O post anterior levou-me a uma reflexão sobre a competição, a vitória e a derrota... ou talvez até sobre as diferenças entre o antigamente e o agora das mesmas, até porque já antes de Lavoisier (nada se cria, nada se perde, tudo se transforma!) Camões havia dito que o mundo efeito de mudanças tomando sempre novas qualidades.
O Prof. Dr. Olímpio Bento afirmava no jornal «A Bola», no dia 24 de Maio de 2007, que vencer é um modo de desaprender, quando passam despercebidas as circunstâncias em que o triunfo é obtido. Este transforma-se assim num meio de encomendar uma sucessão de derrotas.
E essas circunstâncias podem ser muitas e variadas... principalmente se se encarar a vitória como um fim e não como um meio de atingir algo! Tal como a sucessão de derrotas pode determinar várias e diferentes formas de derrota (consequências!).
As vitórias, tanto no desporto como na vida, são importantes. E tornam-se de tal modo importantes quanto importante é a sua antítese, já que, como também existem as derrotas, são estas que tornam a vitória importante (La Palisse, não?).
Na minha Dissertação de Mestrado (Inocentes, 2002), já eu abordava a complexidade da vitória. De lá transcrevo os quatro parágrafos que se seguem.
«Novos comportamentos confrontam-se com os valores morais e éticos em que assenta toda uma cultura, e a degradação dos valores instituídos origina comportamentos diferentes dos normalmente aceites pela sociedade. De um processo de interacção, onde se analisam as intervenções e reacções, adquirem-se as informações necessárias para se conhecer o que influencia a modificação do comportamento e a interacção que se estabelece no decorrer de um processo de modificação do comportamento pertence ao âmbito pedagógico (Sarmento, 1991).
“E, no domínio educativo, o jogo e o desporto, mesmo na sua dimensão da competição desportiva, são excelentes meios de entendimento comportamental… desde que não esqueçamos que a pedagogia também estuda a relação educativa na base da compreensão dos interlocutores (relações humanas)” (Sarmento, id.), até porque, e em relação ao tentar alcançar a vitória durante o jogo, num âmbito comportamental, ganhar deverá ser definido “como sendo o melhor que se pode ser, independentemente do que o adversário (oponente) é capaz de conseguir” (Sarmento, 1992).
Professores e treinadores terão de fazer com que os praticantes sintam que a vitória é somente uma parte do prazer de jogar, porque a vitória em si mesma, após estar consumada, deixa de ter significado (Bento, 1995).
Terão de fazer com que um bom resultado competitivo seja aquele que comprove, pela positiva, o empenhamento máximo dos competidores, traduzindo uma superação qualitativa em relação à prestação que está ao alcance dos praticantes desportivos (Teotónio Lima, 2000), pois ganhar não é tudo nem a única coisa e perder não constitui obrigatoriamente um fracasso (Coelho, 1988).»
Logo, a vitória é um momento, é fugaz... a sua existência está no caminho e não no final.
Estando o desporto ligado à competição, esta permite que o indivíduo se auto-avalie e confirme (ou não!) se teve sucesso mediante os seus progressos (auto-emulação) ou se avalie comparativamente em relação aos outros ou em relação a um instrumento de medida (hetero-emulação). Muitas vezes essa avaliação só é feita através da vitória, mas há outros meios formativos. Por isso mesmo, Teotónio Lima (1980) dizia que a competição poderia representar um operador pedagógico.
Mas não uma competição ou uma vitória por qualquer meio ou a qualquer preço...
Ora, a profissionalização do desporto mostra-nos também a passagem da vitória como um meio para a vitória como um fim, não tendo esta última o mesmo sentido nem o mesmo preço que a primeira, já que da vitória sobre si mesmo (tradicional no sucesso, na superação individual) se passou para a vitória sobre o outro (típica da competição, do rendimento, do espectáculo).
“No desporto procura-se sempre o melhor resultado e este é, claro, a vitória”, diz-nos Paula Brito (2007).
