quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Resposta a "Quarteto de cordas..."

Recebi por mail um comentário ao post "Quarteto de cordas...", que por ser extenso, o seu autor - Bruno Afonso - gentilmente decidiu enviá-lo como anexo.
Dada a pertinência do tema, e até porque aqui não se pretende que só se manifestem as opiniões convergentes, transcreve-se na íntegra o referido comentário.
E como dizia aquele no seu mail, "que daqui possa sair uma troca de opiniões interessante e frutuosa"...
"Exmo. Sr. Dr. Armando Inocentes,
Antes de mais, felicito-o pelo seu blogue. É bom termos acesso às opiniões de alguém que se esforça por fundamentá-las devidamente, ou, pelo menos, fornece referências que ajudam a perceber a razão de ser das ditas opiniões.
Devo dizer também que, aquando da minha participação nos 10.º e 11.º cursos de formação de treinadores de Karate de nível I, as suas intervenções foram das que me pareceram mais consistentes.
Isto apenas para esclarecer que respeito os seus pontos de vista e os contributos que tem dado a nível das informações e teorias veiculadas sobre a nossa modalidade.
No entanto, não consigo concordar com muito do que refere neste artigo (peço desculpa se interpretei mal alguma das suas opiniões por não ter lido o resto do seu blogue, mas o tempo não me permitiu ainda fazer a devida análise do mesmo).
Diz-nos então no seu artigo que aquilo que praticamos actualmente é um desporto, que «não treinamos uma "arte marcial" pois não praticamos Karate com o sentido de "ir à guerra"» e que «ninguém pratica Karate para combater (no sentido literal do termo, dado que no combate não há regras, a morte é real)». Admitindo que, para muitos praticantes, tal seja verdade, também é um facto que, para muitos outros, o que os motivou inicialmente a praticarem Karate foi a sua componente de defesa pessoal. Nesses casos, o que as pessoas procuram é algo que as ajude a preservarem a sua integridade física, o que, em casos extremos, poderá equivaler a preservarem a própria vida (pelo que a morte é, sim, uma realidade).
Pessoalmente, desconheço que tipo de promoção faz das suas aulas, mas sei que, na generalidade das artes marciais, um dos «trunfos» que se costumam utilizar é, precisamente, o da defesa pessoal (ainda que muitas também apelem à vertente competitiva). Logo, não vejo como podemos excluir o «marcial» da designação que utilizamos para referir a nossa modalidade. É que, se, por um lado, não andamos pelas ruas de sabre debaixo do sobretudo, «a la» Highlander, o certo é que, por outro, o Karate, seja qual for o estilo, costuma incluir no seu programa o ensino de técnicas de combate que não se limitam à marcação de pontos (chaves de braços/pernas, luxações, estrangulamentos, ataques a pontos vitais, etc.). Se isto não faz com que a nossa modalidade seja marcial só porque não andamos todos no meio da rua a aplicar as técnicas aos incautos transeuntes, então com que propósito no-lo ensinam, com que objectivo o ensinamos, com que fito o treinamos e estudamos? Para a competição não serve, visto que as regras não o permitem. Para a manutenção da condição física não se justifica. Como exercício de desenvolvimento da motricidade não se aplica. Por que o incluímos, então, nos nossos programas? Nalgum momento terá de entrar a vertente de combate real e sem regras (ainda que nós tenhamos as nossas regras morais e éticas, nada nos garante que o nosso agressor as tenha), logo marcial.
Relativamente à competição (em kumite apenas), confesso que, no meu entender, não beneficia em nada a opinião que as pessoas em geral têm do Karate – atrever-me-ia até a dizer que a conotação que o Karate tem com violência poderá ser mais provocada pela competição do que pelo termo «marcial», uma vez que as artes marciais são também conotadas com disciplina (aliás, é geral o conhecimento de que tudo o que é militar – marcial – envolve disciplina) e respeito pelo outro. Não pretendo com isto desancar a competição só porque sim. Acho que, no seu conceito, a competição não terá nada de errado. O problema é a deturpação que várias entidades fazem do objectivo desportivo; o problema é a realidade que vemos nos tatami, com competidores que perdem as estribeiras e treinadores que o incentivam. Isso sim, dá uma péssima imagem do Karate.
E com isto se prende uma questão que aqui gostaria de lançar. Que meta se apresenta a um competidor? A competição é contra quem? É uma competição contra o adversário, ou é uma competição que o atleta tem de fazer contra si mesmo, procurando superar-se em vez de procurar superar o outro?
Se o objectivo apresentado for o de superar o outro, creio que é mais ou menos inevitável haver, cedo ou tarde, episódios de violência dentro do tapete. Senão, vejamos! Um atleta, quando vai para uma competição, tem horas de sacrifício em cima, está com os níveis de testosterona em alta, tem a mente e o corpo totalmente programados para aquele momento, está com a adrenalina a disparar e encontra-se disposto a dar tudo para suplantar o seu adversário, dentro das regras estabelecidas. Ora, dado este enquadramento, até que ponto devemos esperar que um atleta ultrapasse aquilo que já se tornou uma espécie de segunda natureza e encare com serenidade as falhas de controlo técnico do seu adversário, os erros inadvertidos dos árbitros e juízes, bem como a frustração por não conseguir pontuar devidamente? É que, quer queiramos quer não, ao treinar um atleta para uma competição estamos a tornar as reacções dele instintivas (estarei errado?). A juntar a isso, sejamos directos, ninguém gosta de apanhar na cara, mesmo que seja por culpa própria. Quando um atleta é magoado (estamos a falar de dor mesmo), por maldade, incúria, ou nabice do oponente, dificilmente fica impávido e sereno. Mesmo que se controle na altura, o instinto criado pelo treino, juntamente com o próprio instinto de sobrevivência, estarão a dizer-lhe que reaja, que responda, que se defenda de futuras agressões. Combinando todos estes elementos, não me admira que haja, volta e meia, situações de violência em competição.
Talvez a solução esteja em alterarmos a programação mental que incutimos aos competidores e apresentar-lhes como objectivo a auto-superação, por oposição ao que foi referido anteriormente.
Ou então, pura e simplesmente, temos de investir no aspecto mental (do autocontrolo, da cortesia, etc.) do atleta o mesmo que investimos no aspecto físico, e se calhar é essa a principal falha de muitos treinadores.
Estará o problema em se querer transformar em desporto algo que serve, na sua expressão mais básica, para lutar? Eventualmente! Mas não acredito que seja incontornável.
Refere no seu artigo o Budo e o aspecto ritualista e espiritual do mesmo. Não me vou aqui pronunciar sobre o aspecto espiritual pois é um terreno algo pantanoso e passível das mais variadas interpretações.
No entanto, pondo de parte qualquer intenção religiosa que possa estar relacionada com rituais, acho que a não existência dos mesmos no Karate poderá ter como consequência um desrespeito imenso pela modalidade e por tudo o que lhe concerne. Pôr de parte todo o cerimonial a que fomos habituados poderá levar ao desleixo, algo que não pode haver em artes marciais (nem em desportos de confronto corporal directo). Basta ver as vénias que alguns competidores fazem, que são só «para inglês ver» – curiosamente, muitas vezes são esses mesmos competidores que têm depois atitudes impróprias.
Os rituais criados pelos orientais e aplicados ao que hoje conhecemos como artes marciais não foram obra do acaso. Talvez devamos indagar um pouco mais sobre as vantagens e desvantagens dos mesmos antes de os pormos de lado. As coisas evoluíram e o Karate também deve evoluir, é verdade. Por outro lado, se os tempos mudaram, o ser humano não mudou grandemente, e é o ser humano que torna o Karate uma arte, uma actividade marcial, ou um desporto.
Teria ainda outras opiniões a partilhar consigo sobre este artigo, mas já me alonguei muito para além do que esperava... e nem os leitores do blogue nem o seu autor têm culpa de eu ter tanto para dizer.
Ficam aqui os comentários de um karateca de 27 anos, praticante há 13, com toda a inexperiência (relativa e comparativamente falando) que tal acarreta.
Cumprimentos
Bruno Afonso"
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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Afinal não são só os competidores... os árbitros também podem ser violentos!

