Há conversas que por vezes nos marcam... tal como me marcou aquilo que Onaga Sensei (翁長 先生) me disse em 1981 sobre o significado de Mugen-kudō (道究限無), do mesmo modo me influenciou uma frase sua que retive desde o já distante ano de 2003: “A prática do Karate-Dō sem conhecimento não é nada”, rematando logo a seguir - "mas é com a procura e o sacrifício do corpo que vais adquirir esse conhecimento..."
Há muito que estava estabelecido um relacionamento Mestre-discípulo em que para quem ministrava o ensino, a prática e o treino do Okinawa Gōjū-Ryū Karate-Dō (冲縄剛柔流空手道) - e não só! -, não chegava um saber-fazer: era necessário também um saber-estar, um saber-ser mas principal e essencialmente um saber-fazer-ser.
E esse é o propósito fundamental da pedagogia - o "saber-fazer-ser". Essa é a responsabilidade de quem ensina!
Vem isto a propósito do que significa o conceito de BUNBU ICHI (文武一) - e aqui recorro a Joséverson San transcrevendo do seu blog, com o seu consentimento:
"Outro aspecto do treino dos guerreiros feudais, mais exactamente dos Samurai, era a expressão Bunbu Ichi, onde:
文 BUN - Literatura.
武 BU - Militarismo.
一 ICHI - O número um, nº 1.
Traduzindo literalmente significa "Literatura e Militarismo são uma única coisa".
Basicamente equivale à expressão ocidental "A pena e a espada em comum acordo".
Mas na realidade, este conceito vai um pouco mais longe.
Bunbu Ichi significa que "teoria e prática devem ser feitas na mesma proporção". Infelizmente, no ensino marcial contemporâneo, existem instrutores que afirmam que "estudar Karate não importa, o que importa é combater". O que estes instrutores não vêem é o óbvio diante dos seus narizes.
Se tradicionalmente a teoria e a prática devem ser treinadas como se fossem uma única coisa, então, o instrutor que só está interessado na parte prática do Karate só sabe 50% do que deveria ser Karate. E se não sabe 100% de uma matéria que se propõe a ensinar, está - de facto - em posição de "ensinar" honestamente?
Honestamente? Não! Porque - dado o alcance do seu conhecimento - não é capaz de responder ou tem poder de argumentação diante de questões literárias a respeito da arte que, como instrutor, deveria dominar a 100%.
Assim, para felicidade de determinados instrutores, onde só se justifica a prática do Karate e o "estudo" da arte está fora de questão, conceitos teóricos como "Bunbu Ichi" não foram muito difundidos aqui no ocidente; razão pela qual estes mesmos instrutores ainda podem dizer coisas disparatadas tal como: "karate só tem a ver com suar o karate-gi"...."
"A literatura (estudar) e o militarismo (treinar) devem ser como uma única coisa". O exemplo mais concreto que temos na nossa história é o de Luis Vaz de Camões...
...
OSS Inocentes Sensei!
ResponderEliminarEste princípio enfatiza em outras palavras O CAMINHO DO MEIO. Importante ensinamento búdico, que se aplica em todas as coisas e pensamentos.
Um Abraço!
Caro Armando !
ResponderEliminarNa continuação dos anteriores, excelente post. Está lá tudo, na verdade o Karateca so será diferente para melhor quando conseguir conciliar arte ( literatura) e combate. Infelizmente há por aí muita mente vazia a dar murros.
Grande abraço,
Luís Sérgio
Dr. Armando:
ResponderEliminarO Dr. bate aqui numa tecla que é o âmago de quem ensina, o cerne de quem forma: saber-fazer, saber-estar e saber-ser são fundamentais num Professor, num Instrutor/Treinador, num Mestre, num Pedagogo, mas o essencial é de facto o saber-fazer-ser porque são eles que "fazem" SERES HUMANOS antes de "fazerem" alunos, atletas, praticantes ou competidores.
Antes do atleta vem o Homem... aprendi consigo! Aprendi agora algo mais...
Aliás, os posts de Março e Abril têm sido do melhor que há por aí - excelentes!!! Parabéns, embora eu saiba que não precisa deles!!!
Uma Feliz Páscoa para si e toda a sua família.
JA NEVES
(Armando Inocentes e Joséverson Goulart deram-nos óptimas prendas de Páscoa. Um grande obrigado a ambos - domo arigato gozaimashita!)
Caro Armando:
ResponderEliminarÉ a Pedagogia que move todo o ensino e toda a formação para conseguirmos ser-fazer-ser.
Temos de ser obreiros de uma prática teórica e de uma teoria prática para sabermos que filhos deixamos a este mundo - um mundo que deveria ser de qualidade.
Por isso devemos estar em formação permanente, actualizando os nossos conhecimentos e complementando aqueles que já possuímos. Mas temos de estar também despertos para as adversidades. Esse teu colega especialista em karaté e em japonês é um excelente pedagogo. Não me devo enganar muito se também for nosso colega de profissão...
Excelente a comparação que vais buscar a Luís de Camões. Escritor e militar exímio a manejar a espada, considerado por alguns como o nosso maior poeta, mas que perdeu uma vista a defender o nosso país e que morreu na miséria. Não deve ter sido por acaso que a sua última palavra em «Os Lusíadas» é INVEJA!
Um abraço e uma Páscoa Feliz
Luísa Costa