quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O Karate NÃO é Japonês.


Com a devida autorização do seu autor, publica-se um texto do blog Jôgi Monogotari, de Joseverson Goulart, que dada a sua importância merece ser trazido ao conhecimento dos leitores de Karate-do.pt. Com os nossos agradecimentos, aqui fica a sua transcrição.

"ARTES MARCIAIS

(bujutsu 武術) Também chamado bugei 武芸, agora comumente chamado budô 武道 ou "A Via Marcial" ou "O Caminho Marcial" são termos japoneses que englobam artes marciais como o Kendô 剣道 (esgrima japonesa), Jûdô 柔道 e Kyûdô 弓道 (arco e flechas). A antiga expressão bugei jûhappan 武芸十八般 (as 18 artes marciais) referia-se às seguintes artes:

01. 弓術 Kyû-jutsu - arqueria ou tiro com arco,

02. 馬術 Ba-jutsu - a arte do cavalo, hipismo,

03. 槍術 Sô-jutsu - arte da lança,

04. 剣術 Ken-jutsu - a arte da esgrima japonesa,

05. 水蓮 Suiren - natação,

06. 居合術 Iaijutsu - arte de desembainhar a espada,

07. 短刀術 Tantô-jutsu - a arte da espada curta,

08. 十手術 Jitte-jutsu - a arte do bastão dos oficiais do governo,

09. 手裏剣術 Shuriken-jutsu - a arte do lançamento de adagas,

10. 吹き矢術 Fukiya-jutsu - a arte do sopro de agulhas / zarabatana,

11. 薙刀術 Naginata-jutsu - a arte da alabarda,

12. 鉄砲術 Teppô-jutsu - a arte das armas de fogo,

13. 捕縄術 Hojô-jutsu/Hobaku-jutsu - a arte de nós e amarrações,

14. 柔 Yawara - o Jûdô contemporâneo,

15. 忍術 Ninjutsu - arte da espionagem,

16. 棒術 Bô-jutsu - a arte do bastão,

17. 錑術 Mojiri - a arte do bastão com picos em uma das extremidades e

18. 鎖鎌術 Kusarigama-jutsu - a arte da foice com corrente.

O karate não é considerado uma das artes marciais tradicionais japonesas, apesar de algumas vezes ser referido como tal fora do Japão. No período Edo (1600-1868), em adição às matérias acadêmicas, eram exigidas aos guerreiros que aprendesse seis artes marciais: esgrima, lança, arqueria, hipismo, jûjutsu (agora conhecido como Jûdô) e armas de fogo. Estas seis juntas com Gunji-senryaku 軍事戦略 "a estratégia militar" eram chamadas "As sete artes marciais". Estas eram ensinadas sob o nome Bushidô 武士道 (A Via - ou Caminho - do Guerreiro).

Após a Restauração Meiji (Meiji Ishin 明治維新 - 1868) o conteúdo das artes marciais mudou enormemente, refletindo o fato de que elas não mais deveriam ser utilizadas em combate e que já não eram de treino exclusivo da classe guerreira. Refletindo esta nova circunstância, o Bujutsu 武術 foi substituido pelo termo Budô 武道, implicando que deveria ser treinado mais sob princípios espirituais do que para o combate.

(...)

Depois da Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de modificar certas visões das artes marciais e (mudar) a ênfase de artes práticas com objetivo de defesa nacional para desportos que conferem maior harmonia e universalidade."

 
Em JAPÃO - PERFIL DE UMA NAÇÃO.
Publicado pela editora KODANSHA INTERNATIONAL, 1995 - Página 324.


Notas finais:

1. Isto são fatos históricos, portanto, quer muitos gostem ou não, não há como mudar a história do Japão para se adaptar às nossas conveniências a nível de ensino de artes marciais no ocidente. Posicionamentos caricatos, alienados, de ignorância histórica japonesa e afirmações do tipo "O meu estilo segue a tradição guerreira do antigo Japão" etc. definitivamente não refletem a realidade e tradição naturais das artes marciais que dignificam o Japão de ontem e de hoje. O respeito pela arte (marcial ou não) que se pratica também passa pela compreensão dos fatos históricos a ela ligados. A razão de o Karate não ser japonês exige - por parte de um certo tipo de instrutores desta arte - que tirem os seus traseiros do comodismo, desçam do pedestal de vaidade a que chamam graduações (DAN - cintos/faixas pretas) e humildemente ESTUDEM a arte que ensinam antes de difundirem disparates, tolices e ilusões que só na cabeça deles existem!