Dizia precisamente no último post que “também há que preparar os árbitros para respeitarem os competidores...”

Aqui vos deixo um caso ocorrido em 2008, em que num combate entre dois competidores, curiosamente Aka de karategi branco e Ao vestido de azul, após uma grande agressividade por arte de Ao mesmo após a voz de yame do árbitro, este resolve toda a situação.

Antebraço esquerdo à garganta, projecção com o direito na nuca, mae geri à cabeça após Ao já estar no chão com o pé esquerdo, culminando com kakato geri também à cabeça com o pé direito. Uma sequência perfeita por parte do árbitro...


Vale a pena ver este triste espectáculo!... Estas imagens estão disponíveis em http://www.youtube.com/watch?v=_ge9CuM1YkE e a acção ocorre por volta dos 2 minutos e 35 segundos...

Afinal, para além de existir violência no Karaté, esta já não é só da exclusividade dos competidores ou dos espectadores! A violência no Karaté também pode ser perpetrada pelos árbitros!...

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Quarteto de cordas...



“A violência também existe no Karaté” teve três comentários. Comentários de pessoas preocupadas... O primeiro interrogando (Carlos Rodrigues), o segundo afirmando (José Ramalho) e o último confirmando através de novas interrogações (Luís Sérgio).

Ainda bem que existem pessoas preocupadas com estas preocupações... Seremos quatro, daí o quarteto... veremos que tipo de cordas e para que servem!

Mas convém primeiramente fazer aqui algumas destrinças, segundo a minha modesta opinião, pelo que vou ousar dar o meu contributo tentado responder ou complementar esses comentários.

A primeira, relacionada com aquilo que nos foi inculcado durante muito tempo, o que nalguns casos ainda continua a acontecer.

Aquilo que treinamos actualmente é um desporto, um desporto que, como tal, possui competição formalizada; não treinamos uma «arte marcial» pois não praticamos Karaté com o sentido de «ir à guerra»; ninguém faz tiro com arco pata atirar umas flechas ao seu vizinho quando se incompatibiliza com ele, nem tiro aos pratos para acertar da janela do andar do seu apartamento nos ladrões que lhe estão a tentar roubar o carro. Militares ou forças paramilitares podem treinar Karaté como «arte marcial», nós, praticantes civis, competidores ou não, não é essa a via que seguimos.

Chamar «arte marcial» à modalidade desportiva que praticamos não é, neste momento, nesta sociedade, o mais correcto. Nem sequer praticamos um «desporto de combate», mas sim um “desporto de confronto corporal directo” (veja-se o post que deu início a este blog). Graças à denominação «marcial» muito do que o Karaté tem é e tem sido conotado com violência...

Ninguém pratica Karaté para combater (no sentido literal do termo, dado que no combate não há regras, a morte é real) com o adversário, pois este não é o inimigo. Pratica-se Karaté para competir... mesmo na kata, um “aforismo” do kumite, estilização do mesmo, ou sua forma estética. A kata é simbolicamente um «combate real» contra «inimigos» hipotéticos, e não, como nos venderam durante muito tempo, um «combate imaginário contra quatro adversários».

Se a arte marcial estava ligada ao Budo, neste momento o nosso treino pode incluir princípios que são daí originários, mas nada tem a ver com a parte espiritual. O dojo não é um lugar de culto, como a igreja ou a mesquita... Apesar do desporto conter rituais e poder haver certas afinidades com uma “religião” (ir à “catedral” ver jogar “a nossa” equipa tem algo a ver com isso!).

Estarmos preocupados (como treinadores) em transmitir valores através do treino deveria ser uma das nossas preocupações. O comportamento do atleta adulto reflecte sempre a sua formação anterior – e quem foi responsável por ela? O treinador. Mas a acção do treinador sobre a criança e/ou o jovem não é condição única pois há inúmeros outros factores que se interagem sobre o indivíduo e levam o competidor a apresentar um comportamento de violência, nomeadamente as circunstâncias ou a situação na qual esse comportamento é despoletado.

Treinar a concentração, o cumprimento das regras, o respeito pelo colega e pelo adversário, a responsabilidade do comportamento apresentado e o controlo (quer seja o sundome quer seja o controlo emocional), devem estar nos nossos horizontes. Devemos ensinar os competidores a “aprender a ganhar” ao invés de os levar a “saber perder” (mais uma em que sempre se bateu, para não falar daquela célebre “o que interessa é participar”).

