terça-feira, 27 de abril de 2010

Como construir (ou destruir) um futuro competidor…


Comemorámos há pouco o 25 de Abril. E como disse Salgueiro Maia às suas tropas antes de sair de Santarém, um estado existe sob várias formas: o liberal, o social-democrata, o socialista, a ditadura… e o estado a que isto chegou!

Vem isto a propósito, e na sequência do post anterior, da competição nos escalões de formação – infantis, iniciados e juvenis. Se o modelo a partir de cadetes deverá obedecer aos critérios internacionais, os escalões etários inferiores deverão ter o seu próprio modelo “nacional”, isto é, que proteja e forme os competidores durante a sua “formação”.
Aos 9 anos (ou até antes), aos 10 e 11 e aos 12 e 13 não é motivante ser eliminado na 1ª Kata sem ter uma segunda hipótese. Menos compensador se o competidor faz 200 quilómetros para ir a um regional, faz uma Kata e regressa a casa. Ou se chega à final da poule, é derrotado, e é preterido em função dos repescados – então mais valia ter perdido logo na 1ª volta se adivinhasse que o seu adversário iria vencer essa poule… Exemplo dá agora a Kaizen Karate Portugal ao organizar o seu 1º Campeonato, em que em poules de 4 elementos, todos competirão contra todos.
Em Kata, a progressão no Goju-Ryu faz-se pela seguinte ordem: Fukyu Kata Dai Ichi, Fukyu Kata Dai Ni, Gekisai Dai Ichi, Gekisai Dai Ni, Saifa, Seyunchin, Shisoshin, Sanseru e Sepai… para ficarmos por aqui, sendo Shisoshin exigida para 1º Dan, Sanseru para 2º e Sepai para 3º, com as respectivas Bunkai (seguimos o modelo da OGKK, onde só é possível chegar-se a 1º Dan aos 16 anos).
Mesmo que o praticante comece a treinar aos 5 anos, por volta dos 10 anos – e estamos a falar de uma formação integral e harmoniosa que obedeça a princípios pedagógicos – ainda não é 3º kyu e começa a fazer Seyunchin… deduzindo-se daqui todo o resto da sua progressão.
Logo, se infantis e iniciados podem apresentar as Fukyu Kata, as Gekisai e a Saifa, como poderão os juvenis (12 e 13 anos) apresentar estas mesmas mais Sepai, embora esta última como Tokui Kata? Os competidores de Shito podem apresentar Seienchin, os de Goju não podem apresentar Seyunchin…
Assim, nunca assistiremos a uma execução de Sepai por um juvenil de Goju, a não ser que seja proveniente de uma formação de aviário – treina aquilo e aquilo mesmo, mesmo sem saber o que aquilo é, o que representa ou para que serve… e sem ter havido uma progressão sequencial consciente na sua formação técnica. Duas consequências: a 1ª o recente abaixamento das idades nos diferentes escalões etários; a 2ª o abandono precoce da competição ou mesmo da prática…
Olímpio Coelho mostra-nos duas curvas de vida do desportista:

Olímpio Coelho, 1988, "Opção Desporto", Lisboa, Editorial Caminho.


Por outro lado, a ausência da função pedagógica de alguns Árbitros nestes escalões também é notória.
Basta relatar alguns acontecimentos.
No ano passado, num Torneio de grande envergadura, uma atleta de 14 anos dirigiu-se à mesa e deu o nome da sua Kata para a 1ª volta. Ao retirar-se foi logo alertada por uma colega que não podia fazer essa Kata porque não era Shitei. Dirigiu-se de novo à mesa, e na ausência do seu treinador do próprio Torneio (o que já por si só é inadmissível), pediu para mudar a Kata. A mesa não o permitiu nem o chefe de arbitragem – o nome estava dado e mais nada! Desata em pranto a rapariga, eu próprio falei com o referido chefe de arbitragem, mas era o que diziam as regras: depois de nome dado não se pode retirar. Falando depois com a jovem, que não conhecia de lado nenhum, disse-me que o seu treinador não tinha podido estar presente e que tinha ido Torneio com a família. Procurei acalmá-la e a aconselhei-a a pelo menos a fazer a Kata que tinha anunciado mesmo sabendo que ia ser eliminada, ao que me respondeu que não valia a pena, que se ia embora e que não estava disposta a perder o seu tempo em “mais coisas destas”…
Também no ano passado, num campeonato regional, um infantil já ia na 2ª volta de Kata sem ter executado nenhuma… se a mesa, alertada pelo treinador, não tivesse desfeito o engano, qual seria o resultado final? Voltou-se atrás, e o outro “desgraçado” que tinha competido no lugar deste teve de fazer de novo a sua Kata…
Já este ano, também num regional de iniciados, o competidor é chamado e no meio daquela confusão que normalmente se regista atrás da mesa, não ouve… logo é riscado e passa-se à frente, mesmo quando o treinador tem de andar a saltar de área para área pois tem vários atletas em competição em poules diferentes. Se o treinador pode auxiliar a mesa na área onde está, não o pode fazer se estiver ausente.
Nesse mesmo regional, aconteceu o inverso do anterior: o competidor passa mas a mesa regista a passagem do derrotado – facto que, após alertada pelo treinador prejudicado, foi corrigido –mas logo teve de vir lá do fundo da área o Senhor Árbitro dizer que não queria ninguém atrás da mesa. Esquecem-se os Árbitros, e os treinadores também, que nos escalões de formação estes últimos devem ser auxiliares da própria mesa!
E é bom que se perceba que estas situações são administrativas e não desportivas, e, como tal, poderão ter de ser resolvidas posteriormente de outra maneira…
Mas regressando à Kata, e provavelmente à formação dos Árbitros ou às suas competências, também vimos neste mesmo regional um iniciado misturar parte de uma Kata básica com a parte de outra parecida e passou – lá veio o miúdo a dizer “enganei-me, mas passei!”. Tal como outro, que dá um nome à mesa, e já na área anuncia outra, executa-a e ganha – lá veio o miúdo a dizer “dei um nome, disse outro, o da que fiz, mas passei!”.
Nos juvenis, vimos uma Saifa contra uma Heian Sandan e só o Árbitro principal, por acaso o mais credenciado de todos os nossos árbitros, levantar a sua bandeira a favor da Saifa. De facto, se o grau de dificuldade não foi tido em conta, até porque a Heian Sandan teve dois desequilíbrios, então só um árbitro conhecia Saifa a fundo… ou então os outros árbitros não conseguiram despir o casaco do seu bairro… Tal como vimos nos iniciados uma Saifa, por sinal bem executada (e aqui despimos o casaco do nosso bairro) também ser eliminada por uma Heian Godan sem força, apesar dos votos favoráveis do mesmo Árbitro central agora apoiado já por mais um outro…
Sem dúvida que Saifa é uma “Kata maldita”…
Sem dúvida que há Árbitros que sabem arbitrar devido à sua própria formação, mas para quem deve ser frustrante saber quão certos estão e verem outros quatro com opinião contrária à sua…

Claro que as crianças saíram de lá em lágrimas, não por terem perdido mas por se terem sentido injustiçadas. Mas valeram mais aquelas bandeiras que viram a seu favor do que as outras que as derrotaram…



...

2 comentários:

  1. A dúvida que eu coloco é perguntarmo-nos onde é que a competição de Karaté nos está a levar. Será que estamos a enriquecer esta arte marcial desta forma? Eu duvido. O que me parece é que há um sufocar cada vez maior do Karaté "martelado" sobre o Karaté aprendido.

    A técnica esbate-se cada vez mais, aliás, basta ver uma qualquer competição: um miúdo que respire muito alto e faça muito "show" na sua Kata, mesmo que se desiquilibre algumas vezes, ganha com facilidade a outro que tenha menos exuberância embora esteja tecnicamente muito bom. Não faz sentido.

    E pedagogicamente, estamos a engradecer o Karaté? Metemos um miúdo à espera 3, 4 às vezes 5 horas para competir, quando chega o seu momento faz uma Kata e vai para casa? Quando secalhar o adversário o que passa os treinos a fazer é a treinar 3 ou 4 "coreografias" para a competição? Isto para quê? Para dizermos que temos 10 atletas com medalhas?

    Qualquer dia, nem estilos há. Treina-se Karaté de competição, ponto final. E o resto?

    Acho que a competição no Karaté, como em qualquer outro desporto, pode ser benéfica e saudável, a questão é que tem que ser profundamente repensada, pois nos moldes em que existe actualmente, está a prejudicar a modalidade.

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  2. Caro Armando !
    Mais uma vez,colocas questões pertinentes, relacionadas com a verdade desportiva e com o espírito marcial de autenticidade e lealdade.Na verdade, em muitas competições de karaté prevalece o espírito comercial. Como que é possível motivar para a prática, como dizes e bem, quem faz centenas de quilómetros para fazer uma kata? E, algumas vezes passar horas à espera, equipado no pavilhão dum lado para o outro e, quando cansado e farto é chamado a competir.Não acredito que modalidade alguma resistisse a semelhante tortura. Experimentem, no melhor estádio de futebol do país, pôr a jogar durante um dia inteiro as melhores equipas do mundo, de certeza que ao fim de algumas horas muitos dos espectadores saiam.As maratonas do karaté são úteis a quem ?
    sabemos que não é fácil organizar competição a sério, o problema não está em falhar, o mais grave é não pensarem estas coisas, infelizmente, são poucas as pessoas que se preocupam com as questões que levantas.
    Obrigado pela oportunidade de reflexão.
    Grande abraço,
    Luís Sérgio

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