by their performed work.
4. METHODOLOGY
Violence behaviour was defined as physical assault based on total disregard for the well-being of others, that pretend hurt or injury another with physical consequences. An instrument had been elaborated, tested and verified it’s validity as well as its reliability. In an intentional and geographic sample with 17 Physical Education Teachers, in two schools, had been studied their perceptions about the frequency in different sportive practices, about behaviour degree through the injury and the act and about their occurrence. We used the Pearson’s r and the Student’s t with the purpose to study possible correlations and possible comparisons.
5. RESULTS
Violence behaviours are perceived like few frequent in Physical Education classrooms, in no formal play and in Schools Sport, but are perceived like frequents in sports practiced by students in Sportive Clubs. About behaviour degree through the injury and the act, they are perceived with low intensity, but when they exist they are serious.
6. DISCUSSION
Analysing Physical Education Teachers who teach only Physical Education program and those who teach Schools Sport or coach competition teams, we verified a small correlation between few variables about their perceptions (p<0.05) and we also verified a small different signification between few variables (p<0.01), with unknown bibliography concerning this subject.
7. CONCLUSIONS
Physical Education Teachers and those who are also Coaches perceive violence behaviours with a low occurrence when children and youth play in Physical Education or in Schools Sport and when those behaviours occurs the act is violent, in opposition to institutional sport. We concluded that their perceptions aren’t influenced by their performed work.
8. BIBLIOGRAPHY
INOCENTES, Armando (2002). “A Violência na Prática Desportiva Infanto-Juvenil – percepções e atitudes do corpo docente de Educação Física perante comportamentos de violência em alunos nas Escolas dos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico”, Dissertação de Mestrado, Cruz Quebrada, Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa.