sexta-feira, 29 de junho de 2012

Condição Humana: da função ‘artística’ do desporto

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"Karate-Dō "... "Arte Marcial"... "Desporto de Combate"...


Com a devida autorização do Prof. Dr. Olímpio Bento, transcrevo parte de um dos seus textos apresentados no Congresso Mundial de Biomecânica do Desporto, realizado na FADEUP de 27 de Junho a 1 de Julho de 2011. Para comemorar o aniversário...


Os seres humanos são constitutivamente abertos à intervenção ética e estética, porquanto nascem por fazer: no corpo, devido à neotenia; na alma, no coração e na conduta, devido à ausência de normas, princípios e valores. Ou seja, os indivíduos não nascem pessoas, mas são feitos pessoas, mediante a aquisição de uma porte ético e estético. Por outras palavras, têm que afigurar-se moral e esteticamente bem, para habitarem o mundo de um jeito eticamente plausível (o étimo de ética é êthos: morada) e, assim, corresponderem ao imperativo da liberdade e dignidade.

Neste processo os indivíduos são guiadas por outros, educados e treinados na arte de educar e treinar seres humanos, servindo-se de objetos culturais. Qual a razão da necessidade do recurso à cultura?

Segundo a mitologia grega, Prometeu roubou a Zeus (que tudo tinha escondido) para entregar aos humanos (que eram “todos nus” no início): o fogo, as artes, as técnicas, os símbolos etc. Com estes dons e astúcias e com a linguagem tornou-os seres, por excelência, de possibilidades, capazes de hybris, de imaginar, projetar, sonhar, criar, desmedir-se, exceder-se, ir longe, chegar a um nível de livre arbítrio, de criatividade e inventividade que lhes permitem escapar à determinação natural e animal.

Os humanos são, pois, animais ‘artísticos’, ‘ficcionais’ e ‘simbólicos’. Ora para fazerem jus ao seu estatuto, carecem de arte (‘arété’), de incorporar, aumentar e melhorar expressões artísticas, normativas e valorativas. Sem isso a sua natureza, idêntica à de qualquer animal, não lograria alcançar a marca da condição humana.

Somos entes obstinada e vincadamente ‘transcendentes’ e ‘sublimadores’, propensos a soltar-se e distanciar-se das coisas, do imediato e material, criadores e consumidores de símbolos que conferem ritual à vida e associam as ações e objetos a um significado que suplanta os seus efeitos palpáveis.

Vivemos sobretudo num universo simbólico e não num contexto físico. Somos seres e protagonistas de ‘atos intencionados’, carregados de intenções, metas e significados, interpretativos e instituidores de finalidades e sentidos. Operamos não de um modo meramente instintivo ou reflexo, mas intencional. Confrontamo-nos com a natureza e a realidade, tendo símbolos por intermediários, significativos tanto para os praticantes de um ato como para os que o presenciam, significando, codificando, organizando e regulando a conduta de uns em relação aos outros.

Partimos do não humano e é com atos simbólicos, com símbolos práticos e ‘artefactos’, que nos definimos e auto-programamos como humanos e desprogramamos como animais, subtraindo continuamente deficiência, escassez, insuficiências e menoridades, acrescentando forças e qualidades, alargando a disponibilidade para assumirmos o inacabamento, a inconclusão, a busca de perfeição.

Enquanto o animal vive sem propósito próprio, os humanos propõem-se noções, interpretações, desígnios e planos de vida, inscritos em atos e símbolos reveladores da sua liberdade, do que são e escolhem fazer, conjugando adequadamente os alvos e as balizas, as causas e os motivos, as razões, os sentidos e instrumentos da intercessão no campo do real e possível.

2 comentários:

  1. Obrigado por nos trazer aqui este texto.
    De verdade a ética e a estética separam o homem do animal. O Karaté é ambas as coisas - arte (marcial ou não) e beleza (de princípios e de movimentos).

    Um abraço
    JA Neves

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  2. Estoy de acuerdo con Neves JA: ética y obras de arte separan al hombre de los animales. Los animales juegan, pero el hombre hace deporte - la diferencia es el respeto y la belleza.
    Bueno y bello texto de Olimpio Bento!

    Recuerdos Armando!

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