sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sobre esse HOMEM denominado “Árbitro”…

Perry limpou a cerveja entornada com um guardanapo.
– Desculpa, mas fico lixado quando os árbitros se põem a decidir quem vai ganhar em vez de os deixarem jogar.
– A vida é cruel e injusta, meu amigo – disse Bill. – Ninguém escapa às injustiças da vida, nem mesmo no mundo do desporto
.


“Infecção”, Scott Sigler, 2009, 101 Mundos, Edições Gailivro, p. 70

Vemos, observamos e analisamos. Aceitamos, rejeitamos ou contestamos. Criticamos (como é difícil elogiar, enaltecer ou até agradecer!), comentamos e muitas vezes fazemos questão de divulgar... tudo isto sobre o Karaté e os seus intervenientes, pelo que quase sempre, as mensagens que fazemos passar com as nossas conclusões (por vezes são mais crenças do que outra coisa!) não contribuem nem para aumentar o saber (problema filosófico) nem para gerar conhecimento (problema epistemológico).
Nesta modalidade, a prática é a característica comum: todos começamos por ser praticantes. Alguns são também treinadores. Outros ainda, são praticantes, treinadores e árbitros – tudo isto em simultâneo. Poderíamos ainda adicionar a acumulação de alguns cargos como dirigentes em relação a outros, talvez um número mínimo. Treinadores, ministrando só o treino, poucos conhecemos, e ainda menos existem, se é que por acaso existe algum, aqueles que só se dedicam à arbitragem.
E ainda há os paticantes-competidores...
E se a grande maioria é amador, há já, no entanto, uns tantos ou quantos profissionais!
Fácil é, nesta amálgama de carreiras, onde só parece existir uma carreira única, haver conflitos de interesses. Ou o mesmo indivíduo apresentar comportamentos diferentes em situações idênticas conforme o seu papel em cada uma delas.
O homem de casaco e gravata azuis e calças cinzentas é o ser mais solitário durante uma competição. Nunca admirado ou aplaudido e quase sempre odiado... É necessário coragem para ser «árbitro», ou para ser «juiz»…
Os competidores pertencem e uma equipa – e são apoiados no terreno e na bancada – e têm uma equipa adversária. Os treinadores têm um clube ou uma associação. O árbitro não tem clube e muitas vezes é o adversário de todos – bode expiatório dos competidores, dos treinadores e do público.
Ser um árbitro eficaz, arbitrar com excelência, é sem sombra de dúvidas, uma arte. Mas sendo uma arte que implica um conhecimento técnico, arbitrar com excelência é também uma ciência. Quase que nos atreveríamos a dizer uma ciência mais humana do que técnica ou normativa... tal é o infindável número de interacções existentes entre o árbitro e os restantes indivíduos presentes na competição. O bom árbitro, costuma dizer-se, não é o que não erra, mas AQUELE QUE ERRA MENOS! Porque errar é humano…
O árbitro não é neutro, mas deve ser (procurar ser) isento.
O árbitro é o intérprete da lei, o árbitro personifica a autoridade, o árbitro representa a instituição, o árbitro administra a justiça...
Mas que lei? Com que critérios? A lei que ele interpreta não correrá o risco de ser só a sua lei?
Mas que autoridade? A que lhe advém do poder de que é imbuído, mas até onde?
Mas que instituição? A que representa ou aquela da qual se encontra dependente subjectivamente (ou economicamente)?
E que justiça? Aquela que é administrada, ou não, com equidade?
Por podermos levantar todas estas questões parece-nos ser mais importante que o árbitro exerça mais funções de juiz-pedagogo durante o seu magistério do que de juiz-sentenciador – porque o árbitro, ao ajuizar, acaba por estar a valorar. Principalmente nos escalões de formação – infantis, iniciados e juvenis. E os valores são essenciais a uma formação – formação do árbitro, formação do competidor, formação da criança e do Homem. Porque o árbitro, ao ajuizar, pode estar a determinar o futuro da carreira de uma criança ou jovem…
E sabem quanto tempo demora ou quanto custa formar um competidor (não um competidores de aviário, ou de carne-para-canhão!)? Ou quantos competidores abandonam a competição por causa da arbitragem? Os árbitros de Karaté deveriam sabê-lo, pois também são treinadores!
Tomaz Morais – e conhece-se o seu trabalho como treinador e seleccionador a nível do râguebi –, no jornal «A Bola» de 6 do corrente, na página 41 diz-nos que “não há pior do que perder, ou mesmo ganhar, sabendo que houve um erro involuntário de análise ou um juízo crédulo equivocado sobre determinada acção. No alto rendimento, e não só, a afectação de um resultado desportivo tem efeitos por vezes irreparáveis.
Podemos comparar a vida a um jogo de xadrez? É que o xadrez não necessita de árbitro… mas a vida não é um jogo de xadrez. Como alguém disse, e cito de memória, no xadrez, após o cheque-mate, o jogo acaba. Na vida, após o cheque-mate, o jogo continua…

...

1 comentário:

  1. Pela natureza do seu papel e das suas intervenções, o desempenho do Árbitro é e será sempre alvo de controvérsia. A avaliação momentânea de uma acção rápida e a aplicação de um conjunto algo complexo de regras é uma tarefa desgastante e exigente. Todos os assistentes de uma competição são "árbitros" e todos têm razão na sua avaliação. Só quem não esteve nesse papel não compreenderá a sua complexidade. Controlar agressividades excessivas, punir comportamentos impróprios, conhecer e usar os regulamentos instantaneamente, ter a capacidade de ignorar comentários ignorantes e, por vezes, ofensas pessoais é uma tarefa que exige um perfil muito próprio. Para o árbitro, o recinto desportivo onde desempenha as suas funções, pode ser muito hostil. O bom árbitro, a meu ver, é aquele que aplica as regras com firmeza e aceita as suas fragilidades sem desvirtuar a competição. Já vi alguns com desempenhos desastrosos mas felizmente vi muitos com desempenhos excelentes. Afinal, eles também são humanos... e quando tudo corre bem numa competição, raramente se valoriza o trabalho daqueles que a conduziram. É pena...

    ResponderEliminar