Estamos cada vez mais velhos, mais idosos... Mas, como diz Camilo José Cela (2002), “há quem nasça velho e quem morra, pasmado pelos anos, galharda ou ternamente jovem, conforme o temperamento e o ofício”, (...) “há quem nasça tendo já abdicado sem o saber (da mesma forma que os príncipes nascem príncipes) e há quem morra com netos e como sem ter dado importância à briga."
Mas numa sociedade que dá cada vez mais importância à moda, ao vestuário, ao culto do corpo, a idade deixa marcas no corpo... embora por vezes a mente se recuse a dar conta de tal. Mas a mente existe porque há um corpo, segundo Manuel Damásio (2003), e se o corpo é o suporte e fornece os conteúdos básicos de que o indivíduo necessita, a mente desempenha vários papéis úteis e necessários ao corpo, tal como o controlo da execução das respostas automáticas para um determinado fim, assim como a associação de várias ideias que permitam a antecipação e planeamento de novas respostas e de novos comportamentos (formação) – essa motricidade intencional de que tanto nos fala Manuel Sérgio em todos os seus livros.
O avanço na idade indica-nos que estamos cada vez mais perto do inexorável fim...
Na nossa sociedade, onde “os valores e as crenças determinam a nossa maneira de viver e de encarar o mundo” generalizou-se o gosto pelo poder, pela posse de bens materiais e difundiu-se a necessidade de competir (Daniel Sampaio, 2010). Mas por vezes também damos conta que temos a necessidade de cooperar.
Corpo e mente cooperam, tal como cooperam mente e corpo, num só uno, indivisível.
E se no “conforme o temperamento e o ofício” o primeiro é individual, característica de cada um, no nosso ofício – ofício de treinador – este já é comum a todos, embora desempenhado segundo cada um e por vezes de maneiras diferentes...
Num ofício em que o corpo já foi jovem e, provavelmente, competiu mais do que cooperou (nem que tivesse sido só consigo próprio), quando deixa de ser jovem (embora pretenda por vezes parecê-lo) há que cooperar mais do que competir...
Porque quando esse inexorável fim chegar, a questão que se colocará é: que sementes deixamos cá?
Nos seus «onze contos de futebol», exemplarmente Cela (op. cit.) relata-nos que havia um jogador “que era o verdugo dos penalties, o feroz e frio executor da perna de morte do futebol. Às vezes, no entanto, falhava, então os companheiros, ao terminar o jogo, manteavam-no como fazem aos cães no Entrudo, para lhe servir de escarmento.
– Mas o que é que estão a fazer a esse desgraçado?
– Nada, minha senhora; estão a manteá-lo, para que aprenda a ter pontaria. E, além disso, ele não é nenhum desgraçado, é o famoso Blas Tronchón, Harinita, o nosso ponta-de-lança, sete vezes internacional. Nós somos uns executantes, não fazemos mais do que cumprir ordens.
– Do treinador, esse fantasma sem caridade?
– Não, minha senhora, das nossas consciências.”
E exemplarmente por quê? Porque de facto nos mostra que na maior parte das vezes, na grande maioria das vezes, ser treinador é “ofício” de reprodução, a não ser que o “temperamento” e a “mente” de cada um a tal se oponham, pois o corpo já não acompanha o dos por si comandados.
Daí o termos os conceitos japoneses de Shin, Gi e Tai. Não é só a condição física do praticante (tai karada) ou a sua habilidade técnica (ghi waza) o mais importante no Karaté. Relembramos que quando temos como objectivo máximo o aperfeiçoamento do seu carácter, é o seu espírito, o seu mental, o seu coração – e que os japoneses designam por “shin kokoro” – que é o mais importante. E esse desenvolve-se não só com a prática, mas também com espírito de sacrifício, com sinceridade, com disciplina com respeito, mas também se desenvolve com a competição e com a cooperação.
Vem esta reflexão a propósito daquilo que tive oportunidade de aprender com alguns dos meus competidores no 1º Torneio da Kaizen, que a nível formativo e pedagógico foi extremamente relevante. Relevante para mim também, como treinador, pois competidores houve que me impressionaram.
