DA AGRESSÃO CÍVICA
É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto.
Falta-lhe o romantismo cívico da agressão.
Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados.
Miguel Torga, Diário IX, (Chaves,17 de Setembro 1961)
Recebido via e-mail, transcreve-se de autora identificada:
ResponderEliminarApanhei o seu bog nestes últimos posts e dou-lhe os meus parabéns pelo mesmo. Comento neste último, mas tendo em conta os anteriores também.
Refilarmos, barafustarmos, reclamarmos, está nos genes do povo latino. Não agirmos, não actuarmos, não fazermos obra também deve estar nos nossos genes. Para além de poder ser genético também pode ser cultural...
Deixa-nos aqui dois vultos portugueses: Abel Manta e Miguel Torga. Abel Manta mostra-nos o “rebanho” que somos atrás daquele que sobressai – o líder (para o bem ou para o mal, para o melhor ou para o pior). Miguel Torga faz-nos recordar aquele primeiro-ministro que dizia “o povo é sereno”. O rebanho também... Na I Convenção de Gestão do Desporto da FADEUP o Prof. Petrolitano disse-nos que o líder só é líder se for um gestor, ao que adiciono o que disse o Prof. Gustavo Pires: quem não sabe gerir controla!
O mesmo se passa no desporto e no seu karaté deve ser igual: comentamos em particular, “cortamos na casaca” uns dos outros em privado, mas quando temos de nos expor, o medo de sermos apontados, contestados, derrotados, é maior do que o medo de ter medo. E quase que diria que na sociedade em geral o mesmo acontece. Como o Armando afirmou na Convenção, citando Olímpio Bento, exige-se fair-play no/ao desporto mas não se exige esse mesmo fair-play na nossa sociedade, no relacionamento com os nossos vizinhos, com os nossos colegas de profissão.
No desporto e na vida sempre houve os amigos dos amigos, que estão do mesmo lado, os que eram amigos e deixaram de o ser para depois estarem em dois lados diferentes e aqueles que sempre estiveram só do seu próprio lado.
É curioso que os animais apesar de jogarem, não fazem desporto, mas o comportamento dos animais não se modifica consoante as modas ou as opiniões dos fazedores das mesmas. Os animais seguem o líder, mas quando este já não serve os interesses do grupo e necessitam depô-lo, substituem-no! É genético!
Desculpe-me o alongamento...
Felicidades.
Anabela Carriço
É tudo uma questão de cultura e de cooperação... ou não!
ResponderEliminarRichard Dawkins ao examinar a biologia do egoísmo e do altruísmo (1976, “O Gene Egoísta”, Gradiva, Lisboa p. 28) defende que o importante em termos de evolução é a sobrevivência do indivíduo em detrimento da sobrevivência da espécie.
O organismo não é nada mais que uma “máquina de sobrevivência”, que é utilizado para o benefício dos genes. Diz-se, assim, que os genes são egoístas, pois o único objectivo deles é replicarem-se (fazerem cópias de si mesmos de modo a aumentarem o seu número) enquanto não contribuem para o fitness (capacidade de sobrevivência e reprodução) do organismo. Por isso mesmo "erguemo-nos indignados, mourejamos o dia inteiro indignados, comemos, bebemos e divertimo-nos indignados, mas não passamos disto".
Assim, é de esperar que não exista cooperação entre indivíduos, sendo que cada um é “guiado” pelos seus próprios genes, promovendo a sua sobrevivência; no entanto a cooperação é comum não só entre indivíduos, mas também entre espécies. O próprio Dawkins afirma, “a selecção favoreceu genes que cooperam entre si” (id., p. 92). Se existem genes que cooperam entre si, existem também indivíduos que façam o mesmo.
Em termos de cooperação, existem dois tipos de indivíduo: o cooperador - paga um custo para um outro indivíduo receber um benefício - e o desertor - não tem custos e os benefícios que possui são para si próprio (Nowak, M. A., 2006, “Five Rules For The Evolution Of Cooperation”, Science, Vol. 314, Dez./06, pp. 1560-1563). Enquanto o cooperador contribui para um aumento de fitness da comunidade onde se encontra inserido, o desertor contribui apenas para o seu próprio fitness. Como o fitness deste último é mais elevado, é de concluir que a selecção natural irá actuar de modo a preservar os desertores em detrimento dos cooperadores.
Por isso mesmo "falta-nos o romantismo cívico da agressão".
Nos dias de hoje, o mecanismo de evolução de cooperação que se evidencia mais na espécie humana é o de reciprocidade indirecta. Neste modelo existe um dador e um destinatário (Nowak, id., p. 1561). Enquanto o dador é activo (ou seja, tem a escolha de ser altruísta ou egoísta), o destinatário é passivo. No entanto, o dador, ao ser altruísta, não o faz para bem do destinatário nem para o bem comum; ao ser altruísta, o dador aumenta a possibilidade de uma melhor reputação que, por sua vez, poderá trazer benefícios através de uma nova reciprocidade indirecta, na qual o dador passa a ser o destinatário – o dador é altruísta para o bem dele próprio a longo prazo. Este tipo de mecanismo permite a evolução da cooperação através da reputação.
Se os genes competem entre si para a sua própria sobrevivência, não se verifica um total egoísmo quando observamos os organismos. A evolução da cooperação existe e não colide directamente com o egoísmo dos genes.
Logo, é necessário o egoísmo e o altruísmo para a sobrevivência das espécies.
E “a transmissão cultural é análoga à transmissão genética” (Dawkins, id., p. 92).
Resta saber se é necessário um maior egoísmo ou um maior altruísmo para a sobrevivência do indivíduo e do meio em que ele está inserido...
Por isso mesmo "somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados".