quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Só mais algumas linhas... as últimas!

Há uma diferença entre aquilo que é formulado de uma forma fundamentada e aquilo que é o senso comum... Foi sobre isto que se discutiu nos últimos posts acerca da taxonomia do Karaté e para o qual tentei dar o meu contributo.

Mas não quero deixar passar aqui algumas afirmações mais directas que me foram dirigidas, desejando desde já agradecer a colaboração do Bruno Afonso, do Carlos Rodrigues, do José Ramalho, do Luís Sérgio, do Nuno Almeida e do João Ramalho.

E vou começar por ordem inversa.

O meu amigo João Ramalho no seu blog "Super-Karate" (http://super-karate.blogspot.com/) fala-nos no BuJutsu, no Budo, e pergunta "onde se encaixa o Karate nesta definição?" e responde logo em seguida "na sua origem, em lado nenhum" para a seguir afirmar que "não seria correcto chamarmos Arte Marcial ao Karate" mas "no entanto para uma maior compreensão do público em geral, compreende-se a utilização da expressão".

O Bruno Afonso afirmava que "um dos «trunfos» que se costumam utilizar é, precisamente, o da defesa pessoal (ainda que muitas também apelem à vertente competitiva). Logo, não vejo como podemos excluir o «marcial» da designação que utilizamos para referir a nossa modalidade".

O Carlos Rodrigues perguntava "como podemos treinar a parte Budo ou seja como acrescentar mais à prática do Karate para além daquilo que é comum aos outros desportos? A parte espiritual? Sim mas como se treina ou trabalha isso?".

Aqui residem duas questões fulcrais: a primeira refere-se ao términus da época do Budo - este acabou com o seppuku de Yukio Mishima, a 25 de Novembro de 1970... a segunda tem a ver com a publicidade que fazemos para atrair mais praticantes. Não devemos estar preocupados em ensinar Budo (que penso que nem o sabemos fazer) mas devemos estar preocupados com a publicidade enganosa.

Muita e grande razão tem o João Ramalho quando diz que "uma das grandes lacunas em Portugal, prende-se com o facto de não haver grande formação na área do Karate Infantil". Nem formação «formativa» nem formação competitiva, acrescentaria eu. Formação implica trans-formação... coisa que é rara hoje em dia, pois o que mais existe é reprodução, ou re-produção...

Para o Bruno Afonso, "seja qual for o estilo, costuma incluir no seu programa o ensino de técnicas de combate que não se limitam à marcação de pontos (chaves de braços/pernas, luxações, estrangulamentos, ataques a pontos vitais, etc.). Se isto não faz com que a nossa modalidade seja marcial só porque não andamos todos no meio da rua a aplicar as técnicas aos incautos transeuntes, então com que propósito no-lo ensinam, com que objectivo o ensinamos, com que fito o treinamos e estudamos? Para a competição não serve, visto que as regras não o permitem. Para a manutenção da condição física não se justifica. Como exercício de desenvolvimento da motricidade não se aplica. Por que o incluímos, então, nos nossos programas? Nalgum momento terá de entrar a vertente de combate real e sem regras (ainda que nós tenhamos as nossas regras morais e éticas, nada nos garante que o nosso agressor as tenha), logo marcial." Então eu pergunto: mesmo com esses conteúdos nesses programas, esse tal momento em que terá de entrar a vertente de combate real e sem regras terá sempre obrigatoriamente de existir, tanto mais que não seja uma vez na vida? Ou são complementos que podem servir para... se eventualmente... O Cristiano Ronaldo pega na bola e faz a “volta ao mundo”, o “cabritinho” e mais meia dúzia de malabarismos, mas depois não são aplicados durante o jogo...

Acredito que o João Ramalho, devido à sua profissão (e até porque é um expert em kyusho e em defesa pessoal), pratique Karaté como arte marcial, mas não é só por haver competição numa determinada actividade que ela é considerada desporto. É preciso muito mais do que isso (e os especialistas identificam mais quatro parâmetros). Em 1997 as danças de salão tentaram ser modalidade olímpica. Se o tivessem conseguido, já seriam desporto?

"Faz parte da natureza humana competir. Competimos para ser mais fortes, mais rápidos, etc...." No entanto há sociedades onde a competição não existe! Talvez esta faça mais parte da condição humana do que da sua própria natureza... E discordo de competimos para ser mais fortes ou mais rápidos, ou etc.... para isso treinamos! - competimos porque queremos vencer quando nos queremos medir ou comparar com alguém ou com algum instrumento de medida.

Caro João, dizes que o "o Karate tem em comum com as modalidades desportivas, é nada, niente, nothing, rien, néstum." Nada mais falacioso, pois entre o Karaté e as outras modalidades desportivas as diferenças não são nenhumas, diferentes são as formas e os conteúdos - um dia haveremos de falar sobre isto!

O Carlos Rodrigues diz que "sendo o Dojo Kun muito importante um "Bushido" dos tempos modernos, como fazer as crianças interiorizarem isso? É o grande desafio..." Toca aqui na Pedagogia do Karaté, aquilo que falta a muitos treinadores, pois são transmitidas qualidades físicas e técnicas mas não são transmitidas qualidades axiológicas, éticas ou morais... É o grande desafio porque são esses valores que devemos transmitir como treinadores! Mas volto a acrescentar que não é com um “Bushido” dos tempos modernos que devemos estar preocupados, nem em fazer as crianças interiorizarem isso. Recitar de memória o Doju Kun ou o qualquer uma outra oração não faz o monge. Devemos estar principalmente preocupados com o desenvolvimento integral e harmonioso das crianças, com o saberem cumprir regras, com o serem responsáveis, com o respeitarem o colega e/ou o adversário...

E o Bruno Afonso diz ainda que "ao treinar um atleta para uma competição estamos a tornar as reacções dele instintivas (estarei errado?). A juntar a isso, sejamos directos, ninguém gosta de apanhar na cara, mesmo que seja por culpa própria. Quando um atleta é magoado (estamos a falar de dor mesmo), por maldade, incúria, ou nabice do oponente, dificilmente fica impávido e sereno. Mesmo que se controle na altura, o instinto criado pelo treino, juntamente com o próprio instinto de sobrevivência, estarão a dizer-lhe que reaja, que responda, que se defenda de futuras agressões. Combinando todos estes elementos, não me admira que haja, volta e meia, situações de violência em competição." Comportamentos automatizados sim, instintivos não: instinto é aquilo que chamamos à réstia de inteligência dos animais (discutirmos instintos levar-nos-ia longe demais...). E mesmo se admitirmos que existe o “instinto de sobrevivência”, este não é característico da competição. Mas aqui temos uma prova de que nada há de diferente entre o Karaté e os outros desportos. Qual o praticante que ao levar numa face dá a outra?

Deixemo-nos então de arvorar em defensores do auto-controle, da disciplina e de todas as outras virtudes que proclamamos serem só dignas do Karaté.
Obrigado a todos pela Vossa colaboração.
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