O que tem o Karaté para além daquilo que é comum aos outros desportos? Nada! O Karaté é um desporto precisamente igual aos outros (reparem que até no ténis ou no basquetebol o kiai existe!). De que falamos quando falamos na parte espiritual do treino? Não estaremos fazer alguma confusão com o desenvolvimento moral do praticante? Tal como quando falamos da parte mental, não estaremos a fazer alguma confusão com a parte psicológica?

Um segundo aspecto tem a ver com o facto de qualquer ser humano ser um homicida em potência, muitas vezes dependendo da situação, segundo dizem os entendidos na matéria. Mas há que destrinçar aquilo a que chamamos combatividade (persistência, perseverança, vontade de vencer) de agressividade (tendência para...) e ainda de violência, que não é o mesmo que agressão (os compêndios dizem que há cerca de uma dúzia de teorias que explicam por que motivos o homem pode ser violento, umas divergentes de outras, outras ainda complementando-se).

Uma terceira destrinça refere-se às competências do treinador: as competências técnicas, que são apresentadas pela sua graduação, e as suas competências pedagógicas, que lhe são conferidas através da sua formação numa carreira de treinador. Muitos possuem boas competências técnicas, mas de pedagogia nada percebem... alguns até possuem algumas qualidades pedagógicas inata, mas ainda lhes falta o background técnico e formativo – nem os primeiros nem os segundos deveriam ser treinadores! A própria formação de treinadores, daqui para a frente escalonada em GI, GII, GIII e GIV faria muito mais sentido se tivéssemos os especialistas em escalões de formação, os especialistas em pré-competição e/ou competição e os especialistas em alto rendimento.

Perguntam-me agora: e o tradicional? O tradicional também tem competição, conforme defendeu Rómulo Machado no 1º Congresso Nacional de Treinadores de Karaté, em Janeiro de 2009, na FMH. Quem quer faz, quem não quer não faz... felizmente! E esta do «tradicional» tem sido outra que nos tem sido impingida...

Como nos mostra Giddens (2006), o tal Karaté tradicional não é tão «tradicional» como isso, pois o conceito de tradição não passa de um conceito da modernidade. “A resistência à passagem do tempo não é a característica fundamental da tradição, nem do seu primo um pouco menos visível, o costume. As características que definem a tradição são o ritual e a repetição. As tradições são sempre pertença de grupos, comunidades ou colectividades. (…) Contudo, por muito que mude, a tradição proporciona meios de acção que são pouco questionáveis. É normal que as tradições possuam guardiões próprios: homens bons, sacerdotes, sábios. Mas ser guardião não é o mesmo que ser especialista”. Convém começarmos a questionar esses meios de acção, investigando, partilhando ideias e dando o benefício da dúvida às nossas próprias convicções e crenças.

Os que treinam crianças e jovens deveriam ser aqueles que mais competências técnicas e pedagógicas tivessem... Acabei de ler o último livro do Prof. Manuel Sérgio onde ele nos diz que “uma coisa é o sábio que domina a ciência criada; outra, o artista que a recria e reproduz”...

Mas na formação de treinadores há uma lacuna: os conhecimentos sobre sociomotricidade, sobre os planos afectivo e relacional... sobre o comportamento motor intencional quando se interage com os seus semelhantes... Ensinar a criança que “se estraga” o adversário fica sem companheiro para poder brincar, ensinar a criança que há uma diferença entre bater e tocar embora ambas impliquem contacto, ensinar a criança que tem de respeitar para ser respeitada, preparar o jovem para competir lealmente, preparar o jovem para fazer competição dentro das regras, preparar o jovem para respeitar as decisões dos árbitros, preparar o jovem para competir com espírito desportivo mesmo que o objectivo final seja a vitória – são funções do treinador (esquecidas... mas que são, lá isso são!).

Mas também há que preparar os árbitros para respeitarem os competidores... Como respeitar um árbitro se ele não está bem preparado (ou nem sequer sabe disso) – não é por acaso que o bom árbitro não é aquele que erra, mas aquele que erra menos vezes.

O competidor desenvolve-se aprendendo, atingindo uma certa maturidade e adaptando-se (daí a tal importância da situação!) A ética desportiva tanto pode ser ensinada e aprendida de uma forma lúdica como competitiva... Há metodologias que apontam para isso, e em vez de termos um Karaté reprodutivo como o que temos, deveríamos ter um Karaté em que se deveriam abrir os horizontes dos treinadores, dos praticantes e dos competidores para esses aspectos. Mais uma vez recorro a Pessoa: “viver não é necessário; o que é necessário é criar”.

