Com a devida autorização do seu autor, publica-se um texto do blog Jôgi Monogotari, de Joseverson Goulart, que dada a sua importância merece ser trazido ao conhecimento dos leitores de Karate-do.pt. Com os nossos agradecimentos, aqui fica a sua transcrição.
(bujutsu 武術) Também chamado bugei 武芸, agora comumente chamado budô 武道 ou "A Via Marcial" ou "O Caminho Marcial" são termos japoneses que englobam artes marciais como o Kendô 剣道 (esgrima japonesa), Jûdô 柔道 e Kyûdô 弓道 (arco e flechas). A antiga expressão bugei jûhappan 武芸十八般 (as 18 artes marciais) referia-se às seguintes artes:
01. 弓術 Kyû-jutsu - arqueria ou tiro com arco,
02. 馬術 Ba-jutsu - a arte do cavalo, hipismo,
03. 槍術 Sô-jutsu - arte da lança,
04. 剣術 Ken-jutsu - a arte da esgrima japonesa,
05. 水蓮 Suiren - natação,
06. 居合術 Iaijutsu - arte de desembainhar a espada,
07. 短刀術 Tantô-jutsu - a arte da espada curta,
08. 十手術 Jitte-jutsu - a arte do bastão dos oficiais do governo,
09. 手裏剣術 Shuriken-jutsu - a arte do lançamento de adagas,
10. 吹き矢術 Fukiya-jutsu - a arte do sopro de agulhas / zarabatana,
11. 薙刀術 Naginata-jutsu - a arte da alabarda,
12. 鉄砲術 Teppô-jutsu - a arte das armas de fogo,
13. 捕縄術 Hojô-jutsu/Hobaku-jutsu - a arte de nós e amarrações,
14. 柔 Yawara - o Jûdô contemporâneo,
15. 忍術 Ninjutsu - arte da espionagem,
16. 棒術 Bô-jutsu - a arte do bastão,
17. 錑術 Mojiri - a arte do bastão com picos em uma das extremidades e
18. 鎖鎌術 Kusarigama-jutsu - a arte da foice com corrente.
O karate não é considerado uma das artes marciais tradicionais japonesas, apesar de algumas vezes ser referido como tal fora do Japão. No período Edo (1600-1868), em adição às matérias acadêmicas, eram exigidas aos guerreiros que aprendesse seis artes marciais: esgrima, lança, arqueria, hipismo, jûjutsu (agora conhecido como Jûdô) e armas de fogo. Estas seis juntas com Gunji-senryaku 軍事戦略 "a estratégia militar" eram chamadas "As sete artes marciais". Estas eram ensinadas sob o nome Bushidô 武士道 (A Via - ou Caminho - do Guerreiro).
Após a Restauração Meiji (Meiji Ishin 明治維新 - 1868) o conteúdo das artes marciais mudou enormemente, refletindo o fato de que elas não mais deveriam ser utilizadas em combate e que já não eram de treino exclusivo da classe guerreira. Refletindo esta nova circunstância, o Bujutsu 武術 foi substituido pelo termo Budô 武道, implicando que deveria ser treinado mais sob princípios espirituais do que para o combate.
(...)
Depois da Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de modificar certas visões das artes marciais e (mudar) a ênfase de artes práticas com objetivo de defesa nacional para desportos que conferem maior harmonia e universalidade."
Em JAPÃO - PERFIL DE UMA NAÇÃO.
Publicado pela editora KODANSHA INTERNATIONAL, 1995 - Página 324.
Notas finais:
1. Isto são fatos históricos, portanto, quer muitos gostem ou não, não há como mudar a história do Japão para se adaptar às nossas conveniências a nível de ensino de artes marciais no ocidente. Posicionamentos caricatos, alienados, de ignorância histórica japonesa e afirmações do tipo "O meu estilo segue a tradição guerreira do antigo Japão" etc. definitivamente não refletem a realidade e tradição naturais das artes marciais que dignificam o Japão de ontem e de hoje. O respeito pela arte (marcial ou não) que se pratica também passa pela compreensão dos fatos históricos a ela ligados. A razão de o Karate não ser japonês exige - por parte de um certo tipo de instrutores desta arte - que tirem os seus traseiros do comodismo, desçam do pedestal de vaidade a que chamam graduações (DAN - cintos/faixas pretas) e humildemente ESTUDEM a arte que ensinam antes de difundirem disparates, tolices e ilusões que só na cabeça deles existem!
