A prática e o treino do karate-dō
fomentam (ou deveriam fomentar!) as relações de respeito e a aceitação dos limites postos
à actuação de cada um pela actuação do outro, obrigando a afirmação dos
direitos a conjugar-se com o cumprimento dos deveres, o que se encontra
expresso no Dōjō Kun – normas de treino no local de prática – que todos os praticantes
devem não só conhecer, mas também ter sempre presente e cumprir.
Embora ligeiramente diferente de estilo para estilo, o
espírito do Dōjō Kun é comum a todos eles.
No estilo Gōjū-ryū, são oito as normas expostas:
1 – ser correcto e humilde nas acções;
2 – treinar bem considerando as possibilidades físicas;
3 – estudar e praticar com seriedade;
4 – manter-se calmo, controlado, ser rápido e flexível;
5 – cuidar da saúde e viver uma vida plena e regrada;
6 – não se supervalorizar;
7 – deixar o corpo e a mente flutuarem livremente, como
se fossem um só;
8 – treinar não traz recompensas materiais.
Já no Dōjō Kun do Shōtōkan,
o estilo mais divulgado a nível mundial, são cinco as normas expressas, mais
conhecido até pelas suas cinco máximas:
1 – treinarei constantemente o meu corpo e espírito
para aperfeiçoamento do meu carácter;
2 – esforçar-me-ei por compreender a verdade do karate-dō e praticá-lo-ei com sinceridade;
3 – treinarei sempre com todo o meu esforço para obter uma vontade férrea
e disciplinada;
4 – colaborarei na conservação do espírito e da etiqueta do karate-dō;
5 – nunca abusarei dos meus conhecimentos de karate-dō e tentarei alcançar um
perfeito controle.
Igualmente passamos a transcrever o Dōjō Kun do Kyōkushinkai, apesar de este ser um estilo de
karate-dō com uma menor representação no ocidente:
1 – dedicaremos todo o nosso esforço ao
desenvolvimento mútuo espiritual, intelectual e físico;
2 – manter-nos-emos atentos ao ensino dos Mestres,
esforçando-nos por conseguir o domínio desta Arte Marcial;
3 – enfrentaremos com firmeza todos e cada um dos
obstáculos que se ergam impedindo-nos de alcançar as nossas metas;
4 – seremos corteses no nosso comportamento exterior e
recordaremos permanentemente a virtude da modéstia;
5 – teremos respeito pelos outros, superiores ou
inferiores, amigos ou inimigos;
6 – evitaremos todo o incidente desnecessário e só
utilizaremos o karate-dō em caso
de perigo real e só para defesa;
7 –
juramos ser bons cidadãos, membros dignos da comunidade e verdadeiros
cavalheiros.
Verificamos
assim que, qualquer que seja o estilo de karate-dō, os valores encontram-se (ou pretendem encontrar-se) sempre presentes neste.
Cumprir
códigos, cumprir regras, nada tem a ver com ética ou fair-play: tem a ver com o aceitar e obedecer a princípios e
imposições iguais para todos. Pergunta-nos Hackney (2010) quando é que uma
excepção se poderá tornar uma regra? Quantas excepções podem ser efectuadas
antes de uma regra deixar de ser regra? E um pouco mais à frente diz-nos que “o sábio sabe onde e quando aplicar as regras
de comportamento num dado contexto, até ao grau em que as regras até podem ser
tecnicamente quebradas quando a situação assim o requer” (Hackney, id.).
Seria bom refletirmos e discutirmos sobre isto...
HAKNEY,
Charles, 2010, “Martial Virtues –
Lessons in Wisdom, Courage, and Compassion from the World’s Greatest Warriors”,
Vermont, Tuttle Publishing.
" AS regras até podem ser quebradas quando a situação assim o requerer" . O díficil parece-me está em identificar a situação e o contexto em que devemos quebrar as regras. Talvez na situação em que já não sejam regras, nem normas de comportamento, mas sim instrumentos de domínio , de submissão, de poder para dominar o outro, nesse sentido deverão ser quebradas, pois não servem ao "desenvolvimento mútuo". Quando os princípios e as imposições não são iguais ,não há jogo,há armadilha, há negócio pouco claro. Um princípio claro de qulaquer regra deve ser o da transparência, da visibilidade, para quem a estabelece e para quem a serve.
ResponderEliminarAbraço,
Luís Sérgio