Mais uma crónica do Professor José Manuel Meirim hoje, na página 27 do «Público», como título «Cartão amarelo?», que transcreve-mos na íntegra, pois demonstra como se pode contornar a lei, ou seja, nas suas palavras, como se cria um estado de espírito complacente com uma notória fraude...
1. Não sendo habitual neste espaço, hoje entendemos iniciá-lo com um tema bem mais próximo das “leis do jogo” do futebol ou, melhor dizendo, da disciplina no decorrer do jogo.
No passado dia 24 foi noticiado que a UEFA multou o Villarreal CF e dois dos seus jogadores, Nilmar e Santiago Cazorla, após os dois jogadores terem visto cartões amarelos na parte final do jogo da primeira mão dos quartos-de-final da UEFA Europa League, frente ao FC Twente.
Nilmar e Cazorla viram os cartões nos derradeiros minutos do triunfo caseiro do Villarreal, por 5-1, sobre o emblema holandês, a 7 de Abril, o que os deixou suspensos para o encontro da segunda mão, uma semana depois. O Comité de Controlo e Disciplina da UEFA decidiu multar ambos os atletas em 20 mil euros e o Villarreal em 60 mil.
Conhece-se o que se encontra em causa, ou seja, aquilo que poderíamos designar “por cartões amarelos a pedido”, de sanção desejada e dolosamente obtida, com vista a minimizar os seus efeitos — suspensão de actividade desportiva —, tendo em vista os jogos futuros e seu grau de dificuldade. Também se fala em “limpeza de amarelos”.
2. Por cá, diria por todo o lado, essa prática de exigir a admoestação, por parte do infractor, fere princípios fundamentais de ética desportiva e gera nos espectadores e adeptos um misto de sentimentos (sempre determinado pela cor). Para além da revolta sincera de muitos, cria-se, contudo, um estado de espírito complacente com esta notória fraude. Toda a gente acaba por conviver com a situação e, quem perde, afinal, é a norma e o valor do Direito.
Ao desconforto inicial dos adeptos segue-se uma aquiescência do tipo “isto é mesmo assim”. Se eu fosse agente de arbitragem, se os meus poderes disciplinares o permitissem, não era um segundo amarelo que mostrava ao infractor. Era, só poderia ser, um vermelho bem directo. Esperemos que a sanção da UEFA frutifique.
3. Cartão vermelho, em domingo de Páscoa, merece a Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Esta semana O Jogo deu notícia de alguns aspectos da decisão daquele órgão sobre o denominado (simplifiquemos e honremos o dia) “Caso Jesus”.
Concorde-se ou não com a decisão concreta alcançada, o que é certo é que a mesma deve ser publicitada, acessível ao escrutínio público, seja dos juristas, seja dos operadores da LPFP, seja ainda do adepto em geral. O segredo não pode valer neste domínio. Bem andou, em geral, a anterior CD ao tornar públicas as suas decisões, não sendo necessário o recurso ao labor jornalístico para conhecer partes de um todo que só pode ser avaliado nesses termos.
Não só não existem obstáculos legais à sua mais do que desejável publicidade como o próprio regime jurídico das federações desportivas o exige. E, se há matéria, em que concordamos abertamente com esse novo (?) normativo é precisamente essa. O respeito adquire-se em espaço aberto, não no reservado de uma sala.
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