Com a devida vénia, transcrevemos a crónica de hoje de Fernanda Palma, publicada no Correio da Manhã, na sua página 14, intitulada «Responsabilidade desportiva». Porque interessa a todos os que se interessam por desporto...
Entre a responsabilidade desportiva e a responsabilidade penal existe uma fronteira qualitativa que, por vezes, se revela imprecisa. Os comportamentos adotados pelos atores desportivos no decurso das provas ou em seu redor atingem, com frequência, um nível de veemência física que invade o espaço de liberdade e segurança dos adversários.
A responsabilidade penal começa quando uma prática não se configura como mera violação das regras desportivas, por ser grosseiramente lesiva e inadequada. Por exemplo, no pugilismo, os murros na nuca são proibidos, mas não implicam, em regra, responsabilidade penal. Mas uma dentada na orelha (como foi dada por Tyson a Holyfield) já é ofensa corporal.
É certo que o Código Penal não traça a fronteira entre condutas aceites ou toleradas na atividade desportiva (ainda que violadoras das regras do jogo) e comportamentos que devem ser considerados ofensas corporais, à partida simples, puníveis com prisão até três anos mediante queixa. Têm de ser as representações sociais a fornecer esses critérios de adequação.
Um critério possível atende ao conjunto de condições de que depende a prática desportiva. Se no futebol, por exemplo, se considerasse ofensa corporal o vulgar empurrão ou a rasteira, tornar-se-ia inviável o próprio jogo tal como hoje o conhecemos. Só haverá aí ilícito desportivo. Mas nada impede a intervenção do Direito Penal se um jogador esmurrar outro.
As ofensas corporais são pois delimitadas, naqueles desportos que se praticam através de jogos ou lutas, por critérios de adequação social que abrangem não só as práticas permitidas pelas regras do jogo, mas também aquelas que estão próximas e representam riscos típicos da atividade desportiva. Trata-se de riscos que os intervenientes aceitam presumivelmente.
Uma questão que foi suscitada pelo recente caso de Luisão é se, no relacionamento entre atletas e árbitros, valem também certos critérios de adequação. Embora a margem de tolerância seja menor do que na relação entre atletas em competição, a resposta é positiva. Há casos em que a responsabilidade pode ser restringida ao plano puramente disciplinar.
A existência de dolo (ofensa ‘voluntária’) ou negligência grosseira, a gravidade da ofensa e os motivos e fins do agente, no contexto da situação concreta do jogo, são elementos de que depende a afirmação da responsabilidade penal. No caso de esta existir, será cumulável com a responsabilidade disciplinar, por ter sido praticada uma infração desportiva.
Pois é, não se sabe se, no caso Luisão houve agressão efectiva ou encenação do árbitro. O que sabe é que a imagem transmitida (no maior veículo de comunicação) é triste. Independentemente do facto de ter havido ou não agressão. Um espectáculo desportivo é veículo de transmissão de comportamentos. Essa é que é a verdade. Tudo o resto é semântica...
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