“Diz uma lenda chinesa muito antiga que os primeiros homens que habitaram a Terra eram todos imortais. Porém, essa imortalidade levantava problemas difíceis de resolver. O maior desses problemas resultava da grande quantidade de homens que povoavam o Planeta e do facto de durarem indefinidamente. Sentindo-se incapazes de alimentar tanta gente, as forças da Natureza pediram auxílio aos deus dos Deuses que, ao dar conta do erro que cometera ao criar a Terra, teve um ataque de fúria como só os deuses são capazes de ter e mandou para o Planeta uma enorme língua de fogo que por toda a parte semeou destruição e horror. Ao verem que a Terra assim não iria sobreviver, os deuses menores pediram-lhe clemência.”
Assim começa José Jorge Letria o seu livro «Lendas da Terra«»(Terramar), contando a seguir que então o deus dos Deuses criou uma bela deusa vestida de negro e vermelho a que deu o nome de «Morte». A sua função seria equilibrar o número de habitantes terrenos...
Não sei se no Desporto temos um deus dos Deuses (se nos restringirmos ao desporto português, talvez tenhamos!), mas não tenho dúvidas que temos muitos deuses: aqueles que são glorificados na competição, aqueles que são erigidos pelos mídia, e ainda aqueles que põem e dispõem de tudo no desporto. São estes, ao invés do que nos conta o conto, que de vez em quando também enviam enormes línguas de fogo que semeiam a destruição sobre os intervenientes directos no fenómeno desportivo, sobre os praticantes e/ou competidores e sobre os treinadores.
Mas temos também no Desporto uma deusa, uma «Morte» (atrever-me-ei a dizer várias deusas, várias «Mortes») que também têm a função de quilibrar as situações nesta actividade. Temos a violência na prática desportiva – a violência reactiva e a violência instrumental – e temos a violência associada ao desporto – o hooliganismo. Irmão destas, e uma outra violência, temos o doping, onde o competidor violenta o seu próprio corpo e adultera os resultados. Ainda desta família, temos violências do próprio desporto: a morte súbita, a morbilidade como sequela e a exploração infantil. Podermos mencionar mais algumas «Mortes» (deusas!) que vão equlibrando a desporto em relação à verdade desportiva, ao fair-play, ao espírito desportivo, em suma, à ética no desporto: a fraude, a corrupção, a xenofobia, a intolerância e a intromissão no desporto da política, da religião e até da economia. Para não esquecer também os actos terroristas que começam a estar presentes no desporto. Uma deusa que tem andado camuflada e tem passado despercebida é a deusa das mortes enigmáticas e dos suicídios no desporto – e que exerce as suas funções mais vezes do que imaginamos porque poucas vezes são divulgadas as suas acções (ultimamente Owen Thomas, Martín Cabrera, Roger de Souza, Cláudia Heill...).
“Passando ternamente a mão pelos lisos negros cabelos da filha, disse-lhe, afectuosamente: – Sei que a Terra não podia estar em melhores mãos. Com as qualidades que sei que tens, não hás-de enganar-te nas decisões que tomares.”
Assim termina Letria o seu conto. E o Desporto também não pode estar em melhores mãos... com a acção das várias «Mortes» que nele existem, elas também não se hão-de enganar nas decisões que tomarem...
Resta saber se nós, simples mortais, nos submeteremos e deixaremos essas deusas assumir e executar essas decisões! Em caso afirmativo, também nós passaremos a ser lendas da terra... porque coniventes com elas!
Caro Armando!
ResponderEliminarNa verdade há deuses a mais no nosso desporto e na sociedade em geral, mas também é certo que existem porque há muitos crentes, muitos interesses e muito quem engorde à custa da crendice (tolice alheia).
Um filósofo do século XVIII, cujo nome não lembro agora, escreveu um dia que:
“O primeiro padre apareceu quando o primeiro vigarista encontrou o primeiro tolo.”
Se calhar assim aconteceu com o primeiro deus, se calhar acontece o mesmo com as fraudes a que chamas deus, persistem porque deixamos, melhor porque alguns deixam, por nós Há muito que teriam perecido. São deuses que interessam ao “Status Quo”, permitem brilhar alguns medíocres e atirar fora uns quantos bons. Parece que há muitos que preferem viver adormecidos ou, pior que isso, ajoelhados.
Nos tempos em que andava todos os dias de comboio, lembro-me de ver, na estação de Barcarena/Massamá, uma inscrição mural que nunca mais esqueci: “
“Alguns senhores só nos parecem grandes porque vivemos ajoelhados!” É, assim na vida, é a assim no desporto, é assim em tudo, não será já tempo de vivermos em pé, não será já tempo de o desporto servir o Homem e não o Homem servir o desporto!
Grande abraço!
Luís Sérgio
PS
Este blogue é um bom exemplo, de que o karaté é muito mais do que murros e pontapés.
Recebido por e-mail, de autora devidamente identificada:
ResponderEliminarLindo Armando. Que grande criativo!!
Boa semana,
MJC