quarta-feira, 13 de abril de 2011

Uma história ficcional, com nada de fundamentalista!...



"Toda a instituição passa por três estágios:
utilidade, privilégio e abuso."



François Chateaubriand



Jonh Sweet Sugar começara por baixo, mas tinha subido calma e tranquilamente a pulso. Lenta mas cautelosamente, até chegar a presidente do conselho de administração da sua empresa. Uma empresa de renome. Soube rodear-se de vários elementos, cada um técnico na sua área: um vice-presidente para o apoiar, o tesoureiro - especialista em economia e contabilidade -, o homem dos recursos humanos, o expert na organização dos eventos, o técnico da publicidade e do marketing, o gestor de qualidade de produtos... e muitos outros.

Decidiu até que a mesma se deveria projectar a nível de todo o país e a sua empresa até teria um site na internet onde tudo estaria visível ao público e aos interessados: produtos, eventos, etc..

John Sweet Sugar gostava de se dar bem com todos: por vezes até se dava bem com deus e com o diabo, com gregos e troianos, pois os interesses da sua empresa – e os seus próprios interesses – estavam acima de tudo e de todos. Mas também gostava de controlar tudo e todos – a sua opinião tinha de prevalecer sempre! E mesmo que não percebesse do assunto, intrometia-se no trabalho dos técnicos e do pessoal especializado de modo a tudo dominar... e até pegava nas criações de alguns e alterava-as para que passassem a ter a sua chancela!

Lembrou-se até de redigir um código ético e deontológico pelo qual se deveriam reger os seus operários. Mas para que a resolução dos casos difíceis não recaíssem sobre a sua pessoa ou sobre o conselho de administração, teve a ideia mais assombrosa e criativa de toda a sua carreira: à semelhança dos clubes desportivos criou um conselho de disciplina e um conselho jurisdicional. Assim, as penas a serem aplicadas aos prevaricadores não seriam da sua responsabilidade nem do conselho de administração e, para dar um aspecto mais democrático à «coisa», os penalizados poderiam sempre recorrer para o conselho jurisdicional. Claro que para estes dois conselhos escolheu amigos seus, elementos formados em Direito, e pôs à votação de todos os operários da sua empresa a eleição dos mesmos. E foram eleitos, como não poderia deixar de ser! E para melhor lavar as mãos, como Pilatos, todas as decisões destes dois órgãos seriam publicadas na internet.

Mas John Sweet Sugar estava bem ciente que, apesar de toda esta democraticidade da sua empresa, as coisas não poderiam sair do seu controle. Para tal eliminou um inconveniente elemento do seu conselho de administração e criou condições insustentáveis a um outro de modo a obrigá-lo a demitir-se ele próprio. John Sweet Sugar quebrou laços de solidariedade e confundiu amizade com institucionalidade. Daí o seu lema: quem não bebe cofee with sugar bebe cofee without sugar, ou então nem cofee bebe...

De vez em quando levava os seus operários ao estrangeiro, para apresentarem os seus produtos em eventos internacionais. John Sweet Sugar também tinha os seus créditos: conseguiu segurar o seu colaborador para os eventos internacionais e ia obtendo algum sucesso fora de portas. Em parte graças a esse colaborador e a alguns dos seus operários. Claro que o Governo subsidiava algumas destas saídas. E aproveitava também para ir conhecendo o mundo e ficar nos melhores hotéis... E graças a isso conseguiu trazer para o nosso país uma iniciativa europeia!

Mas tal como a geração à rasca protestava, alguns dos seus operários também começaram a apresentar reclamações: nada mais fácil para John Sweet Sugar – enviava essas reclamações para o seu conselho de disciplina e ele que descalçasse a bota! E este aplicava as suas sanções! Claro que os visados, para entretanto continuarem em funções após a pena aplicada por este, recorriam para o conselho jurisdicional. E lá estava na net – dois, três, quatro processos em recurso no jurisdicional.... mas como ninguém se podia dirigir directamente a este, o tempo passava, passava, passava e... prescrevia. E para a reclamação, ou o pedido de recurso, nem ao disciplinar chegar se a ação era sobre alguém que era seu amigo pessoal, John Sweet Sugar tinha uma tática: deixava ficar essa reclamação na sua gaveta. E a net nem sempre precisava estar actualizada – só para o que interessava!

Em relação a outros discordantes a tática de Jonh Sweet Sugar era diferente: dava-lhes uma cenoura, um rebuçado, levava-os lá fora, atribuía-lhes um lugar de menor relevo... e assim os punha satisfeitos mas fora da circulação contestatária.