Uma sugestão: para iniciar, um estudo mais sério sobre a história de Ryûkyû (Okinawa) talvez não fosse uma má idéia para entender realmente o que é a tradição do Karate (?!).
2. Outra coisa que deve ficar bem clara é: por "princípios espirituais" entenda-se princípios espirituais japoneses para japoneses (porque eles têm o Shintô e o Budismo como guia filosófico-espiritual para os seus dia a dia) e não se aplica à civilização ocidental.
Instrutores mal informados que impingem uma treta religiosa no Karate deveriam parar com esta estupidez para o bem do próprio Karate... Pensando bem, nem chega a ser "treta religiosa no Karate", uma vez que não se vê nenhum monge com conhecimento efetivo e vivência religiosa a dar aulas - portanto - tais instrutores deveriam restringir-se ao que dominam e não inventem nada que não sejam capazes de fundamentar. Um DVD, um livro ou o Youtube não faz de ninguém um monge ou, pior, um samurai.
3. Assim sendo, o Karate deve ser praticado dentro do contexto no qual está inserido. Sem tretas, sem enganos, de forma honesta. Não precisa ser nenhum Albert Einstein para entender o que isso significa... principalmente deverá ter isto em mente quem for realmente um bom instrutor.
E nada mais tenho a dizer sobre este assunto.
Joseverson Goulart in http://jojimonogatari.blogspot.com/, 23 de Novembro de 2011.
O título do post engana-nos... pois Okinawa pertence ao Japão.
ResponderEliminarMas compreenderemos melhor a mensagem de Joseverson com o conteúdo de um comentário seu:
"Vamos aos factos:
Facto - Japão invade Ryûkyû em 1609. Bem, era um ponto estratégico e com o poderio Satsuma naquela época, era realizável.
Facto - Japão - como força invasora - proíbe naturalmente a continuação do idioma de Ryûkyû, da cultura e artes nativas de Ryûkyû.
Passa a obrigar o povo nativo a se "tornar japonês".
Facto - O Japão resolve anexar Ryûkyû (agora já sob a designação "japonesa" de "Okinawa") em 1879.
Agora, Inocentes Sensei... vamos raciocinar juntos.
Sendo uma ilhota lá no meio do oceano, cuja a cultura foi suprimida à força, o senhor acredita - honestamente - que os japoneses tratam o povo e cultura de Okinawa como uma cultura igual?!
O senhor deve conhecer o Yamato-damashii (pois já fez um artigo a respeito)... acha que uma arte que vem "de lá daquelas ilhotas", pode ser uma arte tradicional do "Grande Japão"?
Vamos ver... A editora Kodansha é uma das maiores do Japão e é famosa pela seriedade que trata os seus trabalhos. Acha que ela apresentaria tal informação se ela não correspondesse ao pensamento japonês? Realmente, não é "nenhum McCarthy", mas eu estou mais inclinado à opinião de um nativo japonês do que de um Gaijin ("estrangeiro").
Nos dias de hoje, Okinawa é uma das prefeituras mais pobres do Japão. O tratamento - talvez por coincidência - continua diferenciado, passado estes anos todos.
Não se trata de "como" foi desenvolvido o Karate, mas ONDE este foi foi desenvolvido.
Todos nós sabemos das influências chinesas, das artes nativas etc.. Mas o assunto tabu é "como os japoneses vêem o Karate" e este sempre foi e sempre vai ser de Okinawa (Ryûkyû).
E é por isso que o Karate não foi, não é e acredito eu que nunca venha ser uma arte tradicional japonesa. Porque se trata de uma questão política e não de evolução de uma arte.
Não se pode negar,por outro lado, os louváveis esforços de todos os mestres de Okinawa em promover a arte, mas no Japão de hoje, o karate ainda é de Okinawa.
Inocentes sensei sabe qual é o problema disso tudo? É que nenhum instrutor se dá ao trabalho de verificar a história de Ryûkyû a partir da "invasão" japonesa (Isso mesmo! Não ter medo de falar com todas as letrinhas: I-N-V-A-S-Ã-O!). E por quê? Porque é muito mais fácil fechar aos olhos para alguns "detalhes históricos" quando estes estão a nosso favor do que arranjar controvérsia com as organizações "japonesas" que orientam o Karate dos dias de hoje.