E o que acontece com o treinador? Participa em estágios ou outras acções de formação com o gi vestido mas ignora conferências, colóquios e seminários para treinadores, ou outras acções de formação mais teóricas do que práticas. A prática de nada vale sem a teoria e a teoria para nada serve se não for complementada pela prática. Manuel Sérgio (2009) afirma que “na motricidade, a teoria é praxis e a praxis é teoria”. Daí a necessidade do treinador ter também conhecimentos teóricos fundamentados e consolidados que complementem a sua prática.

Tive a feliz oportunidade de orientar uma acção de formação sobre “Ética, Desporto e Karaté” nas seis zonas do país e, para espanto meu, ao chegar a um dos locais onde a mesma se iria desenrolar encontrei alguns treinadores de karategi... quando estavam informados sobre os conteúdos da acção e de que a mesma tinha um cariz teórico didáctico-pedagógico...

Durante a época desportiva de 2007/08, verificámos que dos Treinadores de Karaté participantes nas cinco acções de formação, somente cerca de 1,6% conhecia o referido Código. Na última acção de formação, já em 2008/09, dos 48 participantes nenhum o conhecia.
Será que ao menos conhecem os nomes dos elementos da selecção nacional de Karaté?

E se o hábito não faz nem nunca fez o monge, alguém disse “quando ganhar é tudo, fazemos tudo para ganhar”... correcto ou não tudo depende é do "como"...

GIDDENS, Anthony, 2006, “O Mundo na Era da Globalização”, Barcarena, Editorial Presença.
MANUEL SÉRGIO, 2009, “Filosofia do Futebol”, Lisboa, Prime Books & IDP.

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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A violência também existe no Karaté!..

Em 1975, no Campeonato Mundial de Long Beach, foi a vez do francês Dominique Valera violentar primeiro o adversário e depois o árbitro...
No Campeonato Regional dos Açores, em 2001, foi a vez de um treinador e de uma atleta agredirem uma oficial de mesa...
Em Almada, no Campeonato Nacional da FNK-P de 2007, um competidor (que posteriormente acusou o uso de substâncias dopantes) violentou o adversário mesmo após a voz de "yame" do árbito...
Temos o Código de Ética para o Karaté da WKF, temos o Dojo Kun dentro de cada estilo, temos as cinco máximas, temos valores que ainda são provenientes do código de honra "Bushido", temos o controlo, temos o respeito, temos..., temos... e mesmo assim estas coisas acontecem.
No Open de Arles mais uma vez se assistiu a uma situação semelhante!

As imagens estão disponíveis em
(claro que podia ter aqui o vídeo, mas a acção é tão rápida que eu prefiro as imagens estáticas - observamos melhor, captamos a sequência da acção, analisamos o pormenor, imaginamos os possíveis estragos...).
É lógico que não podemos generalizar, até porque uma gota de água não é o oceano, mas que existem, lá isso existem!
Como nos podemos admirar com o associar-se a violência à nossa modalidade? Veja-se por exemplo o post de 4 de Setembro do passado ano, intitulado «Conotar Karaté com violência».
Precisamos de comportamentos éticos no Karaté quando já temos o acima descrito? Claro que sim, e não só quando temos o karategi vestido!
Quando a chama dessa vela chamada ética se esvai, o karateca sai do reino do desporto e insere-se no reino da etologia. Nesse caso, a única coisa que lhe resta é a simbiose entre o karateca e o animal irracional.

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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

2010: esperança e desejo...

Iniciei 2010 com uma pequena inactividade deste blog. Como dizia Confúcio, “a maior glória não é ficar de pé mas levantar-se cada vez que se cai”.

Este interregno teve um motivo: no passado dia 8 terminou o prazo de apresentação dos trabalhos individuais dos formandos dos 3º CTNII e do 2º TNIII. Como tal, e embora trabalhando sobre uma planificação e periodização de treino efectuada no início desta época desportiva, estive ocupado na elaboração do meu trabalho – pesquisa, fundamentação, ilustração, redacção – para o entregar pelo menos no último dia estabelecido. Como diria Pessoa, o esforço foi grande e o homem pequeno...

