Era uma vez um comerciante muito rico que vivia a dizer que o seu burro era cinto preto de Karate-dô. Estava tão certo a este respeito que chegou a comprar um Karate-gi e um cinto preto à medida. Vestiu o seu burro com o karate-gi, atou o cinto à volta da barriga do burro e resolveu desafiar todos os mestres de todos os estilos de Karate para virem defrontar o seu animal!
Para tanto, decidiu escrever o seguinte cartaz:
DESAFIO QUALQUER CINTO PRETO A FAZER
ALGO A NÍVEL DE KARATE QUE O MEU BURRO
NÃO POSSA FAZER MELHOR!
RECOMPENSA:
Entrego imediata e gratuitamente todo o meu negócio comercial.
Entrego imediata e gratuitamente todo o meu negócio comercial.
Espalhou cartazes por onde conseguia alcançar!
Passados alguns dias, alguém bate à sua porta:
- Toc, toc, toc!
- O que queres? - pergunta o comerciante.
- Vim desafiar o seu burro! - responde o truculento mestre de Karate.
Uns minutos após, os três, o comerciante, o burro e o mestre de karate dirigiam-se para a praça da cidade, onde seria o evento.
No local da competição, juízes a postos...
- SENHORAS E SENHORES, A COMPETIÇÃO VAI COMEÇAR! - ouvia-se nos altifalantes.
- E o que podes fazer de melhor? - pergunta o dono do burrito.
- Vou partir quarenta telhas com um Yoko-geri ("chute lateral")! - responde o mestre de Karate.
- Força! - diz o comerciante.
Tudo preparado. A população, aos gritos, apinhava-se para ver tal evento.
Telhas colocadas, o mestre prepara-se mentalmente por breves instantes e...
- KIIIIIIIIAAAAAAAAAAIIIIIIIIII!!!!!
- CRASHHHHHH!!
Quarenta telhas partida de uma ponta à outra!
Um verdadeiro espetáculo!
O comerciante olha para o seu burrito como se nada tivesse acontecido.
A população incrédula e agitada dividia-se sobre quem seria o vencedor.
O que viria a seguir?
Colocadas outras quarenta telhas em posição. É então que o comerciante diz:
- Não, não! Eu quero sessenta telhas!!
A população delira!!! Senhoras desmaiam, as crianças gritam... é a loucura total!
Colocadas mais vinte telhas... O burrito assume a sua posição com uma cenoura ainda a rodopiar na boca.
Ao toque do comerciante na orelha do burrito, este solta um grande "ió!!" ao mesmo tempo que dá um coice valente!
- CRASHHHHHH!!
Lá se foram sessenta telhas!! Todas partidas!
Foi a glória! O Burro havia derrotado um cinto preto de Karate de forma contundente!!
Vitorioso, o burrito volta ao estábulo com mais cenourinhas à sua espera.
Passados mais alguns dias...
- Toc, toc, toc! - batem à porta do comerciante.
- Ui! Deixa eu lá ver. Queres desafiar o meu burrito? Estou certo? - diz o comerciante.
- Sim! - responde o mestre de Karate com grandes calos nos nós dos dedos!
Lá foram eles novamente para a praça da cidade...
- SENHORAS E SENHORES, A COMPETIÇÃO VAI COMEÇAR! - ouvia-se nos altifalantes.
- E o que podes fazer de melhor? - pergunta o dono do burrito.
- Vou partir vinte blocos de pedra com um Gyaku-zuki ("soco invertido")! - responde o mestre de Karate.
Colocados os vinte blocos de pedra uns acima dos outros, a pilha sólida a ser partida era monstruosa! Parecia um pilar!
Tudo preparado, população, estações de rádio locais a transmitir o evento! Todos aos gritos, uns por cima de outros para ver tamanho espetáculo.
Telhas colocadas, o mestre prepara-se mentalmente através de um breve mokusô (“pensamento silencioso") e...
- AYÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!!!!
- CRASHHHHHH!!
Vinte blocos de pedras partidos!!
Isso sim! Isso era realmente um feito extraordinário! Completamente fora do comum!
O comerciante olha para o seu burrito... e toma lá mais uma cenourinha!
Os colaboradores do evento voltam a empilhar mais vinte blocos de pedra para o próximo concorrente... E o que ocorre novamente? Exato!! O comerciante diz:
- Pára tudo, pára tudo! Eu quero trinta blocos de pedra!
Atendendo ao pedido do comerciante, mais dez blocos foram colocados.
A pilha de pedras que antes era uma monstruosidade agora estava gigantesca!
O comerciante - que não era burro - havia trazido uma plataforma que posicionava o seu burrito um tanto acima da pilha de blocos de pedras.
Ao ouvir o assobio do comerciante, o burrito zurrou como ele só... "iiióóóóó" e saltou da plataforma caindo com o seu pesado traseiro sobre a pilha de blocos de pedras!!
- CRASHHHHHH!!
Trinta blocos de pedras partidos!!
- Foi... foi... foi...
Não havia palavras para definir o que aquilo havia sido!
A população da cidade estava em êxtase.
Parecia mesmo que o burro era imparável!
Alguns até já o chamavam de "sensei Burro"!
Televisão, rádio, jornais... todo e qualquer meio de comunicação apenas tinha olhos e ouvidos para o burro que - na realidade - parecia mesmo ser cinto preto de Karate!!!!
Pois havia derrotado dois mestres sem grande esforço!
O comerciante que já era rico, ficou ainda muito mais rico - tantas eram as pessoas que, a partir deste momento, já apostavam enormes somas em dinheiro no burrito cinto preto!
Numa manhã,...
- Toc, toc, toc! - batem à porta do comerciante.
- Deixa eu lá ver. Queres desafiar o meu burrito? - diz o comerciante - com sorriso de orelha à orelha.
- Sim! - responde o mestre de Karate.
Lá foram eles novamente para a praça da cidade...
- SENHORAS E SENHORES, A COMPETIÇÃO VAI COMEÇAR! - ouvia-se nos altifalantes.
- E o que podes fazer de melhor? - pergunta o dono do burrito.
- Vais dar algum chute? - continua o comerciante.
- Não. - responde o mestre.
- Vais dar algum soco? - pergunta o comerciante, um pouco curioso.
- Não. - responde novamente o mestre.
- Então, o que sabes fazer? - pergunta o comerciante, já impaciente.
- Eu sei falar. - diz calmamente o mestre.
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... Foi o silêncio geral!
- Porque... - continua o mestre - o que diferencia um verdadeiro karateka (um ser humano) de um burro com um cinto preto ao redor da barriga não é a capacidade de dar coices ou emprego da força irracional, mas a capacidade de falar, de debater, aprender e transmitir o que aprendeu.
Quanto ao final da história?!
O mestre não quis nada dos negócios do comerciante, porque - como o próprio mestre disse naquele dia: "Pode ficar com os seus negócios e com o seu burrito, pois a minha vida de karateka é muito atarefada. Com o pouco tempo que me resta diariamente, estudo o que eu ainda não sei... porque ainda tenho muito o que aprender sobre a arte que escolhi."
FIM
(^_^)
Conto de autoria de Joseverson Goulart, que amavelmente autorizou a sua transcrição, com os nossos agradecimentos. Publicada a 25 do corrente em http://jojimonogatari.blogspot.com/.