(^_^) Yamamoto Tsunetomo tinha razão!
Basicamente coloque-se no lugar da força invasora que se considera superior e, a partir daí, vendo o que é escrito pela Kodansha (japonesa), tire as suas conclusões.
Jô."
Li com interesse o artigo e, sem discutir ou pôr em causa a veracidade do seu conteúdo, vou manifestar aqui algumas opiniões pessoais respeitantes ao mesmo.
ResponderEliminarHá algum (pouco tempo atrás) quase toda a gente podia garantir que o kung-fu tinha tido origem na China - era um facto incontestável na altura - chegando-se mais tarde à conclusão que não era. A mim não me causou grande efeito tal como não me causa o artigo em causa. Se é Japonês, Coreano ou até do Alentejo, só pode ter interesse, e aí concordo com a correção, para dar rigor aos factos. Quanto ao aspecto "religioso" com que o autor qualifica o karate explicado como tendo origem no Japão, não vejo a ligação. Religião é religião e arte é arte. Como sou ateu estou perfeitamente à vontade para discutir este aspecto. Considerar praticamente inaptos e denegrir as graduações de Dan apenas por incorreções históricas parece-me um pouco arrojado para não dizer pior. O que interessa no meio disto tudo é o karate em si. Investigações que corrijam erros históricos são sempre boas e devem ser feitas, mas nem todos somos "iluminados" ao ponto de ter de saber de cor os pormenores históricos do karate (eu, confesso aqui e já...não os sei). Gostei particularmente da forma como foram explicados no artigo os factos históricos, já a forma como foram apresentados...
Caro José Ramalho, permita-me umas pequenas observações a respeito dos pontos que descreves.
ResponderEliminarQuanto a religião e o Karate. A grande (mesmo grande) maioria os instrutores têm uma tendência de apresentar uma certa parte do treino do Karate como tendo algo a ver com Zen ou uma certa dose de espiritualidade. O que não corresponde à realidade do Karate praticado no ocidente. Por outro lado, no Japão, onde as religiões fazem parte do dia a dia, é natural que elas estejam de certa forma ligadas à pratica.
O aspecto "religioso" tendo origem no Japãoa? Sim, tem. Porque só vai compreender a transformação dos "-Jutsu" em "Dô" (a nível de desenvolvimento no Japão) se levarmos em consideração a ética, a filosofia e a forma de pensar japonesa em si.
Quanto a "Considerar praticamente inaptos e denegrir as graduações de Dan apenas por incorreções históricas ".
Se um Dan não é instrutor, não há mal que caia na comodidade e limite-se a ficar com o conhecimento que tem. Mas, se um Dan se predispõe a "ensinar" é inadmissível que transmita informações erradas! E, neste caso, é mesmo um inapto porque vai transmitir informação errada para muitos outros mais e estes - por sua vez - como efeito de bola de neve vão retransmitir o erro por ainda mais outros. SABER é OBRIGAÇÃO de quem ensina! Idealmente, se não se sabe, não se ensina. Mas não é essa a realidade do ensino marcial.
É máxima japonesa: 文武一 BUNBU ICHI "O treino literário (teoria) e o treino militar (prática) nada mais são do que a mesma coisa." A pesquisa, o estudo, a compreensão da arte que praticamos não é um "privilégio" de uns poucos, mas uma "opção" de cada um. O comodismo, o "deixa estar" não deveria característica de quem ensina.
Para finalizar, quanto ao "Há algum (pouco tempo atrás) quase toda a gente podia garantir que o kung-fu tinha tido origem na China (...)." Na verdade, não existe nenhuma arte marcial com esta designação na China. O "Kung-fu" é um título de proficiência e serve apenas para indicar uma pessoa que faça bem o seu trabalho... um médico, um professor, um agricultor, etc.. Na China, as artes marciais são conhecidas por 武術 Wûshù ("artes marciais" - no caso de Taiwan) ou 國術 Guoshù ("artes nacionais" no caso da China comunista). E mesmo esta teoria só era válida para aqueles que não tinham conhecimento da evolução histórica da arte em si.
押忍
Osu.
(^_^)