Numa altura de crise, em que a situação económica de empresa não era a melhor, John Sweet Sugar resolveu dar a volta ao texto: criou cursos de formação para os seus operários, a serem pagos por eles próprios – óptima maneira de equilibrar as operações de tesouraria. E sobre as verbas que entravam, não tinha que dar satisfações a ninguém: era assunto só entre ele e o seu tesoureiro. E os seus operários nem sequer precisavam saber quais os resultados dessa formação...

Ademais, a sua posição vingava de tal modo nas reuniões do conselho de administração que algumas vezes fazia o contrário do que tinha sido deliberado em conjunto. Por isso mesmo alguns dos seus membros deixaram de se reunir assiduamente: apoiava-se no seu tesoureiro e no homem dos eventos internos – o escravo para todo o trabalho. Apoiava-se também em dois outros elementos que não do conselho de administração: um para os eventos internacionais, pois a visibilidade era essencial, um outro para ministrar a formação aos seus operários, pois a entrada de verbas era primordial. Assim a sua credibilidade externa estava no topo. John Sweet Sugar punha e dispunha... e até convidado foi para consultor de um outro conselho de administração de uma outra empresa... uma empresa muito maior que a sua e com outra projecção!

Mas, de repente John Sweet Sugar começou a ficar alarmado pois a formação dos operários passaria a ser pertença do estado. Seria obrigado a criar mecanismos de fiscalização. Começou a ficar alarmado ao saber que se estava ponderar a possibilidade do governo criar um «código da justiça» para todas as empresas de modo a que todos os agentes se pudessem graduar e situar em referência ao mesmo comportamento violador e que as funções do seu conselho disciplinar e do seu conselho jurisdicional passariam para o «estado-legislador»... e toda a sua orgânica controladora iria por água abaixo!

Como iria ficar com as participações contra os seus amigos na gaveta? O que iria fazer com o que tinha feito até aí, tornando o seu conselho jurisdicional inoperativo? Como iria entrar dinheiro através dos cursos de formação que criara? Como iria continuar a dar as suas passeatas ao estrangeiro?

John Sweet Sugar começou a ter insónias, apesar de continuar a apresentar os seus discursos inflamados... Começou a recorrer ao «xanax»... e concluiu que o melhor era reformar-se e deixar o controle da sua empresa a alguém... e sair em grande antes que fosse tarde. Quem viesse a seguir que fechasse a porta! Mas não, não poderia ser... de modo que resolveu constituir uma comissão para comemorar o aniversário da sua empresa. Apesar de nada ir comemorar... E rodeou-se de mais alguns amigos, que poderiam até vir a ser os próximos elementos do seu conselho de administração... E talvez conseguisse perpetuar a sua posição...

E num golpe de génio, para aumentar ainda mais os seus créditos, começou a trazer de fora alguns formadores de renome para que os seus operários – pagando do seu bolso, como sempre – estivessem actualizados em relação ao estrangeiro. Fazia cartaz, dava nas vistas...

Mas John Sweet Sugar intimamente tinha um sonho ou antes, dois sonhos: chegar ainda ao conselho de administração de uma multinacional estrangeira e, após tudo poder ter gozado e de tudo ter usufruído, John Sweet Sugar sonharia com a sua reforma, para todas as tardes poder tomar o seu café calmamente sentado na esplanada enquanto fumasse o seu cigarrito e lesse o jornal...

3 comentários:

  1. Excelente texto. Ficcionado mas parece ter sido retirado da "vida real".

    Com um final a condizer: uma "reforma de sonho"? Estava à espera de um final mais triste... uma morte súbita sem tempo para gozar a merecida reforma, mas o autor poupou-lhe o desgosto.

    Espero pela próxima ficção meu caro Armando.
    Um abraço.

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  2. A ficção por vezes encontra-se mais próxima da realidade do que nós imaginamos... E a realidade também pode ser ficcionada para alertar as mentes mais adormecidas para o que se passa à nossa volta.

    Daí o prazer da leitura... ler... imaginar... perceber nas entrelinhas... e acordar para deixarmos de ser cordeirinhos.

    Parabéns pelos seus dotes literários Dr. Armando.
    Um grande abraço!

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  3. Que giro!

    Conhecia o Mr. Smith e agora verifico que também conheço o Mr. John Sweet Sugar!

    Como o mundo é pequeno!

    PCA

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