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«Podia falar-vos de uma das primeiras finais da Taça de Inglaterra em futebol. Em 1875. Marindin, capitão do Royal Engineers, vendo que um jogador do Old Etonians se lesionara gravemente, retirou-se de campo para que “assim se mantivesse o equilíbrio de forças entre as duas equipas” – e, nos dias seguintes, toda a gente dizia que se o fair play existia, era aquilo o fair play.
Podia falar-vos de Hitler na tribuna de honra dos Jogos Olímpicos de Berlim à espera da vitória de Lutz Long no salto em comprimento que fosse sinal da superioridade alemã. E, sim, Long estava à frente, Jesse Owens não acertava com a chamada. De súbito, viu-se o alemão a dar um conselho e ele a aplicá-lo. Resultado: voou assim para a vitória - e Hitler, espumando, jurou-lhe vingança. A vingançafoi enviar Lutz Long para a frente de batalha, mal começou a Guerra, a Guerra que o matou.
Podia falar-vos da final dos 200 metros dos Jogos Olímpicos de Berlim, de Usain Bolt a voar para a eternidade, de Churandy Martina e Wallace Spearmon a cortarem a meta como os "primeiros humanos" da corrida. Minutos depois, os juízes desclassificaram-nos e quem recebeu a medalha de prata foi Shawn Crawford. Shawn, sentindo que a medalha não era sua por direito, semanas depois foi a um hotal de Zurique deixar na receção um embrulho para Martina. Na caixa estava a medalha olímpica - e um cartão que dizia: "Foste tu que correste para isto, logo isto não é meu, é teu."
Podia contar-vos mil e uma histórias assim.
Só não consigo perceber como é que histórias assim não evitam o reverso negro da medalha, esse reverso negro da medalha de que, no fundo, somos todos culpados por não nos envergonhar mais do que nos envergonha - e faz com que alguém possa contar, por exemplo, que um jogo entre rapazes do Benfica e do FC Porto tenha terminado como terminou. E eu que, sobre isso, também podia dizer mais, não preciso dizer mais do que isto: é hora de, todos nós, acabarmos com vergonhas assim.»
Esta é a crónia de Carlos Móia, Presidente do Maratona Clube de Portugal e Embaixador do Plano Nacional para a Ética no Desporto, publicada no «Record» de hoje, na sua página 2.
Carlos Móia não consegue perceber... mas se percebesse que o desporto está atualmente comercializado, se percebesse que sem a EDP, a Vodafone e o Banif - com o nosso dinheiro - não seria possível realizar as maratonas e meias maratonas que se realiza em Portugal, talvez não escrevesse isto!
Se percebesse que o dinheiro, os tais cincos minutos de fama na TV e a ânsia de poder levam a casos como os recentes de Tyson Gay, Asafa Powell, Jean-François Gillet ou os ocorridos na Federação Internacional de Ginástica, talvez não escrevesse isto...
... ou deste modo!