Já brinquei com eles no post anterior, agora é a vez de analisar a sério o ocorrido...
Ver o António, sete anos, cinto branco, quatro meses de prática, fazer a sua Fukyo Kata Dai Ichi com aquela garra e determinação, ou o Yhami, com a mesma idade, a mesma graduação e o mesmo tempo de treino com aquela voluntariedade, valeu a pena.
Mas numa sociedade que dá cada vez mais importância à moda, ao vestuário, ao culto do corpo, a idade deixa marcas no corpo... embora por vezes a mente se recuse a dar conta de tal. Mas a mente existe porque há um corpo, segundo Manuel Damásio (2003), e se o corpo é o suporte e fornece os conteúdos básicos de que o indivíduo necessita, a mente desempenha vários papéis úteis e necessários ao corpo, tal como o controlo da execução das respostas automáticas para um determinado fim, assim como a associação de várias ideias que permitam a antecipação e planeamento de novas respostas e de novos comportamentos (formação) – essa motricidade intencional de que tanto nos fala Manuel Sérgio em todos os seus livros.
O avanço na idade indica-nos que estamos cada vez mais perto do inexorável fim...
Na nossa sociedade, onde “os valores e as crenças determinam a nossa maneira de viver e de encarar o mundo” generalizou-se o gosto pelo poder, pela posse de bens materiais e difundiu-se a necessidade de competir (Daniel Sampaio, 2010). Mas por vezes também damos conta que temos a necessidade de cooperar.
Corpo e mente cooperam, tal como cooperam mente e corpo, num só uno, indivisível.
E se no “conforme o temperamento e o ofício” o primeiro é individual, característica de cada um, no nosso ofício – ofício de treinador – este já é comum a todos, embora desempenhado segundo cada um e por vezes de maneiras diferentes...
Num ofício em que o corpo já foi jovem e, provavelmente, competiu mais do que cooperou (nem que tivesse sido só consigo próprio), quando deixa de ser jovem (embora pretenda por vezes parecê-lo) há que cooperar mais do que competir...
Porque quando esse inexorável fim chegar, a questão que se colocará é: que sementes deixamos cá?
Nos seus «onze contos de futebol», exemplarmente Cela (op. cit.) relata-nos que havia um jogador “que era o verdugo dos penalties, o feroz e frio executor da perna de morte do futebol. Às vezes, no entanto, falhava, então os companheiros, ao terminar o jogo, manteavam-no como fazem aos cães no Entrudo, para lhe servir de escarmento.
– Mas o que é que estão a fazer a esse desgraçado?
– Nada, minha senhora; estão a manteá-lo, para que aprenda a ter pontaria. E, além disso, ele não é nenhum desgraçado, é o famoso Blas Tronchón, Harinita, o nosso ponta-de-lança, sete vezes internacional. Nós somos uns executantes, não fazemos mais do que cumprir ordens.
– Do treinador, esse fantasma sem caridade?
– Não, minha senhora, das nossas consciências.”
E exemplarmente por quê? Porque de facto nos mostra que na maior parte das vezes, na grande maioria das vezes, ser treinador é “ofício” de reprodução, a não ser que o “temperamento” e a “mente” de cada um a tal se oponham, pois o corpo já não acompanha o dos por si comandados.
Daí o termos os conceitos japoneses de Shin, Gi e Tai. Não é só a condição física do praticante (tai karada) ou a sua habilidade técnica (ghi waza) o mais importante no Karaté. Relembramos que quando temos como objectivo máximo o aperfeiçoamento do seu carácter, é o seu espírito, o seu mental, o seu coração – e que os japoneses designam por “shin kokoro” – que é o mais importante. E esse desenvolve-se não só com a prática, mas também com espírito de sacrifício, com sinceridade, com disciplina com respeito, mas também se desenvolve com a competição e com a cooperação.