Uma sugestão: para iniciar, um estudo mais sério sobre a história de Ryûkyû (Okinawa) talvez não fosse uma má idéia para entender realmente o que é a tradição do Karate (?!).

2. Outra coisa que deve ficar bem clara é: por "princípios espirituais" entenda-se princípios espirituais japoneses para japoneses (porque eles têm o Shintô e o Budismo como guia filosófico-espiritual para os seus dia a dia) e não se aplica à civilização ocidental.

Instrutores mal informados que impingem uma treta religiosa no Karate deveriam parar com esta estupidez para o bem do próprio Karate... Pensando bem, nem chega a ser "treta religiosa no Karate", uma vez que não se vê nenhum monge com conhecimento efetivo e vivência religiosa a dar aulas - portanto - tais instrutores deveriam restringir-se ao que dominam e não inventem nada que não sejam capazes de fundamentar. Um DVD, um livro ou o Youtube não faz de ninguém um monge ou, pior, um samurai.

3. Assim sendo, o Karate deve ser praticado dentro do contexto no qual está inserido. Sem tretas, sem enganos, de forma honesta. Não precisa ser nenhum Albert Einstein para entender o que isso significa... principalmente deverá ter isto em mente quem for realmente um bom instrutor.



E nada mais tenho a dizer sobre este assunto.

 
Joseverson Goulart in http://jojimonogatari.blogspot.com/, 23 de Novembro de 2011.

3 comentários:

  1. O título do post engana-nos... pois Okinawa pertence ao Japão.

    Mas compreenderemos melhor a mensagem de Joseverson com o conteúdo de um comentário seu:

    "Vamos aos factos:
    Facto - Japão invade Ryûkyû em 1609. Bem, era um ponto estratégico e com o poderio Satsuma naquela época, era realizável.
    Facto - Japão - como força invasora - proíbe naturalmente a continuação do idioma de Ryûkyû, da cultura e artes nativas de Ryûkyû.
    Passa a obrigar o povo nativo a se "tornar japonês".
    Facto - O Japão resolve anexar Ryûkyû (agora já sob a designação "japonesa" de "Okinawa") em 1879.

    Agora, Inocentes Sensei... vamos raciocinar juntos.

    Sendo uma ilhota lá no meio do oceano, cuja a cultura foi suprimida à força, o senhor acredita - honestamente - que os japoneses tratam o povo e cultura de Okinawa como uma cultura igual?!

    O senhor deve conhecer o Yamato-damashii (pois já fez um artigo a respeito)... acha que uma arte que vem "de lá daquelas ilhotas", pode ser uma arte tradicional do "Grande Japão"?

    Vamos ver... A editora Kodansha é uma das maiores do Japão e é famosa pela seriedade que trata os seus trabalhos. Acha que ela apresentaria tal informação se ela não correspondesse ao pensamento japonês? Realmente, não é "nenhum McCarthy", mas eu estou mais inclinado à opinião de um nativo japonês do que de um Gaijin ("estrangeiro").

    Nos dias de hoje, Okinawa é uma das prefeituras mais pobres do Japão. O tratamento - talvez por coincidência - continua diferenciado, passado estes anos todos.

    Não se trata de "como" foi desenvolvido o Karate, mas ONDE este foi foi desenvolvido.

    Todos nós sabemos das influências chinesas, das artes nativas etc.. Mas o assunto tabu é "como os japoneses vêem o Karate" e este sempre foi e sempre vai ser de Okinawa (Ryûkyû).

    E é por isso que o Karate não foi, não é e acredito eu que nunca venha ser uma arte tradicional japonesa. Porque se trata de uma questão política e não de evolução de uma arte.

    Não se pode negar,por outro lado, os louváveis esforços de todos os mestres de Okinawa em promover a arte, mas no Japão de hoje, o karate ainda é de Okinawa.

    Inocentes sensei sabe qual é o problema disso tudo? É que nenhum instrutor se dá ao trabalho de verificar a história de Ryûkyû a partir da "invasão" japonesa (Isso mesmo! Não ter medo de falar com todas as letrinhas: I-N-V-A-S-Ã-O!). E por quê? Porque é muito mais fácil fechar aos olhos para alguns "detalhes históricos" quando estes estão a nosso favor do que arranjar controvérsia com as organizações "japonesas" que orientam o Karate dos dias de hoje.

