quinta-feira, 29 de março de 2012

Criminalizar a gestão danosa - Rui Rangel


Rui Rangel é Juiz Desembargador  e publica hoje no Correio da Manhã a seguinte crónica que transcrevemos na íntegra, com a devida consideração:

Um membro do Banco Central da Islândia disse que Portugal deve investigar quem está na origem do elevado endividamento do Estado. Disse, ainda, que é preciso ir aos incentivos e saber quem ganhou com isto, quem puxou os cordelinhos porque o fizeram e o que fizeram. Só por estas declarações este simpático islandês nunca podia ser português! Recorda-se que na Islândia o Primeiro-Ministro foi julgado por gestão danosa e por incompetência grosseira na gestão da coisa pública.
Esta receita de moralização da vida pública, que responsabiliza quem puxou os cordelinhos públicos, jamais fará parte da formação cívica da nossa classe política. Entre nós, o resultado do desastre financeiro provocado por gestão ruinosa e por incompetência grosseira dos dinheiros públicos, foi o de obrigar toda a gente a pagar a crise que só uns criaram. Procurar os responsáveis políticos pelo elevado endividamento do Estado, saber quem ganhou com isto é assunto que não interessa. E se disserem que é preciso responsabilizar criminalmente os políticos, é considerado um "herege", que merece ser lançado à fogueira. Não cabe nos pergaminhos da democracia julgar, criminalmente, os políticos responsáveis pelo défice monstruoso que deixaram. Dirão, ainda, que o que querem é judicializar a política. Este disparate está na linha de pensamento daqueles que, agora, querem uma petição dirigida ao Parlamento para fazer uma investigação à investigação criminal do processo ‘Casa Pia’. Santa ignorância!
Aqui no nosso burgo o que se pretende é perseguir cidadãos que pouco têm, por prestarem declarações falsas às finanças. Mas deixa-se de fora os dirigentes políticos que levaram Portugal à falência. Saber porque o fizeram e o que fizeram não faz parte das preocupações da agenda política. Em nenhuma democracia civilizada a actividade política escapa ao escrutínio da sanção penal. Não se pode prescindir da criminalização da actividade política, sendo esta a única maneira de salvar a política. A responsabilidade criminal é a forma mais eficaz de moralizar a política e a única que permite responsabilizar alguém, depois de largar o cargo, seja porque perdeu as eleições, seja por vontade própria. A mera responsabilidade política é curta e insuficiente e não garante que essas pessoas não voltem a desempenhar cargos importantes. Estar habituado a exigir dos outros que prestem contas não é o mesmo que as dar. Este é um dos males da nossa democracia. Alguém que autoriza de forma arbitrária encargos financeiros elevados sem mandato, só na via criminal deve encontrar o caminho da redenção e/ou da prisão. Aqui deixo um provérbio, para pensar: "o verdadeiro herói é aquele que tem mais coragem contra si mesmo".

3 comentários:

  1. Ainda hoje comentei em pleno Modelo Continente em Sintra: "Enquanto o povo português se mantiver com "brandos costumes" e se deixar embrenhar pelo fado e pelo futebol, os altos dignitários deste país continuam a "pôr e dispor". A sociedade civil é que faz o país".
    Não mudo o mundo nem as pessoas, mas a minha boca só se há-de calar quando for a sete palmos e meio abaixo da terra. Um beijinho

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  2. Caro Dr. Armando:

    O «mea culpa» é sempre difícil, por isso mesmo "o verdadeiro herói é aquele que tem mais coragem contra si mesmo".

    Se agora qualquer trabalhador pode ser despedido por justa causa "por não estar devidamente adaptado às funções que exerce" (mesmo que seja a entidade empregadora que não lhe fornece condições para issso!) por que motivo há-de haver excepções?

    Toda a GESTÃO DANOSA, desde que provada, deveria ser punida: nos governos, nos tribunais, nas empresas, nas federações, nas escolas... mas não é só a gestão danosa financeira, a gestão danosa moral também...

    Mas lá vem a velha questão, parte do seu "métier": quem examina os examinadores?

    Grande abraço!
    JA Neves

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  3. O problema já não é "quem quer pode..." O problema agora é "quem pode quer..." E quem pode está no PODER...

    Mas há ainda outro problema: quem não está no poder está a deixar-se ir abaixo - e este problema é maior que qualquer um dos outros!!!

    Boa Páscoa!

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