Ninguém compete para perder (Sarmento, 2004) e quando o que está em causa é a vitória temos de reconhecer que o espírito desportivo actual não pode ser o mesmo de antigamente.
Apesar de ainda continuar arreigado entre nós o mito do fair play, Bento (2004) pergunta-nos se poderá ele “ser hoje o princípio moral mais importante do desporto quando o não é da sociedade?”. Hoje, a resposta provável será negativa.
Temos andado a criar falsas ilusões em relação ao desporto com as crianças quando nos debruçamos sobre a competição dando relevo ao «o que interessa é participar!». Araújo (2006) interroga-nos: “ganhar ou perder é igual?” E o mesmo Araújo (id.) responde-nos: “É óbvio que não!”.
Nada mais falso do que o «ganhar ou perder, tudo é desporto», pois na competição, mais do que o esforço para atingir a vitória, mais do que o superar os obstáculos, o que de facto interessa é, de facto, essa vitória – mas vitória só com o cumprimento total das regras, que são iguais para todos, com o respeito pelo adversário, pelos juízes e pela verdade desportiva. Olímpio Bento (2007) pergunta-nos: “Não sabe melhor ganhar do que perder?!”.
Em vez de continuarmos a tentar ensinar as crianças e jovens a saberem perder talvez seja mais importante começarmos a ensiná-las a ganhar. Como refere Sarmento (2004), “de facto, «ganhar não é tudo», mas concordemos que é agradável, e que ninguém trabalha (no desporto como na vida social) para perder. Então o problema está no tipo de vitória, ou seja, o que temos para ganhar, quando praticar desporto é não perder”. Quando as crianças e jovens souberem ganhar, então também saberão perder quando confrontadas com essa situação.
Mas mais uma vez, nem saber ganhar nem saber perder por qualquer meio ou a qualquer preço...
ARAÚJO, Jorge, 2006, “Excelência, um compromisso emocional”, Horizonte, Lisboa, Vol. XXI, n.º 125, Set./Out., pp. 19-26.
BENTO, Jorge Olímpio, 2007, “Em Defesa do Desporto”, in Bento, J. O. & Constantino, J. M., (Coords.), “Em Defesa do Desporto – Mutações e Valores em Conflito”, pp. 9-55, Coimbra, Almedina.
BENTO, Jorge Olímpio, 2004, “Desporto – Discurso e Substância”, Porto, Campo das Letras.
BENTO, Jorge Olímpio, 1995, “O Outro Lado do Desporto”, Porto, Campo das Letras.
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COELHO, Olímpio, 1988, “Pedagogia do Desporto – Contributos para uma Compreensão do Desporto Juvenil”, Lisboa, Livros Horizonte.
INOCENTES, Armando, 2002, “A Violência na Prática Desportiva Infanto-Juvenil”, Dissertação de Mestrado, FMH-UTL, doc. não publicado.
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SARMENTO, Pedro, 2004, “Pedagogia do Desporto e Observação”, Cruz Quebrada, FMH-UTL.
SARMENTO, Pedro, 1992, “Pedagogia do desporto – aspectos da formação do treinador”, Horizonte, Vol. VIII, n.º 50, Jul./Ago. 92, Lisboa, Livros Horizonte, pp. 67-70.
SARMENTO, Pedro, 1991, “Reflexões sobre a pedagogia do desporto”, Horizonte, Vol. VII, n.º 45, Out./Nov. 91, Lisboa, Livros Horizonte, pp. 92-97.
TEOTÓNIO LIMA, 2000, “Saber Treinar, Aprende-se!”, Lisboa, Centro de Estudos e Formação Desportiva, Ministério da Juventude e do Desporto.
TEOTÓNIO LIMA, 1980, “Alcance Educativo da Competição”, in Barreto, H., “Da Actividade Lúdica à Formação Desportiva”, ISEF-UTL, Cruz Quebrada, pp. 77-103.
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