Justificada a ausência, poderia começar por analisar algo daquilo a que muita comunicação social chamou os acontecimentos desportivos da década, mas a década só termina no final deste ano (mais uma vez a tal confusão matemática que houve com o final do século)...

Poderia começar por um rali que em 30 edições (o Dakar, que com Dakar já nada tem a ver), já fez 47 mortos... sendo um já este ano!

Poderia começar por mais um acto terrorista no desporto, aquele de que foi alvo a selecção de futebol do Togo (o motorista do autocarro e outros dois elementos da equipa técnica mortos) que ia participar no CAN em Angola...

Poderia começar pela petição sobre a “verdade no desporto” entregue na Assembleia da República...

Mas optei por começar este ano por outros assuntos.

Começarei pelo blog do meu amigo José Ramalho, o Goju Hoshindo (http://gojuhoshindo.blogspot.com/), onde colocou, sob o título “Continuando a nostalgia...” uma foto do seu baú de recordações (também a tinha no meu baú, já não me lembrava era do seu autor) que recentemente ofereci ao João Coutinho.

Amigo José Ramalho: só falta completares o teu post com aquela fantástica boleia (penso que também vinha o Jorge Peixoto) que me deste de Coimbra para Lisboa num Citroen 2 cavalos...

De facto o árbitro é o João Coutinho, a quem gostaria de prestar uma homenagem, dado ter sido o nosso primeiro árbitro internacional de Karaté... que por motivos que nunca percebemos não prosseguiu a sua carreira em termos internacionais. Uma homenagem ao único árbitro que me atribuiu um hansoku directo enquanto competidor. Num Campeonato Nacional, o primeiro da FPKDA, em que, só competidores de Goju-Ryu, oito foram desqualificados por excesso de contacto...

É a foto da final de Kumite na categoria de -60Kg entre o António Marques da LPK, de costas na foto, e eu próprio, então na APOGK.

Caro João Coutinho: como prometi há um ano, no 1º Congresso Nacional de Treinadores de Karaté, na FMH, saldo agora as nossas contas – o árbitro determinou, ficou determinado... papéis diferentes dentro do tatami, mas respeito mútuo entre competidor e árbitro independentemente do acto e da decisão. O mais importante, apesar de estar um título em jogo, foi que amizade e respeito perduraram...

Foi a 30 Março de 1987, no Pavilhão do Colégio S. Teotónio em Coimbra. Classificação final dessa categoria: 1º - António Marques (LPK), 2º - Armando Inocentes (APOGK) e 3ºs - Rui Marques (APK) e Luís Ferreira (FSAM). Aqui fiz outros dois amigos (um abraço para ambos!) – o António e o Rui.

Na altura, os campeonatos nacionais eram noticiados pelo menos nos jornais “Correio da Manhã”, “O Jogo” e no então “Gazeta dos Desportos”. Agora...

Foi quase há 23 anos...

Aliás, uma das minhas fotos preferidas e que várias vezes apresentei como exemplo de ética desportiva (comportamentos que não se vêem nas outras modalidades) é aquela em que o árbitro acompanha o competidor combalido a sair do tatatmi (a sua autora, Maria Camarão, quando lho solicitei, deu-me autorização para a poder utilizar).

Aqui fica um abraço para ti, com os meus parabéns pela tua conduta e pelo teu exemplo como árbitro!



Outro assunto refere-se a um encontro casual com outro amigo, de um estilo diferente do Goju, que também vem desses mesmos tempos, da competição e dos estágios em conjunto na altura, e que encontrei no sábado passado (dia 9) no Cascais Shopping.

Um amigo que também passou pelo menos por uma direcção federativa e que me deu os parabéns pela posição que eu tomei na Federação, garantindo-me que no tempo dele já as coisas também eram assim, o problema era ninguém ser capaz de dizer o que se passava e eu ter tido a coragem de assumir a posição que assumi... Esclareci-o que não tinha estado contra ninguém em especial, estive sim contra os métodos que se utilizavam (ou se utilizam!), contra o modelo de gestão que era (ou é!) seguido...

Sabem o que ele me disse? “ – Um dia isso mudará, mas já não seremos nós a ver, serão os nossos netos!...”

Tenho esperança e desejo que ele não esteja certo!

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