domingo, 27 de abril de 2014

Quando podem as regras ser quebradas?

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A prática e o treino do karate-dō fomentam (ou deveriam fomentar!) as relações de respeito e a aceitação dos limites postos à actuação de cada um pela actuação do outro, obrigando a afirmação dos direitos a conjugar-se com o cumprimento dos deveres, o que se encontra expresso no Dōjō Kun – normas de treino no local de prática – que todos os praticantes devem não só conhecer, mas também ter sempre presente e cumprir.

Embora ligeiramente diferente de estilo para estilo, o espírito do Dōjō Kun é comum a todos eles.

No estilo Gōjū-ryū, são oito as normas expostas:
– ser correcto e humilde nas acções;
– treinar bem considerando as possibilidades físicas;
– estudar e praticar com seriedade;
– manter-se calmo, controlado, ser rápido e flexível;
– cuidar da saúde e viver uma vida plena e regrada;
– não se supervalorizar;
– deixar o corpo e a mente flutuarem livremente, como se fossem um só;
– treinar não traz recompensas materiais.

Já no Dōjō Kun do Shōtōkan, o estilo mais divulgado a nível mundial, são cinco as normas expressas, mais conhecido até pelas suas cinco máximas:
1 – treinarei constantemente o meu corpo e espírito para aperfeiçoamento do meu carácter;
2 – esforçar-me-ei por compreender a verdade do karate-dō e praticá-lo-ei com sinceridade;
3 – treinarei sempre com todo o meu esforço para obter uma vontade férrea e disciplinada;
4 – colaborarei na conservação do espírito e da etiqueta do karate-dō;
5 – nunca abusarei dos meus conhecimentos de karate-dō e tentarei alcançar um perfeito controle.

Igualmente passamos a transcrever o Dōjō Kun do Kyōkushinkai, apesar de este ser um estilo de karate-dō com uma menor representação no ocidente:
1 – dedicaremos todo o nosso esforço ao desenvolvimento mútuo espiritual, intelectual e físico;
2 – manter-nos-emos atentos ao ensino dos Mestres, esforçando-nos por conseguir o domínio desta Arte Marcial;
3 – enfrentaremos com firmeza todos e cada um dos obstáculos que se ergam impedindo-nos de alcançar as nossas metas;
4 – seremos corteses no nosso comportamento exterior e recordaremos permanentemente a virtude da modéstia;
5 – teremos respeito pelos outros, superiores ou inferiores, amigos ou inimigos;
6 – evitaremos todo o incidente desnecessário e só utilizaremos o karate-dō em caso de perigo real e só para defesa;
7 – juramos ser bons cidadãos, membros dignos da comunidade e verdadeiros cavalheiros.

Verificamos assim que, qualquer que seja o estilo de karate-dō, os valores encontram-se (ou pretendem encontrar-se) sempre presentes neste.

Cumprir códigos, cumprir regras, nada tem a ver com ética ou fair-play: tem a ver com o aceitar e obedecer a princípios e imposições iguais para todos. Pergunta-nos Hackney (2010) quando é que uma excepção se poderá tornar uma regra? Quantas excepções podem ser efectuadas antes de uma regra deixar de ser regra? E um pouco mais à frente diz-nos que “o sábio sabe onde e quando aplicar as regras de comportamento num dado contexto, até ao grau em que as regras até podem ser tecnicamente quebradas quando a situação assim o requer” (Hackney, id.). 

Seria bom refletirmos e discutirmos sobre isto...


HAKNEY, Charles, 2010, “Martial Virtues – Lessons in Wisdom, Courage, and Compassion from the World’s Greatest Warriors”, Vermont, Tuttle Publishing.

1 comentário:

  1. " AS regras até podem ser quebradas quando a situação assim o requerer" . O díficil parece-me está em identificar a situação e o contexto em que devemos quebrar as regras. Talvez na situação em que já não sejam regras, nem normas de comportamento, mas sim instrumentos de domínio , de submissão, de poder para dominar o outro, nesse sentido deverão ser quebradas, pois não servem ao "desenvolvimento mútuo". Quando os princípios e as imposições não são iguais ,não há jogo,há armadilha, há negócio pouco claro. Um princípio claro de qulaquer regra deve ser o da transparência, da visibilidade, para quem a estabelece e para quem a serve.
    Abraço,
    Luís Sérgio

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