    (^_^) Yamamoto Tsunetomo tinha razão!

    Basicamente coloque-se no lugar da força invasora que se considera superior e, a partir daí, vendo o que é escrito pela Kodansha (japonesa), tire as suas conclusões.

    Jô."

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  2. Li com interesse o artigo e, sem discutir ou pôr em causa a veracidade do seu conteúdo, vou manifestar aqui algumas opiniões pessoais respeitantes ao mesmo.
    Há algum (pouco tempo atrás) quase toda a gente podia garantir que o kung-fu tinha tido origem na China - era um facto incontestável na altura - chegando-se mais tarde à conclusão que não era. A mim não me causou grande efeito tal como não me causa o artigo em causa. Se é Japonês, Coreano ou até do Alentejo, só pode ter interesse, e aí concordo com a correção, para dar rigor aos factos. Quanto ao aspecto "religioso" com que o autor qualifica o karate explicado como tendo origem no Japão, não vejo a ligação. Religião é religião e arte é arte. Como sou ateu estou perfeitamente à vontade para discutir este aspecto. Considerar praticamente inaptos e denegrir as graduações de Dan apenas por incorreções históricas parece-me um pouco arrojado para não dizer pior. O que interessa no meio disto tudo é o karate em si. Investigações que corrijam erros históricos são sempre boas e devem ser feitas, mas nem todos somos "iluminados" ao ponto de ter de saber de cor os pormenores históricos do karate (eu, confesso aqui e já...não os sei). Gostei particularmente da forma como foram explicados no artigo os factos históricos, já a forma como foram apresentados...

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  3. Caro José Ramalho, permita-me umas pequenas observações a respeito dos pontos que descreves.
    Quanto a religião e o Karate. A grande (mesmo grande) maioria os instrutores têm uma tendência de apresentar uma certa parte do treino do Karate como tendo algo a ver com Zen ou uma certa dose de espiritualidade. O que não corresponde à realidade do Karate praticado no ocidente. Por outro lado, no Japão, onde as religiões fazem parte do dia a dia, é natural que elas estejam de certa forma ligadas à pratica.
    O aspecto "religioso" tendo origem no Japãoa? Sim, tem. Porque só vai compreender a transformação dos "-Jutsu" em "Dô" (a nível de desenvolvimento no Japão) se levarmos em consideração a ética, a filosofia e a forma de pensar japonesa em si.
    Quanto a "Considerar praticamente inaptos e denegrir as graduações de Dan apenas por incorreções históricas ".
    Se um Dan não é instrutor, não há mal que caia na comodidade e limite-se a ficar com o conhecimento que tem. Mas, se um Dan se predispõe a "ensinar" é inadmissível que transmita informações erradas! E, neste caso, é mesmo um inapto porque vai transmitir informação errada para muitos outros mais e estes - por sua vez - como efeito de bola de neve vão retransmitir o erro por ainda mais outros. SABER é OBRIGAÇÃO de quem ensina! Idealmente, se não se sabe, não se ensina. Mas não é essa a realidade do ensino marcial.
    É máxima japonesa: 文武一 BUNBU ICHI "O treino literário (teoria) e o treino militar (prática) nada mais são do que a mesma coisa." A pesquisa, o estudo, a compreensão da arte que praticamos não é um "privilégio" de uns poucos, mas uma "opção" de cada um. O comodismo, o "deixa estar" não deveria característica de quem ensina.
    Para finalizar, quanto ao "Há algum (pouco tempo atrás) quase toda a gente podia garantir que o kung-fu tinha tido origem na China (...)." Na verdade, não existe nenhuma arte marcial com esta designação na China. O "Kung-fu" é um título de proficiência e serve apenas para indicar uma pessoa que faça bem o seu trabalho... um médico, um professor, um agricultor, etc.. Na China, as artes marciais são conhecidas por 武術 Wûshù ("artes marciais" - no caso de Taiwan) ou 國術 Guoshù ("artes nacionais" no caso da China comunista). E mesmo esta teoria só era válida para aqueles que não tinham conhecimento da evolução histórica da arte em si.
    押忍
    Osu.
    (^_^)

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