Vem esta reflexão a propósito daquilo que tive oportunidade de aprender com alguns dos meus competidores no 1º Torneio da Kaizen, que a nível formativo e pedagógico foi extremamente relevante. Relevante para mim também, como treinador, pois competidores houve que me impressionaram.
Já brinquei com eles no post anterior, agora é a vez de analisar a sério o ocorrido...
Ver o António, sete anos, cinto branco, quatro meses de prática, fazer a sua Fukyo Kata Dai Ichi com aquela garra e determinação, ou o Yhami, com a mesma idade, a mesma graduação e o mesmo tempo de treino com aquela voluntariedade, valeu a pena.
Tal como foi gratificante ver o Gonçalo aplicar-se nas suas execuções e o Rafael encarar com naturalidade o facto de se ter enganado ao anunciar uma Kata e executar outra...
A força do Bruno e a aplicação do Alexandre, que tanto gosta de fazer Saifa mas que na hora certa se consciencializou que afinal ainda não está boa para apresentar em competição... ambos tendo feito todas as Gekisai com uma concentração digna de realce.
A voluntariedade da Rute, da Samira e da Zália, pela primeira vez perante juízes e público, com nervosismo, com ansiedade, mas que executaram as suas formas... assim como a Carolina e a Isabela que se superaram a elas próprias mostrando que afinal possuem mais força do que aquela que mostram às vezes nos treinos.
O Diogo que lavado em lágrimas, se sentiu injustiçado nas suas duas avaliações de Kata mas que no Kumite soube recuperar de uma desvantagem perante um colega do próprio dojo, o Rúben Santos, que tanto na Kata como no Kumite se aplicou ao máximo.
O Ruben Jacinto, que em Kata deu mais do que costuma dar, e em Kumite pela primeira vez, embora sendo o menos alto de todos, com determinação e empenho todos levou de vencida...
O Alberto, que aceitou arriscar pela primeira vez Seyunchin e que valeu a pena...
E aquele que mais «puxou» da bancada pelos da sua equipa, o Yúri, deu um exemplo notável de companheirismo, que no final foi retribuído pelos aplausos do seus colegas galardoados. Manifestação espontânea que mostrou a colaboração existente no grupo.
Por último, os meus alunos e competidores mais antigos (o Rui Loureiro e o Ricardo Prelhaz) e que desta vez tiveram a oportunidade de constatar que afinal as bandeiras da arbitragem até são “pesadas” e que às vezes a decisão tem de ser entre uma Kata má e uma menos má... tal como por vezes tem de se decidir o ponto na dúvida e sem direito a “replay”...
E ainda há quem seja contra a competição no Karaté ou não encare este como um desporto... Como afirma Fenando Pessoa (2009), sob o pseudónimo de Bernardo Soares, no seu Livro do Desassossego, "uma só coisa me maravilha mais do que a estupidez com que a maioria dos homens vive a sua vida: é a inteligência que há nessa estupidez."
Cela, Camilo José, 2002, “Onze contos de futebol”, Porto, asa editores
Damásio, António, 2003, “Ao encontro de Spinoza – as emoções sociais e a neurologia do sentir”, Mem Martins, Europa-América.
Sampaio, Daniel, 2010, “Valores e Crenças”, Revista «Pública», 23 de Maio, p. 4.
Soares, Bernardo, 2009, “Páginas do Livro do Desassossego”, Ática, Guimarães Editores.
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Pois é..., há quem já nasça velho, há quem já nasça com tudo controlado, há quem já nasça até sem saber que nasceu!!! Mas para esses, que nem sequer sabem o que cá andam a fazer, subscrevo as palavras do João Ramalho, "fogueira com eles!". Tens que ter cuidado com o que dizes, desculpa, escreves, senão ainda vem algum iluminado pelas "trevas" descobrir que afinal eras tu que tinhas razão!!! (quando convém...)
ResponderEliminarAh... e quando fizeres pontaria a alguém, chuta com força - pode ser que resulte e os tais que não sabem que afinal até vagueiam por este mundo consigam acordar e descobrir que "anormal", até é um adjectivo e não um elogio...
Beijos para ti...